"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O FILHO DO MEDO

No último dia 30, naquele horário em que se apagam luzes e televisores e se intensifica a atividade dos cabarés, saqueadores do Brasil transformaram um pacote de medidas contra a corrupção no oposto daquilo para o que foi concebido. Aves de rapina! Fizeram de um colibri algo à sua imagem e semelhança.

É fácil entendê-los. Quatro perguntas ao leitor destas linhas ajudam a esclarecer tudo. Você, leitor, tem medo da Lava Jato, do juiz Sérgio Moro, de passar uma temporada em Curitiba? Você está preocupado com a delação da Odebrecht? Não? Pois é. Eles sim. Eu os vi esganiçados aos microfones naquela sessão da Câmara dos Deputados. Destilavam ódio e vingança. Comportavam-se como membros da Camorra, da Cosa Nostra, da Máfia italiana. Sua conduta e seus discursos faziam lembrar animais encurralados. O pacote pró-corrupção foi um apavorado filho do medo.

Não é diferente a situação no poder vizinho. Mal raiara o sol, na manhã daquele mesmo dia, Renan Calheiros já cobrava a urgente remessa da encomenda para o protocolo do Senado. Queria votar tudo em regime de urgência e agasalhar-se com o mesmo cobertor legislativo. Aprovado em modo simbólico, o pacote só não foi adiante porque alguém cobrou que o voto fosse nominal. Nominal? Imediatamente abaixaram-se os braços e o plenário optou pela rejeição. Ouvido, Renan, o hipócrita, afirmou que a decisão fora muito boa e que a matéria não tinha, realmente, urgência.

Após o impeachment da presidente Dilma, esse foi, certamente, o episódio político de maior consequência para o futuro do Brasil. Ele noticiou à opinião pública dois fatos que, antes, seria impossível conhecer em toda extensão:

· A Orcrim, que constitui, no Congresso, verdadeira e atuante Frente Parlamentar do Crime, tem ampla maioria da Câmara dos Deputados, onde aprova o que quer;

· Os mesmos deputados, que tanto clamam contra os "vazamentos" de informações que os comprometem, vazaram a si mesmos, tornando conhecido seu desejo pessoal de conter as investigações, atacar os investigadores, acabar com as colaborações premiadas, preservar anéis e dedos. Entregaram-se, todos, ao juízo dos eleitores para o tribunal das urnas de 2018.

Agora podemos dizer a suas excelências que sabemos quem são e estamos vendo o que fazem. Agir assim numa crise como a que enfrentamos? Convenhamos. Depois da crise, vem o caos. E ninguém sabe o que há depois do caos. A Venezuela ainda não nos mostrou.

Escrevo este artigo durante as manifestações populares deste domingo 4 de dezembro. Enquanto escrevo, os poderes de Estado, em suas poltronas, assistem a manifestação do Brasil cuja indignação não é postiça nem indigna. Os cidadãos que lotam avenidas e praças em verde e amarelo, falando com seus cartazes e alto-falantes, são, em seu conjunto, a voz do dono. São a manifestação visível e audível da soberania popular.



06 de dezembro de 2016
Percival Puggina, membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor

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