O centenário do início da Grande Guerra chega aos dias de hoje impelido pela justaposição de datas e por uma inevitável conexão com os três confrontos bélicos da atualidade. As guerras ditas “civis” na Ucrânia e na Síria, assim como a do Estado de Israel contra a facção palestina Hamas na Faixa de Gaza, são herdeiras diretas do banho de sangue de 1914-1918 e de uma paz intensamente comemorada, porém precariamente garantida.
O Tratado de Versalhes de 1919 encerrou aquela que deveria ser a última das catástrofes bélicas. Foi rasgado exatos 20 anos depois, transformando a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) em mera sequela da primeira. Começou em Sarajevo, com apenas dois tiros de uma pistola automática que matou o casal herdeiro do Império Austro-Húngaro. Pouco mais de um mês depois, o poderoso império declarava guerra ao reino da Sérvia, prontamente defendida pela Rússia, o que provocou a resposta da Alemanha contra Moscou, Paris e depois Londres. Saldo: 20 milhões de mortos.
Assimetria e desproporcionalidade estão na natureza das guerras. O sentido de proporção, fruto de um estágio superior de racionalidade, não prospera nas batalhas, basicamente irracionais. Impossível mensurar o que seria uma resposta “proporcional” – ou aceitável – a uma ação bélica. A lei do talião embutida no preceito “dente por dente, olho por olho” do Código de Hamurabi (Babilônia, 1780 a.C.) é retórica, metafórica.
Não existe um medidor para calcular a intensidade das desforras, represálias ou vendetas. Sangue derramado não se contabiliza. Talião é a busca de equivalência, tentativa de equilibrar retaliações. Dosimetria em escaladas bélicas é pura ilusão.
Ou A grande ilusão – título de um clássico do pacifismo de autoria do jornalista inglês Norman Angell, best-seller mundial antes de 1914, depois Nobel da Paz em 1933. A guerra proporcional é uma quimera diplomática. Válida, porém mais humanitária, efetiva e definitiva, é a disposição de tirar o dedo do gatilho. O empenho no cessar-fogo, a paz de facto, sem pré-condições, interrompe a dinâmica da guerra. Então diplomatas e estadistas negociam soluções e compromissos.
A questão da proporcionalidade da resposta militar aos foguetes do Hamas está na raiz de um inédito, inaudito e constrangedor incidente diplomático entre o Brasil e Israel. A manifestação do Itamaraty sobre o grande número de vítimas civis, sobretudo mulheres e crianças palestinas, em decorrência dos bombardeios para destruir túneis e depósitos de mísseis usados pelo Hamas na Faixa de Gaza produziu uma insolente resposta do Ministério do Exterior em Jerusalém.
A nota ofende a todos, inclusive aqueles que defendem o inalienável direito de Israel defender-se de covardes ataques terroristas. Não é assim que um governo se dirige a um Estado amigo diante da comunidade internacional. A falta de compostura do texto discrepa da sofisticação e refinamento de um Estado para cuja criação em 1947 e 1948 o Brasil tanto contribuiu.
O ministro do Exterior de Israel, Avigdor Lieberman, é um radical de direita, dono de uma grosseria ilimitada que não consegue disfarçar com as ladainhas dos fanáticos religiosos. De origem russa, o político está mais próximo de um mujique que do pai da diplomacia israelense, Moshe Sharret, ou do sucessor, Abba Eban.
O conflito israelo-palestino clama por uma maior intervenção dos pacifistas. Em Israel e nos territórios palestinos ocupados, numerosas entidades, geralmente de esquerda, trabalham juntas pela paz e pela coabitação. Já conseguiram milagres, mas o projeto só se tornará relevante quando ganhar escala mundial.
Proporcionais ou não, guerras se comunicam, se alimentam e se reforçam. Também os armistícios e a convivência.
29 de julho de 2014
Alberto Dines, Gazeta do Povo, PR
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