A primeira dama Marcela Temer só precisa aparecer em público para virar notícia e ser criticada – até no lançamento do programa Criança Feliz.
Marcela Temer está de novo nos Trending Topics do Twitter. A primeira-dama mais bonita do mundo, segundo a imprensa americana, vira notícia tão somente por, digamos, existir. Se Marcela Temer, que já ficou marcada pela discrição, de repente for vista, pelo fato de ter sido vista, será notícia. E, como notícia, é sempre criticada.
Ao se pesquisar por que a primeira-dama virou notícia, descobre-se em manchetes como a de Fernando Rodrigues, no UOL: Michel Temer lança programa “Criança Feliz” ao custo de R$ 2 bilhões ao ano. Marcela Temer apareceu e falou em público pela primeira vez para capitanear o programa – daí a notícia. O “Criança Feliz” é uma espécie de complemento do Bolsa Família, focado na primeira infância, para crianças entre 0 e 3 anos.
Mas há algo curioso, para quem estuda as relações entre linguagem e poder e não cai na ideologia xarope da análise do discurso: nunca vi uma manchete sobre o Bolsa Família com o custo do programa. Modelo “Lula expande o Bolsa Família, ao custo de X bilhões” ou “Dilma gasta Y bilhões a mais com Bolsa Família”. Pelo contrário: parece que o dinheiro do Bolsa Família nasce de uma árvore atrás do Palácio do Planalto (ou do Banco Central).
Simplesmente os custos do programa sempre foram escondidos, exigindo-se uma boa capacidade de pesquisa para se chegar a eles. E era sempre descrito como “investimento”, como se Dilma ela própria estivesse tirando de seu (dela) bolso para dar aos pobres. Ao menos, foi essa a impressão que aqueles com menor capacidade de reflexão na sociedade para comprarem a propaganda bolsa-familística.
De repente, basta o programa ser apresentado por Marcela Temer para se tornar “gasto”, e já na manchete, explícito até para os 99% que não lerão a reportagem.
Não é exatamente uma visão sobre ideais, que um partido defende mais do que o outro, portanto, pensando no ideal, escolhe-se o partido, mesmo com ideais que já se provaram ideologia barata, como “igualdade social” ou “assistencialismo”.
É a visão de que o partido X faz uma coisa. Se o vice do partido X, da mesma chapa do partido X, fizer a mesma coisa que o partido X, todo o discurso se inverte. Procura-se denegrir sua imagem. Fala-se (finalmente) que o programa tem um custo. Tenta-se assustar a população. Oh, meu Deus, Bolsa Família, minha gente, vai custar dinheiro.
E Marcela Temer é criticada. Ela fez alguma coisa errada? Aliás, ela fez alguma coisa? A resposta é sempre o coaxar de sapos só ouvido no silêncio absoluto.
Marcela Temer incomoda mais a esquerda do que Michel Temer. E justamente por não ser uma ultra-direitista ortodoxa. Marcela Temer é apenas uma pessoa normal com sucesso na vida. O que pode ser um símbolo maior do fracasso e perniciosidade do ideário de Estado total da esquerda do que alguém que não precise da esquerda para ser feliz e realizado?
Desde o episódio “bela, recatada e do lar”, ficou claro ao Brasil o que parece que só a direita estudiosa da esquerda e a zoeira de internet sabiam: que a esquerda, apesar de sua logorréia economista, tem apelo por frustrações sociais, psicológicas e sexuais que pouco ou nada têm a ver com a economia.
Marcela Temer irrita justamente por ser bonita e se dedicar à discrição e à família. Irrita justamente por mostrar que a felicidade, a realização, a auto-satisfação e a joie de vivre não derivam de militância, de discurso vitimista-revanchista, de performances puramente estéticas com palavras de ordem e hormônios em ebulição em praça (ou rede) pública.
Pior: Marcela temer acaba mostrando que todo o discurso da esquerda é pura performance, flatus vocis, um teatro de marionetes, e que a birra exagerada da histeria coletiva da “problematização” e contra o “patriarcado” é pura pirraça de quem tem frustrações mal resolvidas e tenta canalizá-las para a política, como bem o teorizaram e desejaram os fundadores da esquerda moderna, do Marcuse de Eros e a Civilização ao Foucault de História da Sexualidade.
O Bolsa Família simplesmente deixou de ser questão a ser defendida pela esquerda, se quem o faz é alguém que transparece seu sucesso justamente quando está quieta, e não alguém como Dilma Rousseff, que no auge do poder, ainda era vista como um poste, como uma marionete comandada, como alguém que deixava seus adversários nervosos, mas nunca invejosos.
Porque Bolsa Família nunca foi um fim: foi apenas um meio e uma desculpa para a esquerda estar no poder.
Sem o vitimismo, nenhuma feminista defende Marcela Temer, talvez a minoria mais oprimida do país hoje. Sem o revanchismo, Bolsa Família se torna gasto, e não há assistencialismo e “distribuição de renda” aos pobres que não mereça zilhões de críticas da esquerda, já que não é o partido dela que lucra (literalmente) com a propaganda.
06 de outubro de 2016
flávio morgenstem
in senso incomum
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