Entre os suspeitos, está uma doente renal crônica, vizinha da deputada em Araruama
Uma moradora de Araruama, doente renal crônica que raramente aparece na Assembleia Legislativa do Rio, surge como uma peça-chave que pode pôr definitivamente em xeque o futuro político da deputada Janira Rocha (PSOL). Jaqueline Alves Santana, de 46 anos, que desde janeiro do ano passado recebe R$ 8.797,53 brutos pelo cargo em comissão mais alto do gabinete, foi apontada como funcionária fantasma por dois ex-assessores que prestaram depoimento nesta quinta-feira na Corregedoria da Alerj. Parte do dinheiro pagaria um desses ex-assessores, e o restante ficaria com o gabinete da parlamentar. Jaqueline ficaria apenas com cerca de R$ 1.600 — duas cotas de auxílio-educação, benefício concedido pela Alerj aos filhos de servidores.
Jaqueline, que chegou à Alerj caminhando com dificuldade, também prestou depoimento ontem e negou as acusações. Em vários momentos, porém, ficou com os olhos cheios d’água ao ser questionada sobre as atividades que exercia para a deputada. A funcionária afirmou que conheceu Janira após fazer reclamações sobre a qualidade do atendimento a pacientes de hemodiálise em Araruama, onde seria vizinha da deputada. Ela foi embora sem falar com os jornalistas.
Após os depoimentos, os dois ex-assessores — Maria das Graças Santos Barreira e o marido, Aníbal de Almeida, ex-motorista de Janira — conversaram com O GLOBO, reafirmando a denúncia feita à Corregedoria. Eles alegam que não apenas Jaqueline como outros três assessores também seriam fantasmas: recebiam salários que eram repassados ao gabinete da deputada. Dois deles estão na lista dos próximos convocados a depor, no início de outubro.
Maria das Graças contou como era o acordo com Jaqueline:
— Jaqueline recebia cerca de R$ 6.800 líquidos por mês. Eu recebia cerca de R$ 3.600 como ajuda de custo, e o restante era embolsado pelo gabinete de Janira.
Novas roupas e fonoaudióloga
Segundo outro ex-assessor, Cristiano Valadão, Janira alimentou um esquema de caixa dois em seu gabinete já pensando na reeleição, em 2014. A ex-assessora afirmou que o esquema teria a participação de pelo menos 15 pessoas. Alguns trabalhavam de fato e repassavam parte dos salários (a chamada cotização) e, em certos casos, até as diárias pagas como auxílio-refeição. Outros eram fantasmas e devolviam todo o dinheiro.
— Todos nós pertencíamos a uma corrente do PSOL: o MTL (Movimento Terra, Trabalho e Liberdade), que acreditava em um projeto político O caixa dois seria para alimentar esse projeto. Mas há alguns meses, tudo mudou. A deputada reuniu seu grupo e alegou que iria precisar do dinheiro para mudar o perfil e atrair o eleitor formador de opinião. Precisaria gastar para se vestir melhor, pagar fonoaudióloga para ter um timbre de voz diferente, entre outras coisas. Nós rompemos — disse Valadão, contando ter apresentado Jaqueline a Janira.
— Janira conheceu Jaqueline na minha casa em Araruama, onde o acordo de repassar o dinheiro foi feito. Depois disso, o filho dela até começou a prestar pequenos serviços na casa da deputada, como limpar a piscina.
Na semana passada, Jaqueline já havia sido apontada por um dos autores do dossiê contra Janira como funcionária fantasma, o que levou a Corregedoria a convocá-la. As investigações começaram depois que eles tentaram vender o dossiê à secretária de Defesa do Consumidor, Cidinha Campos. Nas gravações, Janira admitiu ter se beneficiado, na campanha eleitoral, de um esquema de desvio de recursos do Sindicato dos Trabalhadores em Previdência, Saúde e Assistência Social (Sindisprevi/Rio). Os ex-assessores também a acusavam de cotização.
Investigação no PSOL ainda não começou
As acusações contra Janira Rocha surgiram há duas semanas, mas o caso ainda não começou a ser analisado pelo Conselho de Ética do partido. Segundo o ex-senador José Nery, que comandará a apuração do caso, a primeira reunião ocorrerá provavelmente neste fim de semana. A deputada não quis comentar as novas denúncias. Por sua vez, o líder do PSOL na Alerj, Marcelo Freixo, defendeu que a Corregedoria da Casa investigue o caso a fundo e afirmou que já pediu cópia dos autos para colaborar nas apurações do partido.
— Não conheço essas pessoas que prestaram depoimento hoje (ontem), mas a Corregedoria precisa apurar, ouvir os envolvidos, assim como o partido, que abriu Conselho de Ética. Tudo tem que ser apurado e investigado para que se chegue à verdade — disse Freixo.
Maria das Graças Santos Barreira e o marido, Aníbal de Almeida, acrescentaram que estão dispostos a reafirmar no Conselho de Ética do partido todas as denúncias feitas na Alerj. Nesta quinta-feira, ao GLOBO, eles também reafirmaram a denúncia de que as cópias de recibos que constam do dossiê contra Janira se referiam a pagamentos feitos a cabos eleitorais que fizeram boca de urna para a deputada, em outubro de 2010. Mas negaram que o esquema tenha beneficiado os deputados federais Jean Wyllys e Chico Alencar, que aparecem numa página da agenda de Janira que trata de boca de urna. Segundo eles, Janira imprimiu santinhos em dobradinha com outros candidatos, e as despesas foram declaradas à Justiça Eleitoral.
O corregedor da Alerj, Comte Bittencourt, disse que marcou o depoimento de Janira Rocha para o dia 10 de outubro. Antes disso, pretende ouvir outras pessoas que têm sido citadas nos depoimentos. Das quatro testemunhas ouvidas ontem, duas negaram e outras duas confirmaram a prática da cotização no gabinete:
— Antes de ouvir a deputada, marcamos uma reunião para o dia 7 quando outras três pessoas serão ouvidas — disse Comte Bittencourt.
20 de setembro de 2013
LUIZ ERNESTO MAGALHÃES e RUBEN BERTA - O Globo
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