Um dos mais lúcidos intelectuais do século XX, Ignazio Silone, depois de militar no Partido Comunista Italiano, tornou-se um profeta do fim do marxismo, rompendo com o PCI para se manter “fiel a certas verdades incorruptíveis”. Em 1931 ele foi procurado por Palmiro Togliatti, que tentava evitar sua saída do partido. Como os argumentos de Togliatti incluíssem a defesa das “inexoráveis formas históricas de ação”, mesmo que parecessem abomináveis, Silone retrucou: “E esquecer, para o êxito da luta, os motivos pelos quais entramos nela?”.
Quando foi armada a trama que empurrou Trotski para o exílio onde acabou assassinado, Stalin incumbiu o búlgaro Vasil Kolaroff de ir à Itália para justificar aos comunistas italianos o que estava acontecendo. Dadas as explicações, Vasil voltou-se para Silone: “Fui claro?”. E Silone respondeu: “Sem dúvida”. “Ficou persuadido?”, insistiu o búlgaro. “Não!”, retrucou Silone. “Por que não?”, quis saber o embaixador de Stalin. “Para responder-lhe, eu teria que expor as razões pelas quais sou contra o fascismo”, arrematou, áspero, o italiano.
ÓPIO DO POVO – Anos mais tarde, convertido ao cristianismo, Silone escreveria em “Vino e pane” (1955): “A futura revolução russa provavelmente terá como palavra de ordem a afirmação de que o marxismo é o ópio do povo”. O ópio, como se sabe, turva a memória e a consciência.
Essa profecia não se concretizou na totalidade, mas o fato é que o marxismo perdeu seu protagonismo em todas as esferas de poder e a “futura revolução russa” veio três décadas mais tarde na libertação em cascata que extinguiu a União Soviética e reduziu o poder da Rússia. O marxismo a que se referia Silone virou caldo de cultura para as vanguardas do atraso em países do Terceiro Mundo. A história comprovou, em todos os casos, que comunismo e fascismo são iguais quanto aos meios.
APOIO A LULA – As manifestações em defesa do presidente Lula, para lhe proporcionar alguma credibilidade, precisam não apenas do descrédito das instituições, mas do total aniquilamento do senso comum. Lembrei-me, por isso, dos diálogos acima descritos. Como reagiria Ignazio Silone se tivesse ouvido, ainda como homem de esquerda, as explicações da militância lulista? Ficaria ele persuadido? Certamente, não.
Contudo, a mesma inconsistência que o italiano identificava no comportamento de seus camaradas se repete no Brasil, fazendo com que a ideologia, qual ópio do povo, turve o senso crítico dos companheiros, se sobreponha às evidências, faça esquecer os motivos pelos quais dizem lutar e resulte em algo tão análogo ao fascismo. E tudo é feito em nome das “inexoráveis formas históricas de ação”.
02 de março de 2018
Percival Puggina
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