A presidente Dilma e o PT, por convicções populistas, não tocam no assunto. Mesmo que textos acadêmicos circulem esmiuçando o sério problema, e um partido formalmente aliado, o PMDB, tenha lançado um documento, sob o título de “Uma ponte para o futuro”, com propostas objetivas para desatar o nó.
O ponto central, que já deveria ser tema de um amplo debate no Congresso, Executivo e fora deles, é que a crise fiscal implodiu os alicerces da Constituição de 1988. A ideia de um Estado que seria capaz de eliminar a miséria, reduzir a pobreza e ainda fornecer serviços básicos como saúde e educação com eficiência, faliu. Aceite-se ou não.
Por uma estrondosa ironia, foi pelas mãos do PT, partido defensor desse Estado tutor da sociedade, insaciável coletor de impostos para redistribuir as rendas fazendo o “bem”, que este modelo entrou em colapso. Do ponto de vista moral, o mensalão e o petrolão, este ainda sendo esmiuçado pela Lava-Jato, fizeram o trabalho de reciclar a imagem do PT. E o partido, por meio de Dilma e outros economistas petistas, tratou de desequilibrar de forma estrutural o Orçamento, na talvez maior crise fiscal da História republicana.
Bastou que aplicassem a fórmula letal do “novo marco macroeconômico”: apertar fundo no acelerador dos gastos públicos, não se preocupar com a inflação, baixar juros na base da “vontade política”, permitir aumentos reais frequentes para o salário mínimo, ampliar os chamados gastos sociais, sem limites. Some-se tudo e disso resulta um paiol de dinamite. Se forem adicionados o congelamento de tarifas e preços públicos (luz,combustíveis, para conter artificialmente a inflação no ano eleitoral de 2014); a transferência de dinheiro do Tesouro, proveniente de dívida, para BNDES e outros bancos públicos a fim de subsidiar e impulsionar o crédito; e, se os efeitos fiscais forem maquiados por técnicas da “contabilidade criativa”, temos as condições perfeitas para a enorme crise em que se encontra o país. Na política, o drama se aprofunda porque está na Presidência quem deu respaldo a toda esta operação de prestidigitação econômica e se beneficiou de uma enorme marquetagem eleitoral estelionatária. A crônica das manobras, engendradas na Secretaria do Tesouro, foi publicada pelo jornal “Valor”, sexta-feira, com provas documentais. Técnicos do Tesouro alertaram o governo, em 2013, para o risco que o Brasil corria. Dilma, o ministro Guido Mantega e o secretário do Arno Augustin seguiram em frente. Quebraram o país.
Dentro do espírito “social” da Constituição de 88, gastos foram vinculados a despesas, a fim de que jamais faltassem recursos para Saúde e Educação. Também indexou-se grande parte dos benefícios previdenciários, e vários gastos ditos “sociais”, ao salário mínimo ou à inflação. Eles representam expressiva parcela do Orçamento. Instalou-se, assim, uma bomba-relógio dentro das finanças públicas. À espera de uma conjuntura ingrata: recessão com inflação. E ela veio, no rastro do “novo marco macroeconômico”.
Os números mostram a gravidade do que ocorre: devido à recessão, o recolhimento de impostos federais ligados à produção (IPI, Imposto de Importação) caiu, no terceiro trimestre, 8,3%. E as perspectivas são ruins porque a queda na coleta de impostos tem sido superior à velocidade de retração do PIB. Para uma recessão de 3,5%, por exemplo, projeta-se menos 5% de receita.
Não seria um problema de enormes dimensões se cortes equivalentes pudessem ser feitos nos gastos. Mas não podem, pois eles estão indexados, por determinação legal, ao SM ou à inflação.
Há, então, um problema insolúvel, se reformas estruturais não forem feitas: não bastasse a retração nas receitas, boa parcela dos gastos aumentará 10% em 1º de janeiro, quando entrar em vigor o novo salário mínimo.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, luta pela meta modesta de um superávit primário no ano que vem de 0,7%. Porém, só pelo “efeito salário mínimo”, os gastos devem subir instantaneamente 0,2% do PIB. Mesmo que a CPMF viesse a ser ressuscitada, a cada ano teria de ser lançado outro imposto idêntico, e já com a carga tributária nas alturas. É indiscutível que sem desarmar a indexação do Orçamento, rever vinculações e reformar a Previdência, cujo déficit aumenta a cada ano, a conta não fechará. Mas o Planalto não quer falar nisso, e o Congresso está mergulhado no impeachment. Isso não significa, porém, que este problema gigantesco deixe de existir. Ele ficará bastante visível. Foi assim na Grécia.
13 de dezembro de 2015
O Globo
O ponto central, que já deveria ser tema de um amplo debate no Congresso, Executivo e fora deles, é que a crise fiscal implodiu os alicerces da Constituição de 1988. A ideia de um Estado que seria capaz de eliminar a miséria, reduzir a pobreza e ainda fornecer serviços básicos como saúde e educação com eficiência, faliu. Aceite-se ou não.
Por uma estrondosa ironia, foi pelas mãos do PT, partido defensor desse Estado tutor da sociedade, insaciável coletor de impostos para redistribuir as rendas fazendo o “bem”, que este modelo entrou em colapso. Do ponto de vista moral, o mensalão e o petrolão, este ainda sendo esmiuçado pela Lava-Jato, fizeram o trabalho de reciclar a imagem do PT. E o partido, por meio de Dilma e outros economistas petistas, tratou de desequilibrar de forma estrutural o Orçamento, na talvez maior crise fiscal da História republicana.
Bastou que aplicassem a fórmula letal do “novo marco macroeconômico”: apertar fundo no acelerador dos gastos públicos, não se preocupar com a inflação, baixar juros na base da “vontade política”, permitir aumentos reais frequentes para o salário mínimo, ampliar os chamados gastos sociais, sem limites. Some-se tudo e disso resulta um paiol de dinamite. Se forem adicionados o congelamento de tarifas e preços públicos (luz,combustíveis, para conter artificialmente a inflação no ano eleitoral de 2014); a transferência de dinheiro do Tesouro, proveniente de dívida, para BNDES e outros bancos públicos a fim de subsidiar e impulsionar o crédito; e, se os efeitos fiscais forem maquiados por técnicas da “contabilidade criativa”, temos as condições perfeitas para a enorme crise em que se encontra o país. Na política, o drama se aprofunda porque está na Presidência quem deu respaldo a toda esta operação de prestidigitação econômica e se beneficiou de uma enorme marquetagem eleitoral estelionatária. A crônica das manobras, engendradas na Secretaria do Tesouro, foi publicada pelo jornal “Valor”, sexta-feira, com provas documentais. Técnicos do Tesouro alertaram o governo, em 2013, para o risco que o Brasil corria. Dilma, o ministro Guido Mantega e o secretário do Arno Augustin seguiram em frente. Quebraram o país.
Dentro do espírito “social” da Constituição de 88, gastos foram vinculados a despesas, a fim de que jamais faltassem recursos para Saúde e Educação. Também indexou-se grande parte dos benefícios previdenciários, e vários gastos ditos “sociais”, ao salário mínimo ou à inflação. Eles representam expressiva parcela do Orçamento. Instalou-se, assim, uma bomba-relógio dentro das finanças públicas. À espera de uma conjuntura ingrata: recessão com inflação. E ela veio, no rastro do “novo marco macroeconômico”.
Os números mostram a gravidade do que ocorre: devido à recessão, o recolhimento de impostos federais ligados à produção (IPI, Imposto de Importação) caiu, no terceiro trimestre, 8,3%. E as perspectivas são ruins porque a queda na coleta de impostos tem sido superior à velocidade de retração do PIB. Para uma recessão de 3,5%, por exemplo, projeta-se menos 5% de receita.
Não seria um problema de enormes dimensões se cortes equivalentes pudessem ser feitos nos gastos. Mas não podem, pois eles estão indexados, por determinação legal, ao SM ou à inflação.
Há, então, um problema insolúvel, se reformas estruturais não forem feitas: não bastasse a retração nas receitas, boa parcela dos gastos aumentará 10% em 1º de janeiro, quando entrar em vigor o novo salário mínimo.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, luta pela meta modesta de um superávit primário no ano que vem de 0,7%. Porém, só pelo “efeito salário mínimo”, os gastos devem subir instantaneamente 0,2% do PIB. Mesmo que a CPMF viesse a ser ressuscitada, a cada ano teria de ser lançado outro imposto idêntico, e já com a carga tributária nas alturas. É indiscutível que sem desarmar a indexação do Orçamento, rever vinculações e reformar a Previdência, cujo déficit aumenta a cada ano, a conta não fechará. Mas o Planalto não quer falar nisso, e o Congresso está mergulhado no impeachment. Isso não significa, porém, que este problema gigantesco deixe de existir. Ele ficará bastante visível. Foi assim na Grécia.
13 de dezembro de 2015
O Globo
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