De Hudson Correa / Época
Era a última segunda-feira do ano, 27 de dezembro de 2010. No limiar da mudança de governo, o diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, continuava a usar sua caneta. A presidente Dilma Rousseff tomaria posse dentro de cinco dias e não gostava dele. Naquela segunda-feira, Paulo Roberto assinou dois contratos, no valor de R$ 843 milhões, com a Delta Construções, para obras no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O tempo mostraria que foi um péssimo negócio.
Com a inauguração atrasada em cinco anos, o Comperj – obra orçada em US$ 13,5 bilhões – ficará pronto somente em 2016. Sob a alegação de que a Delta contribuía para o atraso, pois tinha “baixo desempenho na execução das obras”, a Petrobras rescindiu os dois contratos em maio de 2012 – um mês depois de Paulo Roberto ter sido demitido do cargo de diretor por vontade da presidente Dilma Rousseff.
De forma vaga, a Petrobras afirma ter pagado à Delta “menos de 10% dos valores contratados”, ou menos de R$ 84 milhões.
Paulo Roberto foi preso no mês passado, sob a acusação de receber dinheiro para facilitar contratações de empresas em obras da estatal. Até aqui, a Delta não aparecera entre as empresas suspeitas. Agora, ÉPOCA obteve documentos de diferentes investigações da Polícia Federal (PF) que mudam esse quadro. Segundo esses documentos, as digitais da Delta aparecem no esquema de pagamento de propina na Petrobras, ainda que de forma indireta. A lista de pagamentos inclui duas empresas fantasmas usadas pela Delta para, segundo a PF, desviar verbas públicas.
A Delta, pequena empreiteira que costumava ser contratada para operações tapa-buraco nas rodovias brasileiras, chegou em pouco tempo ao topo do ranking das mais bem pagas pelos cofres públicos. Só do governo federal embolsou R$ 862 milhões em 2011. A trajetória ascendente se manteve até o começo de 2012, quando a PF prendeu o bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira.
No curso das apurações, descobriu-se que Cachoeira operava não apenas jogos ilegais, mas também um amontoado de empresas fantasmas para desviar dinheiro público recebido pela Delta. No Congresso, deputados e senadores abriram a CPI do Cachoeira, mas logo a sepultaram, quando a apuração ameaçou chegar ao caixa dois de campanha eleitoral e a pagamentos de propinas a políticos de diversos partidos.
A PF continuou sozinha as investigações. Deflagrou em outubro do ano passado, sem muito estardalhaço, a Operação Saqueador. ÉPOCA obteve acesso à decisão da Justiça Federal no Rio de Janeiro que bloqueou bens, quebrou sigilos bancários e determinou a busca pelos sócios das empresas fantasmas. O documento mostra que o inquérito da PF, que corre em segredo de Justiça, já chegou a um montante de R$ 360 milhões desviados pela Delta em contratos com governos estaduais, governo federal e vários órgãos públicos.
A Delta, segundo a PF, repassou o dinheiro para 21 empresas localizadas em Goiás e São Paulo. Com os mandados de busca e apreensão nas mãos, os policiais federais foram atrás das empresas e confirmaram o que se suspeitava. Elas não existem no mundo real, apenas no papel. Nos endereços vasculhados, os agentes encontraram terrenos baldios, outras empresas que nada tinham a ver com a construção civil e residências de classe média.
Os investigadores recorreram aos arquivos do Ministério do Trabalho e não localizaram um só registro de funcionário.
Entre as empresas fantasmas, duas passaram a chamar a atenção da PF. A JSM Engenharia e Terraplenagem e a Rock Star Marketing receberam da Delta R$ 50 milhões entre 2007 e 2012. O valor corresponde a 13% do total de R$ 360 milhões desviados pela empreiteira no mesmo período. Aqui começam a aparecer as digitais da Delta no caso da Petrobras. Segundo a PF, a JSM Engenharia e a Rock Star surgiram numa planilha como prováveis pagadoras de propinas do esquema operado pelo doleiro Alberto Youssef, ligado a Paulo Roberto.
A PF chegou a essa conclusão ao quebrar o sigilo bancário da MO Consultoria, uma empresa de fachada, também sediada em São Paulo e criada por Youssef, preso junto com Paulo Roberto em março passado. A PF suspeita que a MO recebia os pagamentos feitos em troca de contratos na Petrobras. Com a quebra de sigilo bancário, os agentes federais descobriram que a MO recebeu R$ 31 milhões na conta entre 2009 e 2013.
Entre esses depósitos, a polícia descobriu que JSM Engenharia e Rock Star – as empresas fantasmas usadas pela Delta – eram responsáveis, juntas, por R$ 1,5 milhão. Trata-se de um indício de conexão entre a lavagem de dinheiro operada pela Delta e o caso da Petrobras, que há algumas semanas assusta o governo e pode ser alvo de uma nova CPI no Congresso Nacional.
Há outra coincidência entre os esquemas. ÉPOCA revelou três semanas atrás que as duas vertentes usaram um mesmo laranja. Edilson Fernandes Ribeiro, ajudante de serviços gerais, aparecia como sócio da MO Consultoria e também da RCI Software, outra firma fantasma sediada em São Paulo, que recebeu quase R$ 1 milhão da Delta. “Usaram meu nome. Nunca vi esse dinheiro”, disse Ribeiro a ÉPOCA na ocasião. As investigações da PF, tanto dos negócios da Delta como do caso Petrobras, ainda não acabaram e podem trazer mais surpresas.
No primeiro depoimento que prestou à PF, em 17 de março, Paulo Roberto negou qualquer recebimento de propina, mas deu pistas do que ainda pode surgir. Ele disse que, “em virtude do trabalho que desempenhou na Petrobras, conhece pessoas de todas as grandes construtoras e empreiteiras”. Preferiu não dizer nomes. Mas pode fazer isso mais à frente – quem sabe numa CPI, diante de senadores e deputados.
Na casa de Paulo Roberto, os policiais federais encontraram R$ 751.400, US$ 181.495 e € 10.850. ÉPOCA obteve acesso a um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre créditos e débitos na conta bancária de Paulo Roberto. O documento diz que ele tinha uma renda mensal de R$ 22 mil e movimentou R$ 3 milhões entre dezembro de 2013 e março deste ano.
Os advogados de Paulo Roberto afirmam que ele emprestou R$ 1 milhão, em março de 2013, de um empresário amigo. Segundo essa defesa, o empréstimo justifica a origem do dinheiro apreendido na casa dele. O delegado federal Márcio Adriano Anselmo também apreendeu uma planilha com a contabilidade da Costa Global Consultoria, empresa fundada por Paulo Roberto em 2012, após ele deixar a Petrobras.
A planilha lista “entradas e saídas” de dinheiro no período de 30 de novembro de 2012 a 3 de junho de 2013. Anselmo destacou o item “entrada” que informava “um total de R$ 1,06 milhão, US$ 500 mil e € 35 mil”. À frente do item, estava escrito “primo”. Segundo o delegado, Primo é o apelido do doleiro Youssef.
Procurada por ÉPOCA, a Petrobras disse que os contratos com a Delta foram rompidos pelo mau desempenho nas obras e não citou suspeita de irregularidades. A Petrobras diz que a Delta formou um consórcio com as empresas TKK Engenharia e Projectus Consultoria.
A Delta preferiu não comentar as acusações de desvio de dinheiro. “As questões relativas à investigação da Polícia Federal se encontram no âmbito da Justiça”, afirmou a assessoria da Delta. A Delta negou relação comercial com o doleiro Youssef e disse que ainda discute com a Petrobras o acerto de contas nos contratos rescindidos.
É hora de Paulo Roberto começar a dizer os nomes.
12 de abril de 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário