"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

VERDADE E FALSIFICAÇÃO DA MEMÓRIA. DE COMO NÃO EXISTE POLÍTICA SEM REFLEXÃO

Artigos - Cultura 
A única forma de preservar a democracia é compreender o seu oposto e o perigo latente que sempre ameaça as fundações da polis. É esta a tarefa mais urgente e decisiva.

"Não temos compaixão e não lhe pedimos compaixão alguma. Quando chegar a nossa vez, não inventaremos pretextos para o terror.”

Karl Marx
 
“Nenhum homem pode esquivar-se às perguntas fundamentais: Que devo fazer? Como discernir o bem do mal? A resposta somente é possível graças ao esplendor da verdade que brilha no íntimo do espírito humano, como atesta o salmista: ‘Muitos dizem: ‘Quem nos fará ver o bem?’ Fazei brilhar sobre nós, Senhor, a luz da vossa face’ (Sal 4, 7).”
João Paulo II

Nada me move pessoalmente contra o sr. Pedro Pires (ex-Primeiro mimistro de Cabo Verde 1975-1991), ancião foguense e nome forte da “luta de libertação” empreendida pelo PAIGC (N.doE.: sigla do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, filiado à Internacional Socialista). É óbvio.
Mas, num meio mesquinho e muito dado à bisbilhotice, vale sempre a pena ressaltar o óbvio.
Adiante!
 
O problema é quando o velho guerrilheiro, sabe-se lá com que intenções, perde a noção das coisas e entra pelo terreno da pura propaganda, com riscos evidentes para o Estado de direito e para a sociedade civil que se quer construir hoje. Assim não pode ser.
 
A consolidação das instituições democráticas requer uma cultura de gentlemanship e sinceridade. Que se baseia no governo pelo consentimento e no respeito pela igual dignidade humana. (Um Estado só é forte quando se guia por estes preceitos para PP é, todavia, o contrário, o Estado “forte” exige polícia política, economia estatizada, perseguição dos opositores e controlo do pensamento!).
A história não é uma esfera neutra, bem o sabemos.
Richard Rorty, um filósofo relativista, explicava que a batalha histórica é afinal a luta pela liderança política. Quando o compreenderemos?
 
Mas, sob pena de grave incompreensão, a história não deve ser capturada por interesses ideológicos e cultos de personalidade, ou abandonada, inerme, aos apetites político-partidários de circunstância.
É inaceitável tratar esta questão à maneira de um Andrei Jdanov, rendido ao evangelho comunista e aos seus santos, tabus, chavões e slogans. É necessário mais do que isso. Muito mais do que isso.
A história autêntica exige, parece-me, três elementos fundamentais: factos, interpretação sincera, rigor analítico. Muito cuidado.
 
Na ausência de um pensamento crítico e da pesquisa honesta, vender-nos-ão sempre, ontem como hoje, apenas gato por lebre.
Não se pode permitir, sem mais, o triunfo do “pensamento troglodita” (J. Castañeda) e a manipulação interesseira. Nunca.
É o olvido e a ignorância que engendram, em última instância, a má política e preparam o terreno para os piores infernos, de Treblinka ou, em menor escala, Tarrafal.
 
Pedro Pires, ao dizer que “não se arrepende” do seu passado ou ao explicar, numa recente entrevista radiofónica (http://www.rtc.cv/index.php?paginas=9&id_cod=2315), que o 31 de Agosto de 1981 foi um mero “acidente” (sic) está, precisamente, a legitimar a ditadura do partido único e a enfraquecer as instituições do Estado de direito, que não toleram afirmações do género.
 
Ora, se a ditadura é útil e boa, o governo constitucional pode, então, ser inútil e dispensável. Carl Schmitt regressa em força, com o seu halo decisionista.
Pedro Pires está, com tudo isso, a dizer-nos que afinal o passado não passou e que continua, pelo contrário, bem actual e pleno de sentido neste transitivo presente!
É muito grave.
 
Não senhor. A ditadura totalitária não foi um acidente, nem foi fruto do acaso.
Foi sim, e do princípio ao fim, obra madura da engenharia social, do blueprint de uma geração embriagada pelo mito revolucionário e pela perversa cantilena marxista-leninista.
Perante isto, o que fazem os partidos da “oposição”?
 
Calam-se ou então, no ápice da lisonja, confirmando a lei do menor esforço, vão ao Facebook (é o caso do sr. Abraão Vicente, da comissão política do MpD) elogiar o velho “comandante”!
Quando assim é, temos de pensar duas vezes, e estar cientes desta verdade indiscutível, insofismável: uma parte importante da nossa classe política é inimiga da Sociedade Aberta e defende, por sadismo ou ignorância, os pilares ideológicos do totalitarismo, que tanto sofrimento humano tem causado por este mundo fora.
 
É nestas ocasiões que se deve rastrear, como dever de cidadania e condição de um futuro próspero que merece, julgo, ser preservado e garantido às futuras gerações, a origem da mentalidade revolucionária e, concomitantemente, o seu complexo mecanismo de sedução e funcionamento.
 
Pode começar-se pela leitura do já clássico As Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt, mas é preciso ir mais além.
Sem isso, tudo se resume a um jogo perpétuo de auto-enganos, oscilando, na ausência de uma filosofia exigente e reflexivamente assumida, entre o burlesco e o grotesco.
 
Os amigos da Liberdade devem pois, sem tardança, encarar este desafio civilizacional.
É aqui que começa a autêntica pedagogia e a própria “política da liberdade”, lembrando Ralf Dahrendorf.
Aqui reside aliás, límpida e desafiante, a chave do problema colectivo.
A única forma de preservar a democracia é compreender o seu oposto e o perigo latente que sempre ameaça as fundações da polis. É esta a tarefa mais urgente e decisiva.
A política é uma longa reflexão. Ou nada é.
 
Recordemos os Federalist Papers e os pais da revolução norte-americana, donde saiu a nação mais rica e livre da história até hoje.
Talvez fosse útil, nesta era das novas tecnologias e da Internet, dar um click rapidinho nestes links preciosos.
O saber liberta (“Sapientiam autem non vincit malitia”), hão-de descobrir maravilhados:
 
 
Post-scriptum: Há um mito de que as autocracias são por definição “elitistas” e só as democracias, o reino celestial secularizado, promovem o bem-estar e os direitos sociais de todos. É falso. Em Portugal, foi o ministro Veiga Simão quem promoveu, a partir de 1970, no governo Marcello Caetano, a democratização do ensino e alargou a escolaridade obrigatória para 8 anos também lançou, recriando de alguma forma o ideal educativo pombalino, o projecto de novas universidades

Publicado no jornal Expresso das Ilhas, de Cabo Verde.
15 de maio de 2014
Casimiro de Pina é jurista e autor do livro 'Ensaios Jurídicos: Entre a Validade-Fundamento e os Desafios Metodológicos'.

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