O empresário Marcos Molina, fundador da Marfrig, segunda maior fabricante de alimentos à base de carne do Brasil e terceira do mundo, revelou à Polícia Federal que obteve a liberação de recursos da Caixa Econômica Federal após fazer pagamentos ao operador Lúcio Bolonha Funaro, que cobrava propina das empresas interessadas em verba do banco público. Desde que tiveram início as investigações sobre corrupção no banco estatal, é a primeira vez que um empresário admite, sem acordo de delação premiada, uma relação entre pagamentos a Funaro e empréstimos do banco.
O depoimento de Molina, prestado à PF no último dia 4, em Brasília, revela os obscuros bastidores relacionados a decisões de um banco público que deveria funcionar apenas pautado por critérios técnicos.
DOIS PAGAMENTOS – O empresário admitiu ter feito dois pagamentos a uma empresa de Funaro, a Viscaya, ambos em agosto de 2012, no valor total de R$ 617 mil, devido à sua influência na liberação de um empréstimo de R$ 350 milhões da Caixa. O crédito precisava do aval do então vice-presidente de Pessoa Jurídica, Geddel Vieira Lima (PMDB), que é investigado sob suspeita de receber propina em troca de beneficiar empresários. Em seu depoimento, ele não usa a palavra “propina”, mas o relato é avaliado por investigadores como uma confirmação dos pagamentos de vantagens indevidas para Funaro resolver as pendências da empresa junto ao banco público.
Molina contou que a Marfrig obteve seu primeiro grande empréstimo na Caixa em 2011, no valor de R$ 300 milhões. Em março do ano seguinte, houve novo repasse do mesmo valor. Quando solicitou a terceira liberação de crédito, desta vez de R$ 350 milhões, ainda no ano de 2012, Molina passou a ser procurado “insistentemente” por Funaro, que lhe dizia ter influência junto a Geddel e ao então deputado Eduardo Cunha, também do PMDB. “Lúcio costumava dizer que tinha influência na CEF e que poderia arrumar créditos e financiamentos no FI-FGTS [Fundo de Investimentos do FGTS]”, afirmou o empresário.
COM GEDDEL – Segundo Molina, Funaro lhe avisou que Geddel estaria em um evento realizado em julho de 2012 em um hotel em São Paulo e recomendou que o empresário fosse ao local se apresentar para o peemedebista. Molina recebeu uma recomendação para a conversa com Geddel: deveria “dizer que Lúcio tinha mandado lembranças”, um sinal para mostrar a existência de um acerto com o operador. O empresário ressalvou, porém, que o encontro com Geddel foi “meramente institucional”.
Com o pedido de crédito em curso, Molina diz que resistia a pagar Funaro, mas o dinheiro não saía. “O declarante tinha receio que Lúcio pudesse atrapalhar os negócios, em andamento, da sua empresa dentro da CEF e, por isso, efetuou um pagamento de R$ 500 mil para Lúcio, através da empresa Viscaya no dia 01/08/2012”, afirmou em seu depoimento. Segundo Molina, ele avisou a Funaro que o pagamento seria “um sinal de boa vontade para negócios futuros”.
Surpreendentemente, no dia seguinte a Caixa liberou uma primeira parcela do empréstimo, no valor de R$ 50 milhões.
AJUDA DE FUNARO – Segundo Molina, isso ocorreu devido a um problema no sistema, que represou o restante do empréstimo. Para resolver a questão, o empresário resolveu acionar Funaro. “A falta desses R$ 300 milhões causaria grande prejuízo para o declarante, e por isso ligou para Lúcio para que ele pudesse resolver esse problema, no que Lúcio falou que entraria em contato com Geddel Vieira Lima”, afirmou.
Poucos dias depois, o montante de R$ 300 milhões estava na conta da Marfrig. Em troca, Molina conta que “autorizou outro pagamento de R$ 117 mil para Lúcio, também através da empresa Viscaya, ocorrido no final de agosto de 2012”.
Molina sabia que Lúcio Funaro possuía uma relação muito próxima com seu principal concorrente no mercado de carne, Joesley Batista, da JBS – que, em sua delação premiada, também afirmou ter pago propina a Funaro por créditos da Caixa.
SABIA DE TUDO – O dono da Marfrig diz que evitava falar com o operador sobre suas solicitações de crédito na Caixa, mas se surpreendia como Funaro sabia de cada passo de sua empresa dentro do banco. “Lúcio habitualmente falava sobre informações privilegiadas das operações do grupo junto à CEF, de modo que possivelmente obtinha essas informações através de seus contatos na CEF”, contou.
Os dois pagamentos, no total de R$ 617 mil, não saciaram Funaro, que continuou procurando Molina, mas o empresário evitava recebê-lo na sede de sua empresa. Em novembro de 2012, Molina aceitou conversar com Funaro no escritório do operador, em São Paulo. O conhecido temperamento violento do operador financeiro azedou a reunião, que terminou em agressão física.
“O declarante foi indagado por Lúcio sobre atrasos em pagamentos devidos a ele, no que o declarante disse que não devia nada a Lúcio”, lembrou o empresário. Foi essa resposta que deixou Funaro furioso. “Lúcio partiu para agressão contra o declarante e chegaram a se envolver em vias de fato, que foi apartada por algumas pessoas que se encontravam no escritório”, relatou.
MANDAVA NA CAIXA – Depois desse episódio, Molina disse ter se afastado completamente de Funaro. Em sua avaliação, o operador “tinha a impressão de que mandava na CEF e que por isso tinha direito a percentuais sobre quaisquer valores de operações de crédito obtidos por empresas que ele dizia representar os interesses”. Mas Funaro, diz Molina, nunca lhe falou se os pagamentos eram repassados aos funcionários da Caixa.
Com o rompimento, a impressão do empresário é que Funaro passou a lhe criar dificuldades dentro do banco público. Primeiro, um empréstimo de R$ 1 bilhão para a Seara, à época pertencente ao grupo Marfrig, não foi liberado, resultando na venda da Seara para a JBS, cuja relação com Funaro era umbilical.
ATENDIMENTO MUDOU – Em junho de 2013, Molina e dois diretores da Marfrig foram à sede da Caixa em Brasília conversar com duas vice-presidências sobre um novo empréstimo. Na vice-presidência de Atendimento, diz que foram “muito bem recebidos”. Na vice-presidência de Pessoa Jurídica, comandada por Geddel, a situação foi inversa. Segundo ele, em reunião com dois funcionários da área, sem presença do peemedebista, “teve a impressão de ter sido mal atendido”. A fonte secou.
Segundo o relato do empresário, a situação só melhorou para ele após a saída de Geddel da Caixa, em dezembro de 2013. “As operações da Marfrig que obteve junto à CEF foram quitadas, e que somente voltou a obter liberações de crédito relevantes junto à CEF após a saída de Geddel da vice-presidência de Pessoa Jurídica.” No fim de seu depoimento, Molina ressalta que as operações financeiras não geraram prejuízo para a Caixa, “tanto que continua com linha de crédito com a CEF até os dias de hoje”.
Molina é o atual presidente do Conselho de Administração da Marfrig e também seu acionista controlador. O grupo tem operações em diversos países do mundo e 18 unidades produtivas nos Estados Unidos, na Ásia e na Oceania.
19 de agosto de 2017
Aguirre Talento
Época
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