É o caso do nosso modelo, que se impregna de acentuado traço imperial, a realçar força extraordinária nas mãos do detentor da caneta mais poderosa do país.
Não por acaso, o chefe do Executivo reveste-se da aura de infalibilidade dos papas. O próprio marqueteiro João Santana chegou a dizer que o povo enxerga na presidente Dilma Rousseff uma rainha.
Para uma reflexão mais precisa, apliquemos o modelo que Carlos Matus chama de Planejamento Estratégico Situacional. O cientista chileno faz o balanço dos governos sob o manejo de três cinturões: o político, o econômico e o dos problemas rotineiros.
Os impactos positivos e os negativos de cada um se cruzam, atribuindo, no fim, a nota dos ciclos governativos. Tais cinturões estão frouxos, ajustados ou apertados no corpo da atual administração? Vejamos.
A gestão política, lembra Matus, não diz respeito apenas às formas de articulação com os políticos. Abrange fatores referentes à qualidade da democracia, aspectos como respeito aos direitos humanos, descentralização do poder, apego a ética, transparência, distribuição de renda etc. Na banda negativa do balanço político, contabilizam-se situações como estilo autoritário, “democratismo” populista, permissividade para a corrupção, incúria administrativa etc.
PIB E CARGA TRIBUTÁRIA
No cordão econômico, as estratégias orientam-se para a preservação dos índices de emprego e da inflação, bem como para o equilíbrio da balança do comércio exterior, sofregamente assegurado pela frente do agronegócio. No centro do debate, o foco aponta para o pífio resultado na planilha do crescimento econômico, eixo nevrálgico do ciclo dilmista, a par de uma carga tributária que beira os 37% do PIB.
O terceiro cinturão, no qual se localizam os buracos dos problemas cotidianos – particularmente nos setores de saúde, educação, mobilidade urbana, segurança, moradia, saneamento básico –, é o responsável pela satisfação e/ou indignação das pessoas.
Os serviços públicos funcionam como um termômetro a medir a temperatura social, como se pode aduzir dos movimentos que enchem as ruas do país desde junho.
Não por acaso, o governo se esforça para arrumar um símbolo, um fator de diferenciação, um projeto que venha somar-se à força do Bolsa Família. O programa Mais Médicos, por exemplo, entraria nessa formatação, e seus resultados começariam a jorrar nas margens eleitorais de 2014.
Positivo, ajudaria a consolidar a posição da candidata à reeleição; negativo, teria efeito catastrófico sobre sua imagem.
A agenda cotidiana continuará plena de cronogramas e contratempos. À promessa de que obras em curso serão entregues se contrapõe a desconfiança de que os eventos da Copa mundial enfrentarão estrangulamentos na frente da logística.
Em suma, juntando os fatores alto emprego e baixa inflação (cinto econômico) com uma dor de cabeça apenas suave (cinto da agenda cotidiana), o governo ganharia fôlego para fazer a travessia. E a presidente evitaria a borrasca. A recíproca é verdadeira.
(transcrito de O Tempo)
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