"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

MORDE E ASSOPRA

No intervalo de 24 horas, o Banco Central emitiu sinais contraditórios. Na quinta-feira, por meio da Ata do Copom, avisou que a prioridade era o combate à inflação e, por isso, os juros básicos (Selic) não poderiam cair para segurar o consumo. Ontem, afrouxou as regras para concessão do crédito e, com isso, empurrou os bancos para o aumento dos financiamentos e, portanto, para o aumento do consumo.

O que está por trás desse jogo ambíguo ficou mais difícil de saber. O que a gente sabe é que, há meses, tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, como o ex-presidente Lula vinham questionando publicamente a desaceleração do crédito pelos seus efeitos sobre a venda de bens de consumo duráveis, especialmente veículos. Isso sugere que o Banco Central encontrou um jeito de ceder às pressões ao mesmo tempo que tenta passar a impressão de que se mantém inflexível na política de juros.

Um dos efeitos desejados de uma política monetária restritiva (aquela que opera com juros altos, como agora) é o aperto no crédito. Se agora decidiu facilitar as operações de crédito, o BC está, na prática, tirando força da política de juros.

A decisão tomada ontem veio com o rótulo de medida regulatória, como afrouxamento de medidas prudenciais. Estas são exigências impostas aos bancos para reduzir o risco de calotes nas operações de crédito.

Fica sem explicação por que certas providências destinadas a dar segurança ao sistema, de repente, não precisam ser tão rigorosas, sem que aparentemente as condições de operação tenham se alterado.

Afora os curtos-circuitos na área de administração das expectativas, o efeito prático das decisões ontem tomadas parece limitado. Os bancos terão mais dinheiro para o crédito. São mais R$ 45 bilhões, avisa o chefe do Departamento de Normas do Banco Central, Sérgio Odilon dos Anjos. A pergunta sem resposta é se há demanda por mais crédito, algo que até agora os bancos vinham negando diante da desaceleração do crédito livre (veja o gráfico).

A queda das vendas de veículos, por exemplo, não aconteceu por falta de crédito, mas por falta de apetite do comprador. As isenções tributárias para venda de automóveis provocou antecipação de compras e não aumento de mercado. Se tem carro novo e está pagando financiamento por ele, o proprietário não espera trocá-lo tão cedo por outro zerinho.

Afora isso, o consumidor formou a percepção de que a inflação alta está minando seu poder aquisitivo e que seu emprego pode balançar. É natural que, nas circunstâncias, assuma comportamento mais conservador e evite comprometer seu orçamento com mais despesas.

Esse quadro sugere que o afrouxamento do crédito não terá grande impacto na pretendida retomada do consumo e da atividade econômica, com a agravante de que esta diretoria do Banco Central, presidida por Alexandre Tombini, junta mais um caso à coleção de decisões contraditórias.


29 de julho de 2014
Celso Ming, O Estado de S.Paulo

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