"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

"RECORDAR É VIVER"

 
‘O PT aprofundou o processo de desmoralização da política’, acusa Villa. Ser ‘amigo do rei’ nunca foi tão importante para o sucesso

“O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação. É uma República bufa, uma República petista.” Assim conclui Marco Antonio Villa em seu novo livro, “Década perdida”, onde disseca os dez anos de PT no poder. É um trabalho conciso de historiador, resgatando os principais acontecimentos desta triste época.
 
Villa optou por um relato cronológico, expondo os fatos mais marcantes de cada ano. Basta relembrar a quantidade infindável de escândalos para derrubar todos os mitos criados pelo PT, inclusive o maior deles: o de que Lula é um operário que chegou ao poder para mudar tudo e beneficiar os mais pobres.
 
O lulismo, ao contrário, foi um grande passo na mesma direção do que há de pior em nossa política. O patrimonialismo foi fortalecido, as oligarquias corruptas nunca tiveram tanto poder, os sindicatos jamais foram tão vendidos, o aparelhamento da máquina estatal foi total. A tudo isso, somou-se o culto à personalidade, o messianismo típico das republiquetas populistas latino-americanas.
 
Dispostos a tudo pelo poder, Lula e o PT abusaram das mentiras, das práticas mais nefastas na política, das alianças indigestas com os velhos “picaretas” acusados pelo partido, do mensalão, o maior esquema já visto para tentar controlar o Congresso e destruir a democracia.
 
O que Villa faz é mostrar um filme do enorme estrago causado pela passagem do PT pelo poder nessa década. Com fortes ventos favoráveis vindos de fora, basicamente pelo elevado crescimento chinês e o baixo custo do capital no mundo, o Brasil teve desempenho econômico medíocre.

Crescemos bem menos do que a média dos emergentes, e com inflação bem maior. O pouco que crescemos se deu por fatores insustentáveis, como o irresponsável endividamento do governo e das famílias, estimulado pelo próprio governo. Faltou um projeto de país, e sobrou a visão míope de se pensar apenas nas próximas eleições.
 
O engodo que foi o lulismo, incluindo dois anos de sua “criatura” Dilma, fica evidente no livro, com a quantidade absurda de promessas irreais, factoides criados somente de olho nas campanhas eleitorais. Foi a era do marqueteiro, tudo voltado às aparências, sem preocupação com resultados concretos.
 
O desrespeito com as instituições republicanas foi total, chegando várias vezes ao escárnio. “O PT aprofundou o processo de desmoralização da política”, acusa Villa. Ser “amigo do rei” nunca foi tão importante para o sucesso. As bases da pirâmide foram compradas com esmolas, no pior estilo coronelista, e o topo, representado pelo grande capital, teve o BNDES a seu dispor, em magnitude jamais vista.
 
Os artistas também se venderam pelo “apoio cultural”. Nada mais é realizado nesta área sem que tenha a participação estatal, criando-se uma relação de completa dependência. A esquerda caviar e o PT desenvolveram uma simbiose umbilical, destruindo qualquer chance de integridade artística na maioria dos casos.

No âmbito externo e diplomático, o lulismo também deixaria sua marca podre. O Itamaraty tem sido responsável por vexames internacionais, deixou de lado sua tradicional postura de isenção, aderindo ao bolivarianismo e se alinhando aos piores ditadores. O viés ideológico e os objetivos partidários estiveram acima dos interesses nacionais. O Mercosul é um atraso de vida, e acordos bilaterais de livre comércio não foram selados por culpa do PT.
 
Por trás de tudo isso, como aponta Villa, há uma oposição acovardada, tímida, incapaz de combater com determinação o avanço do lulismo. Em 2005, essa postura equivocada ficou evidente, no erro estratégico de deixar o PT sangrar com o mensalão na expectativa de derrotá-lo nas urnas. Foi um marco do “vale tudo” adotado por Lula. Sua vitória foi a derrota da ética, a morte da jovem República ainda em construção.
 
Como o autor reconhece, não será nada fácil tirar o PT do poder. Primeiro, porque muitos grupos de interesse foram capturados. O PT transformou as estatais e seus poderosos fundos de pensão em instrumentos partidários. “Estabeleceu uma rede de controle e privilégios nunca vista na nossa história.”
 
Segundo, porque boa parte da população parece não se dar conta do que é o PT, um partido que sequer respeita seu próprio estatuto, preferindo defender, em vez de expulsar, criminosos condenados em última instância pelo STF, com ministros escolhidos pelo próprio PT. O povo tem memória curta. E aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo. O livro de Villa é um antídoto contra esse esquecimento. Leiam!

26 de novembro de 2013
Rodrigo Constantino, O Globo

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