"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 12 de abril de 2014

REDUÇÃO DE ENERGIA


  
 
O governo convocou ontem uma reunião de todas as autoridades do setor elétrico para discutir a crise. Eles avaliaram o cenário de ter que iniciar ao final de abril uma campanha de restrição voluntária de consumo de energia, com foco no setor industrial. O ONS orientou formalmente as empresas hidrelétricas para desligarem as turbinas à noite para poupar água nos reservatórios.

Apesar de o governo continuar negando que haja crise de abastecimento, ela tem se agravado. O ONS havia dito em fevereiro que o nível dos reservatórios do Sudeste tinha que estar, ao final de abril, em 43% para evitar o risco de racionamento. Agora, informou que chegará ao final do mês em 36,5%. Ou seja, ficará abaixo do que ele mesmo havia dito que era o limite de segurança. Foi por causa desse número que a reunião foi convocada e foram contatadas empresas eletrointensivas.

Algumas hidrelétricas do sistema Eletrobrás estão seguindo a determinação de desligar as turbinas à noite e liga-las de manhã. Ainda que este seja um procedimento que ocorre de vez em quando, não deve ser feito com essa periodicidade diária. Por isso, a Cemig negociou com o ONS para não ter que cumprir essa determinação. O risco de queima de turbina é muito grande. Outro problema que pode decorrer desse liga-desliga é ambiental: em época de muita produção de peixe, eles acabam se aproximando de área na qual não chegariam se a turbina estivesse ligada. Quando as máquinas são religadas aumenta muito a morte de peixes.

O nível de água na hidrelétrica de Três Marias ficará, segundo as projeções, bem abaixo do ponto a que chegou no pior momento do racionamento de 2001. A projeção é que em setembro pode chegar a 3,5% do volume útil, o que levaria a empresa a ter que desligar as máquinas. Em 2001, chegou a 8,5%.

Há quem diga no setor que Três Marias terá mesmo que parar, desmontar as máquinas, para aumentar a vazão do rio para alimentar o reservatório de Sobradinho.

O governo tem tentado evitar qualquer campanha de redução de consumo para não dar o braço a torcer neste momento pré-eleitoral. O problema é que o nível dos reservatórios torna a cada dia mais difícil adiar alguma racionalização do consumo. A tendência é tentar esse caminho: redução voluntária e com foco no setor industrial, e, principalmente, das que mais consomem energia. Isso pouparia o consumidor e derrubaria ainda mais a indústria.

Se evitar o racionamento este ano com medidas como essa, o país ainda assim chegará ao fim do ano com um nível tão baixo de água nos reservatórios que complicará o início do próximo governo. O grave problema financeiro das distribuidoras causado pelo custo da compra de energia no mercado livre e mais o custo das térmicas não se resolve com o empréstimo de R$ 11,2 bilhões que será tomado de um pool de bancos pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. Para se ter um ideia, o Ebitda (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) somado de todas as distribuidoras é de R$ 10 bilhões. Toda a capacidade de geração de caixa das empresas não cobre sequer o preço da energia no mercado de curto prazo. E elas só estão comprando nesse mercado porque o governo geriu mal os leilões de venda e compra de energia, deixando parte das empresas “descontratadas”, como se diz no jargão do setor.

Um dia, todo esse custo será repassado para o consumidor, mas elas têm que carregar esse prejuízo até o repasse. Por isso o governo inventou essa fórmula tortuosa de repassar o dinheiro para elas via empréstimo tomado pela CCEE.

Tudo seria muito mais fácil se o governo tivesse admitido o problema em tempo, iniciado medidas de racionalização de consumo, campanhas de economia de energia. Em vez disso, o governo, para manter a quimera da energia barata como arma de campanha eleitoral, tem elevado os riscos de desabastecimento, e, principalmente, o custo da energia. O governo tenta esconder o fato de que é o consumidor quem vai pagar a conta quando passar o período eleitoral, mas esse já é um segredo de polichinelo.

A falta de chuva foi apenas um dos componentes dessa crise. Ela foi em grande parte causada por erros cometidos pelo governo no gerenciamento do setor elétrico.

 
12 de abril de 2014
Miriam Leitão, O Globo

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