A prevenção, de raiz ideológica, contra militares leva a equívocos sobre o significado da necessária operação no Rio, executada com base na Constituição
A forma como representantes da esquerda brasileira, com exceções, reagem à imprescindível intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro diz muito das distorções que as lentes da ideologia provocam na percepção da realidade por parte de militantes.
O fato de a operação ser executada pelas Forças Armadas, com o Exército à frente — o interventor é um general, Braga Netto —, facilita interpretações rasteiras do que está acontecendo. É truque barato dizer que há uma “intervenção militar”, quando se trata de um ato do poder constituído, civil, implementado por meio de decreto encaminhado ao Congresso e por ele aprovado, como estabelece a Constituição.
Trata-se, pois, de ato legal, realizado dentro do estado de direito e na área de jurisdição do recém-criado Ministério da Segurança Pública, cujo responsável é um civil, Raul Jungmann, do PPS, originado do Partido Comunista Brasileiro. Que fosse militar, também não teria importância. Jungmann era ministro da Defesa, por sobre os comandantes militares. Foi importante, há não muito tempo saído da ditadura militar, o país ter tido até agora civis neste Ministério. O substituto de Jungmann é um general. Depois, poderá ser um civil. Simples dessa forma, sem qualquer outra implicação.
Assim como militantes de esquerda não aposentaram projetos autoritários de poder, também não perderem a percepção preconceituosa das Forças Armadas. Ora, diante do estágio a que chegou a criminalidade no Rio de Janeiro — assim como em outras unidades da Federação —, em meio à grave crise fiscal do estado, pior que a da União, a alternativa mais sensata foi acionar os instrumentos legais disponíveis e executar esta intervenção, prevista para cessar em 31 de dezembro. A depender do desejo do próximo governador, ela será prorrogada, dada a desorganização a que a segurança chegou no Rio, acompanhada do descontrole da criminalidade.
O preconceito contra as Forças Armadas chega ao ponto de fazer com que haja resistências até ao uso de tecnologias avançadas para a identificação de pessoas em comunidades (fotos tiradas de aplicativo para a varredura em arquivos) e mesmo ao chamado “mandado coletivo de busca”, instrumento adequado ao emaranhado urbanístico de favelas, já usado com êxito na localização de bandidos. Por exemplo, de Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes, na favela da Grota, no Complexo do Alemão.
Uma exceção na esquerda, Vladimir Palmeira, hoje professor universitário, filiado ao PT, importante líder estudantil nos idos de 1967/68, exilado, publicou artigo no GLOBO de crítica à postura preconceituosa da esquerda diante da intervenção.
Lembrou que a situação estava ficando insustentável e que a intervenção pode ser o “choque positivo” de que o Rio precisa, “um chega pra lá na bandidagem". Outro aspecto: a morte de inocentes, um lado dramático nesta crise, ocorre em bairros pobres. Onde moram aqueles que militantes dizem defender. A crise de segurança e a vida real vão muito além das cartilhas de doutrinação.
02 de março de 2018
Editorial O Globo
A forma como representantes da esquerda brasileira, com exceções, reagem à imprescindível intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro diz muito das distorções que as lentes da ideologia provocam na percepção da realidade por parte de militantes.
O fato de a operação ser executada pelas Forças Armadas, com o Exército à frente — o interventor é um general, Braga Netto —, facilita interpretações rasteiras do que está acontecendo. É truque barato dizer que há uma “intervenção militar”, quando se trata de um ato do poder constituído, civil, implementado por meio de decreto encaminhado ao Congresso e por ele aprovado, como estabelece a Constituição.
Trata-se, pois, de ato legal, realizado dentro do estado de direito e na área de jurisdição do recém-criado Ministério da Segurança Pública, cujo responsável é um civil, Raul Jungmann, do PPS, originado do Partido Comunista Brasileiro. Que fosse militar, também não teria importância. Jungmann era ministro da Defesa, por sobre os comandantes militares. Foi importante, há não muito tempo saído da ditadura militar, o país ter tido até agora civis neste Ministério. O substituto de Jungmann é um general. Depois, poderá ser um civil. Simples dessa forma, sem qualquer outra implicação.
Assim como militantes de esquerda não aposentaram projetos autoritários de poder, também não perderem a percepção preconceituosa das Forças Armadas. Ora, diante do estágio a que chegou a criminalidade no Rio de Janeiro — assim como em outras unidades da Federação —, em meio à grave crise fiscal do estado, pior que a da União, a alternativa mais sensata foi acionar os instrumentos legais disponíveis e executar esta intervenção, prevista para cessar em 31 de dezembro. A depender do desejo do próximo governador, ela será prorrogada, dada a desorganização a que a segurança chegou no Rio, acompanhada do descontrole da criminalidade.
O preconceito contra as Forças Armadas chega ao ponto de fazer com que haja resistências até ao uso de tecnologias avançadas para a identificação de pessoas em comunidades (fotos tiradas de aplicativo para a varredura em arquivos) e mesmo ao chamado “mandado coletivo de busca”, instrumento adequado ao emaranhado urbanístico de favelas, já usado com êxito na localização de bandidos. Por exemplo, de Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes, na favela da Grota, no Complexo do Alemão.
Uma exceção na esquerda, Vladimir Palmeira, hoje professor universitário, filiado ao PT, importante líder estudantil nos idos de 1967/68, exilado, publicou artigo no GLOBO de crítica à postura preconceituosa da esquerda diante da intervenção.
Lembrou que a situação estava ficando insustentável e que a intervenção pode ser o “choque positivo” de que o Rio precisa, “um chega pra lá na bandidagem". Outro aspecto: a morte de inocentes, um lado dramático nesta crise, ocorre em bairros pobres. Onde moram aqueles que militantes dizem defender. A crise de segurança e a vida real vão muito além das cartilhas de doutrinação.
02 de março de 2018
Editorial O Globo
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