Entidades ligadas à
área farmacêutica iniciaram uma campanha pela redução ou extinção de tributos em
remédios. Será uma boa ideia?
A Interfarma - Associação da Indústria Farmacêutica de
Pesquisa, a Abrafarma - Associação Brasileira de Redes de Farmácia
e Drogarias e outras entidades ligadas ao setor farmacêutico iniciaram uma
campanha visando reduzir ou eliminar os impostos sobre remédios, batizada de "Sem imposto, tem remédio" (Acesse o site da campanha
aqui).
No balcão de
atendimento de uma dada rede de farmácias, encontro uma cesta de medicamentos
indicando o preço total, incluídos os impostos, somando R$ 924,22, tendo ao seu
lado o valor de R$ 597,97, representando uma diferença de
55%!
Indubitavelmente, a
iniciativa vem carregada de boas intenções. Porém, será uma boa
ideia?
Tendo visitado os
sites da Abrafarma e da Interfarma, deparei-me, para minha felicidade, com a
afirmação de ambas de defenderem os valores do livre mercado, da ampla
concorrência e de repudiarem a indevida intervenção estatal no setor em que
atuam. Portanto, teço aqui os meus elogios porquanto o que tenho mais visto até
então foram campanhas de índole socialista, do tipo "responsabilidade
social".
No site da
campanha, consta a informação relevante de que "a carga tributária sobre os
remédios comercializados no país é de quase 34%. Em países como Portugal, Suíça
e Holanda, os medicamentos são tributados em, no máximo, 10%. No Reino Unido e
Canadá, as pessoas simplesmente não pagam impostos quando compram remédio. Lá, a
tributação é ZERO!"
Lembro aos leitores
que impostos como o IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados, e o ICMS -
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, contêm cláusulas
constitucionais de seletividade, pelas quais os impostos devem ser reduzidos, em
razão de sua essencialidade, a ver:
IPI:
Art. 153. Compete à
União instituir impostos sobre:
IV - produtos
industrializados;
§ 3º - O imposto
previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função
da essencialidade do produto;
ICMS:
Art. 155. Compete aos
Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre:
§ 2.º O imposto previsto no
inciso II atenderá ao seguinte:
III - poderá ser seletivo,
em função da essencialidade das mercadorias e dos
serviços;
Para bom
entendimento do leitor não tão conhecedor da linguagem jurídica, o termo
"poderá", que é usado no inciso II do parágrafo 2º do Art. 155, que cria o ICMS,
deve ser entendido como "deverá".
Ambas as disposições
constitucionais foram criadas com o intuito - vejam bem, caríssimos leitores -
de orientar os respectivos governos federal (IPI) e estaduais (ICMS) a
estipularem alíquotas mais módicas quando se tratar de produtos e serviços
considerados "essenciais".
Entretanto....como o
Brasil é o país das maravilhas, a essencialidade tem sido usada para gravar mais
pesadamente os tributos, contrariando frontalmente a Constituição, sob a lógica
mais óbvia que dos produtos e serviços essenciais as pessoas quase não têm como
se furtar, além de serem de mais fácil fiscalização, dado que são poucos os
contribuintes recolhedores. Eis porque o preço das contas dos combustíveis,
energia elétrica e de telefonia, por exemplo, são mais altas do que as de outros
produtos e serviços.
Sempre faço também
questão de lembrar do velhaco cálculo de cobrança do ICMS, que majora na prática
o valor nominal da alíquota, chamado de "por dentro", isto é, que usa a alíquota
como um desconto do preço final, de forma que o imposto forme parte do próprio
produto. Se alguém ainda não entendeu, o ICMS é cobrado sobre o produto e sobre
o próprio ICMS relativo àquele produto.
Assim é, por exemplo, que uma alíquota
nominal de 35% sobre a fatura de energia elétrica significa realmente
54%!
Há ainda um bom
exemplo de como isenções setoriais pouco ajudam a nos dar esperanças de pagarmos
uma menor carga tributária. Refiro-me especialmente ao Art. 150, V, d, que
estipula a imunidade tributária "aos livros, jornais, periódicos e ao papel
destinado a sua impressão". Afinal, todos bem sabem o quanto são caros os
livros no Brasil, apesar de usufruírem do privilégio
tributário.
Francamente,
sinto-me no dilema de Sofia: devo aderir à causa, como uma forma de apoiar a
redução de impostos aqui, e aguardar novas campanhas para reduzir também ali e
acolá, ou devo ser firme na proposta de uma redução geral de tributos, com uma
correspondente diminuição do estado?
Do primeiro lado, se
pensarmos bem, foi esta mesma a estratégia que os diferentes governos
esquerdistas fizeram para majorar tributos e impor mais burocracia, isto é, a
cabo de medidas casuístas e particularizantes. Consistiria uma campanha
semelhante em estratégia, mas de sentido inverso, em um empreendimento
bem-sucedido?
Em via inversa, não
se enrola novamente um novelo de lã do mesmo modo que se fez para emaranhá-lo.
A coisa é mais complicada. Por exemplo, nós temos preços abusivamente altos
para veículos, sendo grande parte representada por impostos. Países como
Argentina e México produzem automóveis com preços até 50% mais baratos que no
Brasil. Então a questão é: para um estado glutão, uma decisão de reduzir
impostos em um setor não acabará resultando em onerar mais outros
setores?
Em uma sociedade
livre, todos os produtos e serviços interagem no processo produtivo: espera-se
que, nominalmente, os preços dos remédios tornem-se mais baratos a partir do
momento em que se tornarem isentos de tributos, mas todas as outras coisas
necessárias à produção de remédios ficarão mais caras se o governo decidir
transferir a carga tributária para outros setores, de modo que os remédios
ficarão mais caros por conta da majoração dos custos de
produção.
A história das
intervenções socialistas em diversos países tem demonstrado à exaustão que é
assim que acaba acontecendo, e pior ainda, que impuseram à população um
empobrecimento relativo ou absoluto. Neste sentido, assim se expressa o filósofo
e economista Hans Hermann-Hoppe, em sua obra "Uma teoria sobre Capitalismo e
Socialismo":
"Conseqüentemente
temos, por exemplo, efeitos positivos altamente visíveis das políticas
socialistas tais como “alimentos baratos”, “aluguéis baixos”, isto ou aquilo
“grátis”, que não são apenas coisas positivas flutuando no ar, desconectadas de
qualquer coisa, mas antes, são fenômenos que têm de ser pagos de alguma forma:
pela escassez ou queda na qualidade dos alimentos, pelo déficit habitacional,
decadência e favelas, filas e corrupção, e adiante, pela queda dos padrões de
vida, reduzida formação de capital e/ou aumento de consumo de capital".
A boa compreensão
nos aconselha a persistir pelo segundo caminho: impostos e leis iguais para
todos: impostos módicos e leis justas e não intrusivas. Reitero que transmito os
parabéns à Interfarma e à Abrafarma, porque entendo a questão de fundo que as
move, mas sugiro que se mobilizem por uma campanha cívica em prol de uma
diminuição geral da carga tributária para todas as atividades, demonstrando o
quanto é cara a vida aos cidadãos, especialmente para os mais pobres, quando
temos de pagar pesados tributos, e que se não contivermos o estado em sua
voracidade tributária, vamos todos sofrer com várias privações, entre as quais a
de comprar remédios.
12 de novembro de 2013
Libertatum
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