"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

DENTRO DA LEI

As grandes manifestações de junho do ano passado foram um recado da sociedade ao poder público e, particularmente, a determinados setores da classe política identificados com a corrupção, os desmandos e toda uma série de comportamentos incompatíveis com o que se espera daqueles a quem se delega a missão da representação. Foram protestos legítimos, avalizados por uma Constituição que assegura a liberdade de expressão. Mas, quando saíram — por força da ação de uma minoria ultrarradical — do terreno da expressão pacífica de descontentamento para a seara da violência, as passeatas, que sintomaticamente refluíram, perderam a representatividade e a legitimidade. Ficaram restritas a condenáveis ações de vandalismo.

Desde então, grupos minúsculos, sem expressão no jogo da democracia brasileira, têm tentado a todo custo se manter nas ruas, sob os mais diversos pretextos. Pela visibilidade do evento, era previsível que a Copa do Mundo seria o mote para nova série de investidas dessas minorias incompatíveis com o estado democrático de direito, o que de fato ocorreu.

Graves em si, pelas demostrações de selvageria, os violentos protestos dos black blocs já haviam ultrapassado os limites constitucionais quando, em fevereiro, um rojão disparado por dois militantes matou o cinegrafista Santiago Andrade. E estavam prestes a radicalizar mais ainda, sabe-se lá até que ponto, quando, no desdobramento de investigações policiais, descobriu-se que tais grupos preparavam uma série de atentados durante o Mundial. Na véspera do jogo final, a Justiça, preventivamente, decretou a prisão de envolvidos nos sinistros planos.

A Justiça agiu rigorosamente dentro do protocolo constitucional, para preservar a sociedade do risco de ser atingida por um surto de violência. Todo o rito foi seguido até que se tenha decidido pela prisão dos suspeitos: as investigações, inclusive com gravações de diálogos incriminadores amparadas por autorização judicial, ampararam um inquérito policial, peça essencial para o Ministério Público pedir a detenção dos militantes, aceita pelo juiz responsável. Tudo em obediência aos ritos da Justiça — inclusive a decisão do desembargador que mandou soltar os presos.

A democracia permite até que se conspire contra o regime, mas nela há pesos e contrapesos, anticorpos que precisam ser acionados para salvaguardar a sociedade e o próprio regime. Os presos, acusados de estarem envolvidos em ações preparatória de terrorismo, ultrapassaram a fronteira do que a Constituição aceita como direito à manifestação.

A História recente oferece exemplos, em todo o mundo, de países que, democráticos, tiveram de agir duramente para repelir ações de violência política (as Brigadas Vermelhas na Itália, o grupo Baader-Meinhoff na Alemanha, o ETA na Espanha etc.). Todos foram combatidos com os instrumentos da lei. Derrotados, fortaleceu-se o estado de direito. É o que se espera que o Brasil siga, combatendo com rigor as tentativas de emparedamento das instituições pela violência.

 
29 de julho de 2014
Editorial O Globo

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