Entrevista: JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
Ex-secretário de política econômica diz que deficit em conta-corrente pressiona o real e afeta a percepção do mercado sobre o país
Um dos economistas mais conectados com o dia a dia das empresas, José Roberto Mendonça de Barros faz um alerta: o Brasil voltou a ser um país "frágil" por causa do expressivo deficit em conta-corrente. "É isso que pressiona o real e evidencia a nossa fragilidade externa."
Ele não prevê crise cambial, por causa das reservas internacionais, mas está preocupado com a mudança de percepção do mercado, que incluiu o Brasil no grupo "cinco países frágeis", junto com Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia.
Mendonça de Barros, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e hoje é sócio da MB Associados, lembra a frase do ex-ministro Mario Henrique Simonsen: "A inflação incomoda, mas o câmbio mata".
Folha - O PIB do segundo trimestre veio melhor que o esperado e os analistas revisaram sua projeção para o ano. A economia está se recuperando?
José Roberto Mendonça de Barros - Não. Ajustamos nossa projeção de 2,1% para 2,3%, o que é mais ou menos a mesma coisa. É claro que esse vaivém dos números é notícia, mas o que eles mostram é um crescimento modesto. O crescimento médio do Brasil é de 2%. Não há sinal de recessão, mas não vemos algo acima desse número.
Quais são as razões do crescimento modesto?
Houve uma redução do crescimento do consumo, que já cresceu a taxas chinesas e deve avançar 3% neste ano. Chegou ao fim o efeito "inclusão", quando uma massa de pessoas entrou no mercado consumidor, abriu conta em banco e teve acesso a crédito. As pessoas estão devendo e, enquanto pagam dívidas, consomem menos.
O investimento está muito devagar. Muitos empresários adiaram projetos. Hoje já está claro que o pacote de concessões do governo vai ser modesto e vai atrasar muito. Era a última esperança de dar um salto no crescimento.
A balança comercial saiu do azul e registra deficit até setembro. Por quê?
Estamos prevendo deficit de US$ 3 bilhões neste ano. A razão mais importante é a conta petróleo, que amarga resultado negativo próximo de US$ 15 bilhões. A capacidade de refino do Brasil foi explorada ao máximo, portanto, cada barril de gasolina ou diesel consumido a mais significa mais importação.
O segundo motivo é que os preços agrícolas estão menores. A safra será boa, mas a receita não cresce na mesma proporção. E a terceira razão é que as exportações de manufaturados não vão bem.
Os países emergentes estão em crise e o Brasil não está bem posicionado para atender um mundo em que as nações desenvolvidas vão puxar o crescimento.
O senhor está preocupado com o deficit comercial?
Sim, porque é o principal motivo para a piora na conta-corrente. Em 2012, tivemos deficit em conta-corrente de US$ 49 bilhões. O BC projeta US$ 75 bilhões neste ano e 80% dessa piora é a balança.
É o deficit em conta-corrente que pressiona o real e evidencia a nossa fragilidade externa. Precisamos que o mercado o financie em um momento em que o investimento direto externo, pela primeira vez em muitos anos, não vai cobrir o rombo.
Isso explica por que o real desvalorizou tanto até que o Fed [banco central dos EUA] desistiu de reduzir as injeções de recursos. Também nos colocou no que o mercado chamou de "cinco frágeis": Índia, Indonésia, África do Sul, Turquia e Brasil, emergentes com os maiores deficits em conta-corrente.
Mas o país tem grandes reservas internacionais, que amenizam esse problema.
É verdade, no curto prazo. Mas o BC já vendeu US$ 50 bilhões de câmbio futuro. Se tiver que repetir a dose no ano que vem, serão US$ 100 bilhões. O argumento do governo é que não vendeu reservas, mas câmbio futuro. Sim, mas é um compromisso e terá que ser entregue. Reserva é bom ter, mas não é bom reduzir, porque demonstra fragilidade.
Qual é hoje o maior desequilíbrio da economia brasileira?
É exatamente o setor externo. É claro que o governo vai argumentar que a desvalorização do real tende a melhorar a situação. É verdade. Mas ainda assim é uma fonte de preocupação.
Nos próximos anos, o crescimento será puxado pelos países desenvolvidos e os juros internacionais vão subir, o que significa que o capital será atraído pelo mundo rico.
Não estou prevendo crise cambial, mas é forçoso reconhecer que tivemos uma mudança importante.
Saímos de superavits em 2007 para deficits modestos em 2010, chegando a um crescimento perigoso e persistente do rombo agora. E isso lembra uma frase de Mario Henrique Simonsen: a inflação incomoda, mas o câmbio mata.
Qual é a sua estimativa para a inflação e para os juros?
Se tiver algum reajuste de combustíveis, a inflação ficará em 6,2%. O BC vai elevar a Selic para 9,5%. Fiquei muito decepcionado com o BC na última ata do Copom [Comitê de Política Monetária]. Escrever que a política fiscal está indo para a neutralidade é uma impropriedade muito grande. E passa a ideia de que estão satisfeitos com uma inflação de 6%. A inflação só está nesse patamar por causa de energia elétrica, gasolina e ônibus. O governo está só administrando o índice.
04 de outubro de 2013
RAQUEL LANDIM - FOLHA DE SÃO PAULO
AFF
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