Se a mentira tem pernas curtas, quando o governo mente, a mentira vira perneta.
Dona Dilma e sua comitiva, em vilegiatura entre Genebra e Havana, resolveram fazer uma discreta perna em Lisboa, no sábado passado. A hospedagem em Portugal não estava prevista na agenda oficial divulgada pela assessoria da Presidência da República na última sexta.
Só na tarde de domingo, depois de a passagem da presidente por Lisboa ter sido noticiada por veículos de imprensa brasileiros, o Palácio do Planalto resolveu divulgar uma alteração da agenda presidencial, incluindo a estada em Portugal no roteiro.
Inicialmente, se pretendeu que a escala havia sido decidida na hora. Como se fosse possível reservar hotéis e restaurante, do dia para a noite, para uma comitiva que ocupou 45 quartos. Pelo jeito, a presidente e seus assessores tomam o público nacional como uma malta de pacóvios que engolem qualquer potoca.
Ao dar-se conta da mancada, no final da tarde de domingo, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República divulgou nota em que nega que a escala da comitiva presidencial em Lisboa tenha sido “desnecessária.” De acordo com a nota, a parada era “obrigatória” porque a aeronave oficial, um jato Airbus A319, não tem autonomia para um voo entre Zurique e Havana.
“Dependendo de condições climáticas, o Airbus 319 presidencial tem autonomia média em torno de 9 horas e 45 minutos, tempo insuficiente para um voo direto entre Zurique e Havana. A opção por Lisboa foi a mais adequada, já que se trata do aeroporto mais a oeste no continente europeu com possibilidades de escala técnica”, diz.
Ah, bom! Então era uma escala técnica necessária? Por que então sigilos de encontros de amantes? Pela versão oficial, o plano era sair da Suíça no sábado, parar nos Estados Unidos para abastecer as duas aeronaves oficiais e chegar a Cuba no domingo. Mas o mau tempo teria obrigado a comitiva a mudar de planos na véspera e desembarcar em Lisboa.
Ocorre que, segundo os jornais, desde quinta-feira, o diretor do cerimonial do governo de Portugal, embaixador Almeida Lima, estava escalado para recepcionar Dilma e sua comitiva no fim de semana. Joachim Koerper, chef do restaurante Eleven, onde Dilma jantou com ministros e assessores, recebeu pedidos de reserva na quinta-feira. O engodo durou menos do que o que duram as rosas.
Durante a estada, Dilma e sua comitiva ocuparam 30 quartos de dois hotéis da cidade, o Ritz e o Tivoli. (Segundo outros jornais, foram 45 quartos). A presidente se hospedou em uma suíte presidencial do Ritz, ao custo de 8 mil euros por dia, o equivalente a R$ 26,2 mil. Quem pode, pode. Quem não pode, paga a conta da presidente e seu séquito.
Dona Dilma e sua comitiva jantaram no restaurante Eleven, um dos raros de Lisboa a merecer estrela no Guide Michelin. Segundo o ministro das Relações Exteriores, cada um dos integrantes da comitiva presidencial que jantaram no Eleven pagou sua própria despesa. "Cada um pagou o seu e a presidenta, o dela, como ocorre em todas as viagens. Foi com cartão pessoal."
Se a presidente e sua comitiva tentaram fazer passar a mentira maior, a de que a estada havia sido decidida no sábado, quem vai acreditar que cada membro do séquito um pagou suas contas, inclusive Dona Dilma?
Mas a mentira – ou safadeza – maior, não é nem esta, e sim uma outra, de responsabilidade não da assessoria da Presidência, mas sim da imprensa.
Uma das características da ditadura de Fidel Castro é que ela não se exerceu sobre Cuba, mas sobre toda a América Latina. Houve anos aqui no Brasil em que um jornalista se suicidava profissionalmente se escrevesse que Castro era ditador. Aconteceu comigo.
Anos 80. Eu lecionava em Santa Catarina. Um jornalista gaúcho, que estava organizando o lançamento do Diário Catarinense, convidou-me para escrever uma crônica para o número zero do jornal. Era uma espécie de teste para escolher o cronista. Escrevi duas. Em uma delas, eu dizia que as esquerdas deviam rezar pela saúde de Stroessner e Pinochet. Não que eu tivesse maior apreço por estes senhores. Ocorre que, uma vez mortos, Castro seria o último ditador do continente.
A crônica entrou nos computadores e provocou um motim na redação. Que eu não poderia ser o cronista do jornal, de forma alguma. Que até poderia ter razão. Mas que aquilo não podia ser publicado. O editor não ousou bancar meu nome.E assim, lá do distante Caribe, Fidel roubou-me um emprego em Florianópolis.
No início dos 90, ainda não se podia chamar Castro de ditador na imprensa brasileira. Eu trabalhava na Folha de São Paulo e tive homéricas discussões com meu editor, quando tinha de escrever presidente Fidel Castro. Ele alegava que Castro fora eleito e se as eleições eram ou não eram livres, a nós não cabia julgar. Oficialmente, era presidente e fim de papo. Mas a queda do muro foi-se espalhando em ondas concêntricas e se tornou impossível não chamá-lo pelo que realmente era. Ditador Fidel Castro, portanto.
Com a doença de Fidel e a entronização do delfim, seu mano Raúl, não dava para chamar Raúl de presidente. Ditador nomeando presidente? Não cola. Como Fidel continuava governando na sombra, convencionou-se falar na ditadura dos irmãos Castro.
Com a ida de Dona Dilma a Cuba, para visitar o porto que nós, brasileiros, financiamos à revelia, não ficava bem falar no encontro da presidente com o ditador. A imprensa toda, subserviente, passou a falar em presidente Raúl:
Estadão: Na abertura da Segunda Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o presidente de Cuba, Raúl Castro, criticou o "crescimento desmedido" dos lucros das empresas multinacionais que, no seu diagnóstico, têm impacto sobre a balança de pagamento dos países da região.
UOL: O presidente de Cuba, Raúl Castro, e Dilma Rousseff, inauguraram nesta segunda-feira o primeiro megaporto da ilha caribenha, construído e financiado pelo Brasil, na presença de outros cinco governantes, no marco da cúpula da Celac.
Terra: A presidente Dilma Rousseff e o presidente de Cuba, Raúl Castro, inauguraram nesta segunda-feira a primeira fase do porto de Mariel, oeste da ilha, que contou com financiamento brasileiro.
Ao referir-se ao encontro de dona Dilma com Fidel, jornal nenhum fala em ex-ditador. Mas singelamente em Fidel Castro. A visita da presidente teve o condão de transformar um ditador em presidente.
Só falta agora a Veja falar em presidente Raúl.
29 de janeiro de 2014
janer cristaldo
Dona Dilma e sua comitiva, em vilegiatura entre Genebra e Havana, resolveram fazer uma discreta perna em Lisboa, no sábado passado. A hospedagem em Portugal não estava prevista na agenda oficial divulgada pela assessoria da Presidência da República na última sexta.
Só na tarde de domingo, depois de a passagem da presidente por Lisboa ter sido noticiada por veículos de imprensa brasileiros, o Palácio do Planalto resolveu divulgar uma alteração da agenda presidencial, incluindo a estada em Portugal no roteiro.
Inicialmente, se pretendeu que a escala havia sido decidida na hora. Como se fosse possível reservar hotéis e restaurante, do dia para a noite, para uma comitiva que ocupou 45 quartos. Pelo jeito, a presidente e seus assessores tomam o público nacional como uma malta de pacóvios que engolem qualquer potoca.
Ao dar-se conta da mancada, no final da tarde de domingo, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República divulgou nota em que nega que a escala da comitiva presidencial em Lisboa tenha sido “desnecessária.” De acordo com a nota, a parada era “obrigatória” porque a aeronave oficial, um jato Airbus A319, não tem autonomia para um voo entre Zurique e Havana.
“Dependendo de condições climáticas, o Airbus 319 presidencial tem autonomia média em torno de 9 horas e 45 minutos, tempo insuficiente para um voo direto entre Zurique e Havana. A opção por Lisboa foi a mais adequada, já que se trata do aeroporto mais a oeste no continente europeu com possibilidades de escala técnica”, diz.
Ah, bom! Então era uma escala técnica necessária? Por que então sigilos de encontros de amantes? Pela versão oficial, o plano era sair da Suíça no sábado, parar nos Estados Unidos para abastecer as duas aeronaves oficiais e chegar a Cuba no domingo. Mas o mau tempo teria obrigado a comitiva a mudar de planos na véspera e desembarcar em Lisboa.
Ocorre que, segundo os jornais, desde quinta-feira, o diretor do cerimonial do governo de Portugal, embaixador Almeida Lima, estava escalado para recepcionar Dilma e sua comitiva no fim de semana. Joachim Koerper, chef do restaurante Eleven, onde Dilma jantou com ministros e assessores, recebeu pedidos de reserva na quinta-feira. O engodo durou menos do que o que duram as rosas.
Durante a estada, Dilma e sua comitiva ocuparam 30 quartos de dois hotéis da cidade, o Ritz e o Tivoli. (Segundo outros jornais, foram 45 quartos). A presidente se hospedou em uma suíte presidencial do Ritz, ao custo de 8 mil euros por dia, o equivalente a R$ 26,2 mil. Quem pode, pode. Quem não pode, paga a conta da presidente e seu séquito.
Dona Dilma e sua comitiva jantaram no restaurante Eleven, um dos raros de Lisboa a merecer estrela no Guide Michelin. Segundo o ministro das Relações Exteriores, cada um dos integrantes da comitiva presidencial que jantaram no Eleven pagou sua própria despesa. "Cada um pagou o seu e a presidenta, o dela, como ocorre em todas as viagens. Foi com cartão pessoal."
Se a presidente e sua comitiva tentaram fazer passar a mentira maior, a de que a estada havia sido decidida no sábado, quem vai acreditar que cada membro do séquito um pagou suas contas, inclusive Dona Dilma?
Mas a mentira – ou safadeza – maior, não é nem esta, e sim uma outra, de responsabilidade não da assessoria da Presidência, mas sim da imprensa.
Uma das características da ditadura de Fidel Castro é que ela não se exerceu sobre Cuba, mas sobre toda a América Latina. Houve anos aqui no Brasil em que um jornalista se suicidava profissionalmente se escrevesse que Castro era ditador. Aconteceu comigo.
Anos 80. Eu lecionava em Santa Catarina. Um jornalista gaúcho, que estava organizando o lançamento do Diário Catarinense, convidou-me para escrever uma crônica para o número zero do jornal. Era uma espécie de teste para escolher o cronista. Escrevi duas. Em uma delas, eu dizia que as esquerdas deviam rezar pela saúde de Stroessner e Pinochet. Não que eu tivesse maior apreço por estes senhores. Ocorre que, uma vez mortos, Castro seria o último ditador do continente.
A crônica entrou nos computadores e provocou um motim na redação. Que eu não poderia ser o cronista do jornal, de forma alguma. Que até poderia ter razão. Mas que aquilo não podia ser publicado. O editor não ousou bancar meu nome.E assim, lá do distante Caribe, Fidel roubou-me um emprego em Florianópolis.
No início dos 90, ainda não se podia chamar Castro de ditador na imprensa brasileira. Eu trabalhava na Folha de São Paulo e tive homéricas discussões com meu editor, quando tinha de escrever presidente Fidel Castro. Ele alegava que Castro fora eleito e se as eleições eram ou não eram livres, a nós não cabia julgar. Oficialmente, era presidente e fim de papo. Mas a queda do muro foi-se espalhando em ondas concêntricas e se tornou impossível não chamá-lo pelo que realmente era. Ditador Fidel Castro, portanto.
Com a doença de Fidel e a entronização do delfim, seu mano Raúl, não dava para chamar Raúl de presidente. Ditador nomeando presidente? Não cola. Como Fidel continuava governando na sombra, convencionou-se falar na ditadura dos irmãos Castro.
Com a ida de Dona Dilma a Cuba, para visitar o porto que nós, brasileiros, financiamos à revelia, não ficava bem falar no encontro da presidente com o ditador. A imprensa toda, subserviente, passou a falar em presidente Raúl:
Estadão: Na abertura da Segunda Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), o presidente de Cuba, Raúl Castro, criticou o "crescimento desmedido" dos lucros das empresas multinacionais que, no seu diagnóstico, têm impacto sobre a balança de pagamento dos países da região.
UOL: O presidente de Cuba, Raúl Castro, e Dilma Rousseff, inauguraram nesta segunda-feira o primeiro megaporto da ilha caribenha, construído e financiado pelo Brasil, na presença de outros cinco governantes, no marco da cúpula da Celac.
Terra: A presidente Dilma Rousseff e o presidente de Cuba, Raúl Castro, inauguraram nesta segunda-feira a primeira fase do porto de Mariel, oeste da ilha, que contou com financiamento brasileiro.
Ao referir-se ao encontro de dona Dilma com Fidel, jornal nenhum fala em ex-ditador. Mas singelamente em Fidel Castro. A visita da presidente teve o condão de transformar um ditador em presidente.
Só falta agora a Veja falar em presidente Raúl.
29 de janeiro de 2014
janer cristaldo
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