Conforme previmos aqui na Tribuna da Internet, a prolongada sessão do Supremo Tribunal Federal para decidir sobre a legalidade da prisão de condenados em segunda instância foi um julgamento de tirar o fôlego, decidido por apenas um voto. Não houve surpresas nas manifestações dos ministros, mas o suspense era sufocante, porque já se sabia que faltava apenas um voto para demolir a Lava Jato e libertar todos os réus que estão em prisão preventiva, vejam bem a importância histórica dessa decisão do Supremo.
No julgamento anterior, em fevereiro, o resultado tinha sido mais folgado, com sete ministros se manifestando a favor da prisão antecipada, e apenas quatro se posicionando contra. De lá para cá, porém, o ministro Dias Toffoli teve uma recaída petista e mudou de lado para libertar o velho amigo e companheiro Paulo Bernardo, chefe da quadrilha do empréstimo consignado e que se revelara um emérito estelionatário.
O resultado, então, hipoteticamente passara a ser de 6 a 5 e ficou faltando apenas mais um ministro trocar de voto, para que se garantisse a libertação de grande número de criminosos do colarinho branco, entre os quais o ex-senador Luiz Estevão e toda a galera da Lava Jato.
ESTAVA EM 4 A 4 – O pinga-pinga dos votos, no início da noite, deixou o placar em 4 a 4, restando apenas três votos – de Gilmar Mendes, do decano Celso de Mello e da atual presidente do Supremo, a ministra Cármen Lúcia. Como já era esperado, Teori Zavascki, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux tinham votado a favor a favor da prisão de condenados em segunda instância, enquanto Marco Aurélio Mello (relator), Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski se posicionaram contra.
Embora o juiz Sérgio Moro não tenha sido citado pelos ministros, a tese defendida por ele era o ponto central da discussão e acabou prevalecendo. Em recente artigo, que transcrevemos aqui na Tribuna da Internet, o magistrado paranaense fez um estudo comparativo, mostrando que em praticamente todos os países desenvolvidos a prisão dos criminosos ou ocorre em segunda instância ou até mesmo em primeira instância, determinada por juiz singular, como acontece nos Estados Unidos. Em nenhum deles há necessidade de “trânsito em julgado”.
MENDES REPETIU MORO – Gilmar Mendes, que fez um dos votos mais fundamentados, repetiu a tese de Moro ao assinalar que em todos os países “com grau civilizatório elevado” a prisão (execução da pena) ocorre após decisão em segunda instância.
Quanto aos argumentos dos ministros opositores, que levantaram a possibilidade de inocentes serem presos, Gilmar Mendes ressalvou que esses erros podem ser reparados por habeas corpus, como ocorre em outras nações evoluídas. Lewandowski, por exemplo, pouco antes tinha argumentado que “não basta uma decisão de segundo grau”, dizendo que a prisão precisa ser “devidamente motivada”, o que na prática representa o óbvio ululante tão citado por Nelson Rodrigues.
VOTO DE MINERVA – Com a participação Celso de Mello, o placar ficou em 5 a 5, porque o decano preferiu defender ardentemente a jabuticaba jurídica brasileira. “Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como culpado, sem que exista a esse respeito decisão judicial condenatória transitada em julgado”, argumentou, pateticamente, num voto longo e chatíssimo, como sempre.
Ficou então faltando apenas a presidente Cármen Lúcia, a quem coube o famoso voto de Minerva, nome romano da deusa grega Palas Atena, que presidiu o julgamento de Orestes, acusado de matar a mãe e o amante dela. A votação no Olimpo estava empatada e Minerva então votou pela absolvição, numa cena imortalizada na peça teatral escrita por Ésquilo, que até ajudou a consolidar a máxima jurídica “in dubio, pro reu” (na dúvida, liberte-se o réu).
Ao contrário de piedosa Minerva, a ministra Cármen Lúcia preferiu seguir a práxis jurídica moderna e brilhantemente decretou a culpa de todos os réus condenados em segunda instância, definindo o resultado em 6 a 5 e evitando a destruição de todo o grandioso trabalho da Lava Jato. Agiu como uma grande juíza, portou-se como uma deusa.
06 de outubro de 2016
Carlos Newton
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