SÃO PAULO - Muito se fala nos apps Lulu, Tubby e no "revenge porn", que estariam inaugurando uma nova modalidade de violência sexual. É claro que esse tipo de exposição pode provocar vítimas, mas receio que o fenômeno não seja novo nem passível de controle por leis. Estamos, afinal, diante da versão tecnológica e indelével da boa e velha fofoca, que é um universal humano.
Vemos a futrica com desconfiança. Ela fica em algum ponto entre a informação não confiável e a intriga. Já o hábito de mexericar é descrito como vício moral. Tudo isso é verdade, mas há um lado positivo nas indiscrições que raramente é destacado.
Para começar, a fofoca é o mais antigo e, provavelmente, mais eficiente dos mecanismos de controle social. Muito antes de haver polícia, as pessoas puniam o membro do grupo que se desviasse da norma falando mal dele. Numa comunidade de algumas dezenas de pessoas, ser objeto de comentários e olhares tortos tende a ser mais do que suficiente para restaurar o bom comportamento. Medidas mais extremas, como banimento e execução, são eventos relativamente raros nas sociedades de caçadores-coletores que ainda sobrevivem.
O antropólogo Christopher Boehm, em seu fascinante "Moral Origins", vai além e afirma que foi a fofoca que permitiu a nossos ancestrais chegarem aos consensos sociais --como o incentivo à generosidade e à cooperação-- que constituem a base de nossos códigos morais.
No plano individual, somos atraídos pelo diz que diz porque ele nos inunda com informações potencialmente úteis sobre nossos semelhantes. É assim que ficamos sabendo se fulano é confiável para retribuir um favor e se beltrana é boa de cama. A informação nem precisa ser exata. Basta que a central de boatos não erre sempre para que seja preservada.
Isso produz injustiças e até tragédias, mas me parece improvável que se possa banir da rede um traço tão caracteristicamente humano.
08 de dezembro de 2013
HÉLIO SCHWARTSMAN, Folha de SP
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