"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A FLAUTA DE MARCO AURÉLIO



Um dos mais pavorosos titãs da mitologia grega é Tifão, filho de Gaia e Tártaro. Tinha mil cabeças que podiam tocar as estrelas e braços capazes de abraçar meio mundo.

Veio das profundezas do Hades com o propósito de subjugar o mais poderoso dos deuses. Era tão forte e violento que venceu Zeus uma vez e, ao escalar o Olimpo, expulsou de lá todas as outras divindades.

Foi derrotado por um singelo estratagema executado pelo flautista Cadmo. Ele atraiu a criatura pavorosa e a encantou com sua música. Enquanto isso, Zeus furtava seus raios e poderes de uma caixa onde o monstro os havia escondido. A inteligência do delicado estratagema venceu a brutalidade da besta.

Ontem, o Supremo Tribunal Federal fez soar a flauta mágica. Renan Calheiros, o Tifão contemporâneo, tombou vencido por uma liminar urdida por Marco Aurélio de Mello a pedido da Rede Sustentabilidade, o Cadmo dessa estória.

E foi um tombo tão grande e retumbante que só deixou como alternativa ao poderoso titã do Senado refugiar-se no Monte Nisa de seu mandato parlamentar. Nada, nada, isso ainda lhe garante o privilégio de foro e, quem sabe, mais alguns anos de procrastinação até que a deusa Themis possa derrotá-lo definitivamente.

Renan não tem futuro, quer na vida política, quer no mundo civil. Seu destino é o mais drástico possível. Mais cedo ou mais tarde, vai ter que se avir com seu passivo judicial. E provavelmente não terá mais sorte do que o colega Eduardo Cunha, outro demônio que já retornou ao Reino de Hades.

Ocorre que ninguém sabe quantos megatons de energia serão produzidos pela queda desse titã. É provável que a primeira mudança seja a o reconhecimento da inviabilidade do projeto de abuso de autoridade gestado com o objetivo de antecipar a vingança contra os promotores de justiça e juízes que irão condená-lo daqui a pouco.

Mas o calor da luta final pode também fustigar as pretensões de Michel Temer de aprovar a toque de caixa a reforma da Previdência Social, que chega hoje ao Congresso Nacional. E sem ela, perde completamente o sentido o outro elemento do binômio de contenção fiscal montado pelo Planalto, a PEC 55, que cria um teto para os gastos públicos, com votação marcada para terça da semana que vem.

A indisposição entre os Poderes aos poucos vai tomando os contornos de uma grave crise institucional. O que pode resultar disso, nem Zeus, com todos os seus poderes, sabe.

Alguns projetos caros ao governo já saem dessa batalha bestial condenados. Um deles é a candidatura do senador Eunício Oliveira à presidência do Senado. Na iminência de se tornar réu como Renan, não poderá permanecer na linha sucessória do Presidente da República, o que inviabiliza sua pretensão.

Também está aceso o farol amarelo para áulicos do Planalto como Romero Jucá, cujas menções na Lava Jato não o impediram de assumir o honroso cargo de líder do governo no Congresso, e outros personagens do núcleo do governo Temer enrolados com seu passado criminal.

Se ficar só nisso, já está de bom tamanho. Porque com a economia desgovernada e a política de soerguimento abatida, estaremos a um passo da inviabilidade política do atual governo, que sofre agudamente com sua falta de legitimidade.

O quadro, como se vê por essa fresta, é medonho.

Porque, ao final da história, pode não haver mais um Tifão a derrotar.

Mas pode também não haver mais um Olimpo a restaurar.


06 de dezembro de 2016
in fábio pannunzio

Nenhum comentário:

Postar um comentário