"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

"OS DONOS DA HISTÓRIA"

Sempre acho bom evitar a personalização nos debates e controvérsias, porque ela acaba desviando as atenções do tema principal, mas, na polêmica das biografias não autorizadas, por envolver alguns dos mais renomados músicos do país, já não é possível dissociar posições dos que as defendem.
 
De modo que, como autor, me vejo obrigado, pela primeira vez, a discordar do Chico, do Caetano e do Gil, líderes do grupo Procure Saber, com os quais sempre me senti irmanado quanto ao essencial, às matérias de relevância nacional como esta.
 
O mesmo já não posso dizer do outro protagonista no noticiário sobre o caso, o Roberto Carlos, que nunca nos deu a oportunidade de concordar ou discordar dele, simplesmente porque se desconhece o que pensou até agora, inclusive quanto à ditadura. E vago e impreciso continuou sendo na badalada entrevista ao “Fantástico”.

Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso, líderes do Procure Saber
Penso que a memória dos grandes vultos e personalidades do país, inclusive da área artística, é propriedade pública, parte inalienável da identidade nacional, e, como tal, não pode ficar à mercê ou depender da vontade, do capricho, das idiossincrasias ou, como ocorre com mais frequência, da cobiça dos seus herdeiros; a estes cabe, sim, parcela já regulamentada dos lucros financeiros decorrentes do culto a essas memórias, da venda das suas obras, pois são, afinal, legatários do prestígio dos seus antepassados.
 
A experiência vem demonstrando que é nas vantagens pecuniárias que se concentra e fundamenta a maioria das objeções e exigências dos familiares, como tão bem exemplifica o caso de “Estrela solitária”, a excelente biografia do Garrincha escrita pelo Ruy Castro, relatado pelo seu editor, Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, no Segundo Caderno do GLOBO de 17 de outubro.
 
O Brasil é um dos poucos países em que ainda vigora essa aberrante forma de censura prévia, a autorização de biografias, uma flagrante violação do direito constitucional à liberdade de expressão, incompatível com a democratização em curso, muito embora os abusos e infrações no exercício deste direito já estejam até previstos legalmente, inclusive com a cominação das respectivas punições.
 
Em suma: ou completamos e modernizamos a nossa legislação nessa área, com a aprovação do projeto que tramita na Câmara Federal, ou convoquemos a família imperial, para integrar as bancas universitárias que julgam as dissertações e teses de pós-graduação em História do Brasil referentes aos seus ilustres antepassados.

12 de novembro de 2013
Arthur Poerner, O Globo

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