A promessa que seu grande e fiel amigo (e colaborador) Friedrich Engels fez na oração fúnebre que dedicou a Karl Marx no momento do seu discreto funeral (assistiram 11 pessoas), a 17 de Março de 1883, também. Marx, disse Engels, fora “o mais odiado e caluniado homem do seu tempo”, mas “o seu nome resistirá ao longo dos tempos e o seu trabalho também”. No dia em que se assinalam 200 anos do seu nascimento é impossível não lhe dar razão.
O estalinismo ou o maoísmo são “uma subversão das ideias de Marx”, nota o historiador Manuel Loff. Da mesma forma que não se pode associar os crimes da Inquisição à palavra de Cristo, é conveniente ter cuidado quando se cola a brutalidade dos regimes comunistas às teses de Marx, comenta Loff.
UM SÍMBOLO – Após a sua morte, Marx continuou a ser um símbolo da esquerda radical e mentor de um projecto de transformação social que continuou a mobilizar a esperança de milhões de trabalhadores. Até 1895, Engels encarregou-se de organizar e publicar uma vastidão de papéis escritos com gatafunhos e borrados com tinta e cinza de charuto. Depois, essa tarefa foi continuada pela sua filha Eleanor e pelo seu amante Edward Aveling.
Os seus ensinamentos proliferaram por esses anos em dezenas de partidos e movimentos que nasceram pela Europa. A Segunda Internacional reuniu em Paris, em Julho de 1889, 391 delegados de partidos ou movimentos marxistas provenientes de 20 países. A bandeira vermelha e a esfinge de Marx e de Engels tornaram-se os símbolos políticos dessa força emergente.
Houve uma cisão – Em breve, porém, essa frente unida contra a burguesia e o capitalismo se cindiria. Os comunistas puros e duros encontrariam em Lênin o exemplo e a prática revolucionária capaz de fazer triunfar o marxismo. Na Alemanha e na França, entretanto, Jean Jaurés ou Eduard Bernstein, líder do SPD, defendem um ajustamento à democracia burguesa e trocam a revolução pelo reformismo. Nem tudo o que Marx predissera, alegavam, estava correto:
“Os camponeses não se afundam; a classe média não desaparece; as crises não são cada vez maiores, a miséria e a servidão não se agravam.”
Alarmadas pela vaga revolucionária, as democracias liberais dedicaram-se a aplicar políticas sociais para esvaziar o descontentamento dos trabalhadores.
DIREITOS SOCIAIS – Os primeiros passos do Estado-providência foram dados por Bismark na Alemanha no final do século XIX e, depois dos anos de 1920 até ao final da II Guerra Mundial, a República de Weimar na Alemanha, a Frente Popular em França ou o Relatório Beveridge na Inglaterra trataram de trazer os direitos e a proteção dos trabalhadores para o centro das políticas públicas. “Não há dúvida alguma que a criação do Welfare State foi uma resposta às pressões dos comunistas”, reconhece Paulo Rangel.
Duzentos anos depois, o que sobra de Karl Marx? “É inaceitável desprezarmos o marxismo”, diz Paulo Rangel, até porque a sua mensagem “está hoje muito mais atual do que há 20 anos.” Por quê? Por causa da desigualdade galopante nas sociedades avançadas, diz o eurodeputado (e Manuel Loff subscreve).
CONCENTRAÇÃO – No ano passado, a organização não governamental britânica Oxfam calculava que 87% da riqueza mundial estava concentrada nas mãos de 1% dos mais ricos, um indicador que parece garantir as teses de Marx sobre a acumulação capitalista. Se durante décadas as democracias foram capazes de instituir mecanismos de redistribuição eficazes, a desigualdade de hoje torna mais presciente a crítica de Marx ao capitalismo, diz Rangel.
Não admira por isso que “o marxismo tenha recuperado uma parte da atualidade perdida depois do Maio de 1968 com a crise financeira de 2007/2008”, diz Manuel Loff. A dinâmica de movimentos sociais recrudesceu, o debate científico sobre as suas teses redobrou e, nota o historiador, “há uma transformação na esquerda após a crise que recupera a influência marxista”.
Fenômenos como Jeremy Corbyn ou Bernie Sanders, que se reclamam como socialistas, são uma manifestação real dessa mudança.
CORRUPÇÃO OFICIAL – Mas há outros sinais que tornam a teoria de Marx pertinente. Para Manuel Loff, os casos suspeitos de corrupção alegadamente protagonizados por Ricardo Salgado, José Sócrates e Manuel Pinho são uma manifestação clara de que o Estado, neste caso o Estado português, esteve ao serviço de uma oligarquia (uma classe dominante, na designação marxista).
O gigantismo de empresas como a Google foi previsto por ele como consequência da natureza voraz do capitalismo. As crises cíclicas que adivinhou concretizaram-se em 2007 com o colapso do subprime.
E até ao nível da política há legados de Marx que perduram fora do seu campo. “O neoliberalismo serve-se do mesmo primado da economia que Marx utilizou como base da sua ideologia”, nota Paulo Rangel.
VINGANÇA DE MARX – Não admira por isso que haja revistas americanas como a The Atlantic ou a The New Yorker a falar na “vingança de Marx” ou no seu “regresso”. Ou uma nova geração de intelectuais que se revê no programa de renovação marxista proposto pelo filósofo Slavoj Zizek. Será que da recuperação da sua filosofia da História ou da sua crítica à economia política capitalista voltará à cena o seu programa de ação?
A resposta para muitos pode ser dada pelo passado: depende da resposta que as democracias liberais derem às contradições do capitalismo que Marx retratou na sua extensa obra.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Este é o resumo de um importante artigo publicado no jornal português “Público” e que nos foi enviado por Carlos Frederico Alverga. Mostra que, embora seja um dos pensadores mais caluniados da História, Marx continua a ter suas ideias estudadas e adaptadas aos novos tempos. (C.N.)
NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Este é o resumo de um importante artigo publicado no jornal português “Público” e que nos foi enviado por Carlos Frederico Alverga. Mostra que, embora seja um dos pensadores mais caluniados da História, Marx continua a ter suas ideias estudadas e adaptadas aos novos tempos. (C.N.)
06 de maio de 2018
Manuel Carvalho
Jornal Público
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