As revelações de que os EUA estão espionando não só os governos, mas também dados pessoais de gente do mundo inteiro, inclusive de cidadãos americanos, causaram um grande mal-estar e um profundo desgaste para o governo Obama.
Nos EUA, a psicose coletiva gerada pelo 11 de setembro levou à proliferação de órgãos ligados a programas de combate ao terrorismo. Hoje são mais de 1.200 gerando mais de 50 mil relatórios anuais e ocupando mais de um milhão de funcionários, dos quais 850 mil com credenciais de acesso a documentos ultrassecretos. Esse verdadeiro complexo de segurança e militar está aparentemente fora do controle da Casa Branca, tanto no tocante à espionagem sobre outros países quanto sobre a bisbilhotagem de dados pessoais e de empresas na internet.
A questão não é se os governos devem ou não coletar informação sobre outros países. Todos, de alguma maneira, o fazem e continuarão a fazê-lo.
Dentre os problemas gerados por essas atividades, menciono dois. O primeiro é o dilema entre realpolitik e ética. Se a espionagem deve estender-se também a países aliados e seus principais lideres, como aconteceu com Angela Merkel, na Alemanha, e Dilma Roussef, no Brasil. Cabe indagar se espionar telefones dos lideres mundiais (até aqui foram relacionados 35 chefes de governo) seria o meio mais efetivo para obter informações e se o custo de eventuais revelações públicas compensaria esse risco. Levando em conta a reação pública recente, parece que a resposta é não.
O segundo tem a ver com o acesso aos dados pessoais e de empresas através da internet em terceiros países. Basta dizer que só na França, entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, 70 milhões de pessoas e algumas das principais empresas francesas tiveram sua privacidade invadida. Embora a espionagem comercial não seja novidade (na década de 90 o programa Echellon e a própria NSA foram denunciados por o fazerem), a escala e a sofisticação dessa ação intrusiva despertaram enorme reação pública em todos os países.
O vazamento da espionagem sobre o governo brasileiro, a presidente Dilma, empresas e indivíduos causou natural reação do governo, a exemplo do que ocorreu em outros países. O Brasil, com o apoio da Alemanha, está propondo uma nova regulamentação de governança global para proteger dados pessoais. Para tentar reduzir nossa vulnerabilidade, reconhecida inclusive pelo Ministro Celso Amorim, o governo propôs algumas iniciativas no âmbito da legislação sobre o marco civil da internet, algumas delas irrealistas pela falta de recursos tecnológicos e financeiros para implementá-las.
Como assinalou o professor Silvio Meira em recente artigo na revista “Interesse Nacional”, o Brasil tem de estabelecer uma estratégia de informação que dê conta de toda a cadeia de valor do que há de mais importante na sociedade de hoje, como base para o conhecimento — dados e informações. Uma das consequências dessa falta de estratégia é que nunca geramos capacidade nacional, de classe global, para a solução de problemas desse tipo.
26 de novembro de 2013
Rubens Barbosa, O Estadão
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