Ao mesmo tempo em que acontecia o trágico evento do desabamento do prédio ocupado em São Paulo, a cidade de Seattle, nos Estados Unidos, coincidentemente anunciou uma iniciativa: a prefeitura pretendia criar um novo imposto, que incidiria sobre os grandes empregadores da cidade, na busca para resolver os problemas dos sem-teto de lá. O imposto a ser cobrado das empresas seria de 26 centavos para cada hora trabalhada por cada funcionário, para empresas com faturamento maior que 20 milhões de dólares por ano.
A estimativa da prefeitura seria arrecadar 75 milhões de dólares anualmente, que seriam aplicados em programas de redução do déficit habitacional (alguma coisa em aluguel social, outra em construção/reforma de prédios populares concedidos a empresas privadas que alugam os apartamentos a preços pré-estabelecidos pela prefeitura nas regiões centrais).
UMA AMEAÇA – Jeff Bezos, “o homem mais rico do mundo”, não gostou nem um pouco, e ameaça tirar sua empresa de Seattle se a lei não for recusada. Sua empresa, a Amazon, seria uma das que teria que pagar o tributo, o qual julgou absurdo. Ao mesmo tempo, milhares de trabalhadores ao redor do mundo também não estão gostando nenhum pouco de Jeff (a maioria autônomos, terceirizados, ou pejotizados), e no mundo inteiro protestam pelos baixos salários recebidos em seus trabalhos pela Amazon.
A política de pagamentos por serviço (não são assalariados) acaba proporcionando aos colaboradores da empresa jornadas excessivas e pagamentos que usualmente são menores que metade do salário médio local (EUA não tem salário mínimo, nem vários países da Europa, então a comparação tradicional é com o salário médio).
RETROCESSO – A Amazon, bem como a Zara (cujo dono é o homem mais rico da Europa), estão acumulando um histórico que remete aos primórdios da evolução industrial: trabalhadores em péssimas condições de trabalho, que tipicamente recebem menos que a lei exige (pois as empresas contabilizam inclusive o baixo risco de que esses funcionários consigam buscar seus direitos perante a lei). Estes trabalhadores possivelmente moram em situação ruim, talvez até em invasões.
De fato, mais que isso, o que as empresas fazem é elisão fiscal: buscam, a longo prazo, mudar as regras para que, dentro da lei, paguem menos imposto – em qualquer país que seja.
Se pensar um pouco, a falta de vontade de colaborar na tentativa de resolver o problema habitacional demonstra que, na verdade, o problema faz parte do negócio destas empresas: ambas contratam mão de obra pelo menor preço possível, contando todos os 26 centavos que podem economizar, justamente entre a população que tem vida precária.
VIVER DE BICO – Os pobres acabam aceitando qualquer ocupação – o famoso bico, e acabam para sempre vivendo de bico.
“Melhor que nada”, muitos dirão. O argumento, simplista ao extremo (estilo menina Poliana), ajuda a normalizar a situação onde os dois homens mais ricos do mundo não se importem com a multidão de miseráveis e busquem minimizar os impostos que pagam, ao extremo.
Aprendi muito com a entrevista de Piketty no Roda Viva: desigualdade é aceitável e positivo, mas é preciso saber qual o limite: uma pessoa ter a mesma riqueza de dez pessoas? Ou a mesma de uma cidade? Ou de um país inteiro? De um continente? Ou, em última instância, se aceitará um imperador universal, cuja riqueza equivale a de 7 bilhões de pessoas? Qual a relação que desejamos?
FALTA O EQUILÍBRIO – Na relação em que um empresário possui quase tudo e as demais pessoas dividem o resto, em algum ponto está o equilíbrio ideal e, a essa altura do desenvolvimento humano, não devíamos ter vergonha de discutir o assunto. O que não podemos é ignorar, deixar que a mão invisível do mercado continue derrubando prédios e moldando as leis para privilegiar favorecidos de sempre.
De qualquer forma, do ponto de vista individual, cedo ou tarde todos entendem que não podem ignorar a desigualdade social: Nobel (inventor da dinamite e dono de um grande conglomerado industrial bélico) entendeu quando foi publicado por engano seu obituário (nada positivo); Carnegie (barão do aço americano) entendeu quando se aposentou; Steve Wozniak (engenheiro, co-fundador da Apple) e Mark Shuttleworth (sul-africano, criador da empresa de segurança na internet Thawte) entenderam ainda bem novos.
E os demais bilionários, quando conseguirão entender?
06 de maio de 2018
06 de maio de 2018
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