No País
em que latrocidas e estupradores são chamados de “reeducandos”, o governo
federal quer que o policial que mata um sequestrador para salvar o refém seja
chamado de “homicida”
JOSÉ
MARIA E SILVA
Criar um
“SUS” da segurança pública, unificar as polícias e despir a PM de sua farda –
eis as propostas que prometem revolucionar a segurança pública no País.
Praticamente unânimes entre os acadêmicos especializados na área, essas ideias
conquistam cada vez mais adeptos em Brasília. É o que se percebe nas discussões
da Comissão Especial de Segurança Pública do Senado, instalada em 2 de outubro
deste ano com o objetivo de debater e propor soluções para o financiamento da
segurança pública no Brasil. Criada por iniciativa do presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL), a comissão é presidida pelo senador Vital do Rêgo
(PMDB-PB) e tem como relator o senador Pedro Taques
(PDT-MT).
“O
sistema de segurança pública no Brasil está absolutamente falido” – com essa
declaração, proferida numa audiência pública realizada no dia 13 de novembro
último, o senador Pedro Taques resumiu um sentimento das ruas que hoje encontra
guarida até nos quartéis. Cada vez mais estão surgindo depoimentos de policiais
militares colocando em descrédito a própria corporação a que pertencem. É o caso
do livro O Guardião da Cidade (Editora Escrituras, 2013, 256 páginas), do
tenente-coronel Adilson Paes de Souza, fruto de sua dissertação de mestrado “A
Educação em Direitos Humanos na Polícia Militar”, defendida na Faculdade de
Direito da USP em 2012, sob a orientação do cientista político Celso
Lafer.
Nesse
trabalho acadêmico, festejado por toda a imprensa, o tenente-coronel da PM
paulista defende a ampliação da carga horária do estudo de direitos humanos na
formação dos oficiais da Polícia Militar, como forma de combater a tortura. Em
artigo anterior, procurei demonstrar que se trata de uma falácia. O Curso de
Formação de Oficiais é praticamente um curso completo de Direito e, como se
sabe, é impossível estudar qualquer disciplina do Direito sem tratar dos
direitos humanos, uma vez que a Constituição de 88, base legal de todas as
disciplinas jurídicas, é alicerçada, de ponta a ponta, nos direitos da pessoa
humana.
Sobrevivendo
na Gestapo brasileira
Em vários
momentos do livro, influenciado por pensadores de esquerda, que vêm na polícia
um braço armado do sistema capitalista, Paes de Souza, de modo quase
indisfarçável, compara a Polícia Militar brasileira com a Gestapo de Adolf
Hitler. Chega a descrever o produto das ações da PM como um novo campo de
concentração nazista. Com base em artigo da psicóloga e psicanalista Maria
Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, sintomaticamente intitulado “Violência,
Massacre, Execuções Sumárias e Tortura”, o tenente-coronel cita como exemplo
desses casos, os 111 mortos do Carandiru, em 1992, os 493 mortos quando dos
ataques do PCC em 2006 e a Operação Castelinho em 2002, “que constituiu uma
emboscada”, com 12 mortos – todos bandidos do PCC, acrescente-se, já que o
coronel não o faz em sua tese.
Para a
psicóloga Maria Auxiliadora Arantes, citada no livro O Guardião da
Cidade, tais acontecimentos “são crimes filhotes de um Estado que deixou
intacto um aparelho de matar e que não puniu os que o montaram”. O
tenente-coronel Adilson Paes de Souza corrobora literalmente suas palavras,
tanto que acrescenta a elas a seguinte frase: “De fato, Auschwitz faz-se
presente”. Reparem: Paes de Souza está comparando o trabalho da Polícia Militar
– instituição em que atuou durante 28 anos, chegando a tenente-coronel – com a
violência das forças nazistas nos campos de concentração de Hitler. Justamente
num momento em que a PM está sob o fogo cerrado dos formadores de
opinião.
O
cientista político Celso Lafer, responsável pela dissertação de mestrado de
Adilson Paes de Souza na USP, deveria ter-lhe feito uma pergunta singela antes
de aceitar a orientação de seu trabalho: “Onde o senhor estava, na condição de
tenente-coronel da Polícia Militar, quando seus subordinados de farda se
tornaram exemplos atuais da Gestapo de Hitler, torturando e executando pessoas?”
Antes de pontificar sobre os problemas da Polícia Militar, apresentando soluções
mirabolantes do conforto de uma cátedra universitária, o tenente-coronel deveria
ter respondido para si mesmo essa pergunta. Na condição de tenente-coronel da
Gestapo brasileira (a se crer nos seus próprios conceitos), ou Paes de Souza foi
cúmplice do holocausto que denuncia ou foi omisso diante dessa carnificina que
imputa à PM. Em qualquer dos casos, deveria refletir com mais profundidade sobre
o assunto, antes de se arvorar a defender tese, escrever livro e contribuir,
ainda que involuntariamente, para a difamação sistemática de que a PM é vítima
na imprensa e nas universidades.
Não é
possível sobreviver durante 28 anos num aterro sanitário moral e dele sair com a
alma cheirando a talco, como canta Gilberto Gil. Em seu livro, citando o
economista Albert Hirschman, Paes de Souza fala que os membros de uma
instituição podem abandoná-la ou criticá-la quando se sentem descontentes. O
autor não diz, mas, no caso da Polícia Militar, a via mais frequente é a
omissão: o policial se esconde numa carreira burocrática, evitando o confronto
das ruas e, com isso, pode pontificar sobre direitos humanos sem correr riscos.
O tenente-coronel sobreviveu ao horror que denuncia foi por essa terceira via?
Sem essa explicação, suas reflexões e denúncias sobre a PM perdem muito da
autoridade que poderiam ter.
Depoimentos
de PM homicidas
Para
exemplificar as críticas que faz à polícia, Adilson Paes de Souza colheu o
depoimento de dois policiais militares condenados por homicídio e se valeu
também de dois depoimentos colhidos pelo jornalista Bruno Paes Manso, do jornal
O Estado de S. Paulo. Em junho de 2012, Manso defendeu no Departamento de
Ciências Políticas da USP a tese de doutorado “Crescimento e Queda dos
Homicídios em São Paulo entre 1960 e 2010”, em que faz uma “análise dos
mecanismos da escolha homicida e das carreiras no crime”. Essa tese de Manso já
havia lhe rendido o livro O Homem X: Uma Reportagem sobre a Alma do Assassino
em São Paulo (Editora Record, 2005), no qual o tenente-coronel buscou os
dois depoimentos.
Os
policiais ouvidos por Paes de Souza ganharam os apelidos de “Steve” e “Mike”,
geralmente dados aos policiais que trabalham nas ruas. O policial Steve foi
condenado a mais de 20 anos de reclusão por um homicídio a tiros e facadas. “No
auge da prática do ato, senti que estava cheio de ódio e acabei descarregando
tudo sobre o corpo da vítima. Tinha um sentimento de ódio generalizado de tudo”,
afirma o policial. De origem nordestina, ele contou que seu pai era PM
aposentado e costumava conversar com toda a família na hora do jantar sobre o
sentimento de honra que envolvia a profissão. Inspirando-se no pai, Steve, ao
completar 18 anos, ingressou na polícia, por meio de concurso
público.
“Fui
designado para trabalhar numa unidade da Polícia Militar na periferia da cidade
de São Paulo. Comecei a ver uma realidade que não conhecia: favelas, meninas
estupradas, pessoas pobres vítimas de roubo, o que causou revolta”, conta Steve.
Movido por essa revolta, diz que começou a trabalhar além do horário normal,
prendendo o máximo possível de bandidos, na esperança de acabar com a
criminalidade na região. O PM conta que, numa ocasião, prendeu em flagrante dois
ladrões que tinham roubado um supermercado, mas na noite do mesmo dia viu os
dois na rua. Quando os abordou, soube que fizeram um acordo com o delegado,
inclusive deixando na delegacia uma parte da propina para o
policial.
“Nesse
momento, percebi que a corrupção existente nos distritos policiais da área onde
trabalhava gerava a impunidade dos delinquentes”, afirma Steve, que passou a
frequentar velórios de policiais mortos em serviço, alimentando ainda mais sua
revolta com a impunidade dos bandidos. Foi aí que decidiu fazer justiça com a
própria farda: “Eu era juiz, promotor e advogado. Levava a vítima para um
matagal, concedia-lhe um minuto para oração e a sentenciava a morte”. Essa vida
de justiceiro fardado destruiu sua família. Sua mulher chegou a tentar o
suicídio. E, na cadeia, sofreu maus-tratos e não teve a solidariedade dos
colegas: os policiais que o visitavam estavam mais preocupados em sondá-lo para
saber se não seriam delatados, em virtude de outras
ocorrências.
Um dos
entrevistados pelo repórter Bruno Paes Manso, citado na dissertação do
tenente-coronel Paes de Souza, também relata que se via em guerra contra os
criminosos e, movido pelo ideal de resolver o problema da criminalidade,
trabalhava praticamente o dobro: as oito horas regulamentares pagas pelo Estado
somadas às oito em que combatia o crime de graça, por sua própria conta e risco.
Esse policial contou ter deparado com vários casos graves, que só via em filmes.
Certa vez, atendeu a uma ocorrência em que uma criança de quatro anos foi
estuprada e ele, junto com outros policiais militares, evitou o linchamento do
estuprador. “Nesse momento, achou um contrassenso ter que proteger quem havia
praticado uma monstruosidade contra uma menina. Sentiu revolta”, relata Paes de
Souza.
Mais
confrontos, mais mortes
Esse é
praticamente o padrão dos depoimentos de policiais militares condenados por
homicídio: 1) imersão idealista do policial no combate ao crime; 2) revolta com
a impunidade dos criminosos; 3) justiça com a própria farda; 4) prisão,
arrependimento e transferência da culpa para a corporação militar. O livro
Sangue Azul (Editora Geração Editorial, 2009), baseado no depoimento de
um soldado da PM do Rio de Janeiro ao documentarista Leonardo Gudel, também
segue esse padrão. E, de acordo com as entrevistas concedidas pelo autor, parece
que o recém-lançado Como Nascem os Monstros (Editora Topbooks, 2013, 606
páginas), romance do policial carioca Rodrigo Nogueira, condenado e preso por
homicídio, também não foge à regra.
Um
sargento preso por homicídio e ouvido por Bruno Paes Manso explica que o
“assassinato é uma importante ferramenta no cotidiano perigoso do policial
militar que trabalha na rua”, e acrescenta que “se os policiais fossem proibidos
de matar seria melhor que parassem de trabalhar”. Esse mesmo policial diz ainda:
“Sem contar que a bandidagem está cada vez ficando mais ousada, mais armada e
respeita cada vez menos a polícia. Isso é explicado dessa forma, isso não foi a
polícia que motivou. Hoje tem muito mais reação, o pessoal enfrenta, por isso
tem mais morte”. O tenente-coronel Paes de Souza, do alto de sua tese da USP,
classifica essa fala do sargento como simplista, por afirmar que mais
criminalidade significa mais confronto e, consequentemente, mais
mortes.
Ora,
simplista é o modo como o tenente-coronel, desprezando seus 28 anos de
experiência como policial, deixa-se seduzir pela inútil retórica da academia e
utiliza esses depoimentos para corroborar teses injuriosas a respeito da Polícia
Militar, que a acusam de ser uma máquina assassina, nazista, semelhante a
Auschwitz. Quando atribuem à Polícia Militar o suposto “genocídio da juventude
negra”, calúnia que já foi corroborada até por membros do Poder Judiciário, os
acadêmicos escondem dois detalhes cruciais: primeiro, muitos jovens negros das
periferias são recrutados pelo narcotráfico e matar ou morrer são
verbos que conjugam diariamente; segundo, a Polícia Militar emprega muito mais
negros do que as universidades que a criticam. Então, a ser verdade o que diz a
academia, esses policiais não seriam genocidas, mas suicidas: estariam matando
deliberadamente seus próprios familiares.
O
tenente-coronel e os demais acadêmicos que escrevem teses sobre segurança
pública acreditam que basta perorar sobre direitos humanos no ouvido de um
soldado para que ele saia à rua com flores na boca do fuzil, ajudando velhinhas
no semáforo e pegando crianças no colo, até que surja um marginal armado e esse
policial, consciente de seus deveres, saque da farda um exemplar da Constituição
e atire no rosto do bandido seus direitos humanos, para que o criminoso estenda
os pulsos com cidadania e seja algemado com dignidade. É óbvio que a terrível
complexidade da segurança pública não se rende a golpes de retórica sobre
direitos humanos.
Policial
só se equipara a médico
Uma
análise verdadeiramente profunda dos depoimentos dos homicidas da PM revela a
complexa natureza do trabalho policial, que, em qualquer tempo e lugar, é
inevitavelmente insalubre para a alma. O policial é como o médico: sem uma dose
sobre-humana de frieza, ele não será capaz de proteger vida nenhuma, pois o medo
do sangue, da mutilação, do cadáver, irá acovardá-lo diante do dever a ser
cumprido. Por isso, ser policial não é para qualquer um. Os policiais homicidas
tentam enganar a própria consciência quando dizem que a corporação os
transformou em violentos. O potencial de violência já estava presente neles ou
não teriam sonhado em ser policial, uma profissão que, em algum momento, há de
exigir violência para que as leis sejam cumpridas. Afinal, se bandido ouvisse
conselho, não entraria no crime.
Polícia
não é assistência – é contenção. Ela é chamada justamente quando as normas da
cultura e os mandamentos da lei já não são suficientes para manter o indivíduo
no bom caminho e alguém precisa contê-lo. Por isso, a polícia tem de ser viril.
A testosterona que faz o bandido violento é a mesma que faz o policial corajoso.
Daí a importância de se separar ontologicamente o policial do criminoso. Ao
contrário do que acreditam os acadêmicos, o policial tem que tratar o bandido
como inimigo, sim. O soldo sozinho – por maior que seja – não é capaz de separar
o policial do criminoso, pois a natureza mais profunda de ambos e o ambiente em
que vivem se alimentam da mesma virilidade masculina, responsável por mais de
90% dos crimes violentos em qualquer cultura humana em todos os
tempos.
O
policial de rua, obrigado a enfrentar o crime de arma em punho e não de uma sala
refrigerada da USP, é como um médico num campo de refugiados ou em meio a uma
epidemia letal: se trabalhar só pelo dinheiro, ele voltará para casa na hora,
pois não há salário que pague sua própria vida, permanentemente em risco. Para
compensar os riscos da profissão, o policial precisa ser tratado como herói.
Especialmente num País como o Brasil em que a criminalidade soma cerca de 63 mil
homicídios por ano (de acordo com estudos do Ipea). O policial precisa ter a
certeza de que, ao tombar no campo de batalha, sua morte não será em vão: a
sociedade irá cultuá-lo como herói diante de sua família enlutada e o bandido
que o matou será severamente punido.
No
Brasil, ocorre justamente o contrário: enquanto a morte de bandidos é cercada de
atenção pelas ONGs dos direitos humanos e gera violentos protestos de rua em São
Paulo e Rio, a morte de um policial não passa de uma efêmera nota de rodapé no
noticiário e, em muitos casos, sua família não recebe nem mesmo a visita das
autoridades da própria segurança pública, temerosas do que possam pensar os
formadores de opinião. Já em países como os Estados Unidos, um bandido reluta em
matar um policial, pois sabe que o assassinato será motivo de comoção pública e
a pena que o aguarda será à altura dessa indignação cívica com a morte de um
agente da lei.
Completa
inversão de valores
Mas não
basta tratar como herói o policial – também é preciso tratar o bandido como
bandido. O ser humano é um ser relativo e não consegue julgar em absoluto, mas
somente por meio de comparação. Por isso, ao mesmo tempo em que se enaltece o
policial corajoso e honesto, é preciso punir verdadeiramente o criminoso, para
marcar a diferença entre ambos. O policial se revolta ao proteger de linchamento
o estuprador de uma criança ou ao levar para o hospital o bandido ferido que
tentou matá-lo porque sabe que seu trabalho heroico e humanitário foi inútil:
logo, esses bandidos serão postos na rua para cometer novos homicídios e
estupros.
Mesmo o
estuprador de uma criança ou o homicida que queima viva sua vítima têm direito a
todas as regalias da legislação penal, travestidas de direitos humanos. Até
criminosos que matam ou estupram mulheres gozam de benefícios absurdos, como a
famigerada visita íntima. A Resolução CNPCP Nº 4, de 29 de junho de 2011, do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, instituiu de vez a
visita íntima como um direito do preso qualquer que seja a gravidade do seu
crime. No seu artigo 4º, a resolução deixa claro que “a visita íntima não deve
ser proibida ou suspensa a título de sanção disciplinar”; ou seja, mesmo se o
preso promover rebeliões e mortes na cadeia, a visita íntima continuará sendo
assegurada a ele como um direito sagrado, à custa da segurança da sociedade. É
óbvio que a mulher que se presta a lhe servir de repasto sexual também há de lhe
fazer outros favores associados diretamente ao crime, como passar recados para
seus comparsas que estão fora das grades.
É por
isso que quando uma patrulha da PM leva um criminoso ferido para o hospital,
muitas vezes junto com um policial também ferido na troca de tiros, os policias
que assim agem precisam ser tratados como heróis. É sua única recompensa. Não há
salário que pague esse gesto. Não é fácil para nenhum ser humano salvar a vida
de seu próprio algoz sabendo que aquele criminoso que tentou matá-lo não será
punido como merece, pois, na cadeia, continuará comandando o crime, com direito
a saídas temporárias, visitas íntimas e outras regalias. A legislação penal é
tão moralmente hedionda que um dos assassinos do jornalista Tim Lopes, depois de
preso, jogou água quente em sua companheira dentro da própria cela. E esse novo
crime bárbaro só foi possível porque o Estado brasileiro – cúmplice contumaz de
bandidos – garante a famigerada visita íntima até para um monstro dessa
espécie.
Feministas
contra a polícia
Mas, por
incrível que pareça, até as feministas – que criticam violentamente a polícia –
defendem as visitas íntimas para presos, consideradas uma extensão dos direitos
humanos e classificadas como “direitos sexuais”. Ora, direito sexual é como o
direito de expressão: toda pessoa tem o direito de falar, mas não tem o direito
de obrigar o outro a ouvi-la. O preso não pode ser impedido de sonhar com uma
mulher ou até de satisfazer solitariamente sua libido. Mas isso não significa
que ele tem o direito de manter relações sexuais dentro da cadeia, mesmo que
seja com sua esposa. E a razão é simples: seu desejo sexual não pode ser posto
acima da segurança da sociedade. É óbvio que, durante a visita íntima, não há
meio de controlar o preso. Ele pode usar a visita – e sempre usa – para
transmitir recados aos comparsas fora da cadeia, daí o comando que o cárcere
continua tendo sobre o crime organizado. Praticamente todas as centrais
telefônicas do PCC são administradas por mulheres de presidiários. E mulher de
preso inevitavelmente o obedece, sob pena de ser morta.
O mesmo
se dá com a alimentação do preso. Não deixar um latrocida morrer de fome e sede
na cadeia é garantir-lhe um direito humano básico, mas permitir que ele escolha
o cardápio, por meio de rebeliões, como ocorre com muita frequência nos
presídios brasileiros, não passa de um abuso com o dinheiro de suas vítimas.
Hoje, até o criminoso que queima sua vítima viva tem direito a remissão de pena
não por dias trabalhados, por horas de estudo e, pasmem, até pela simples
leitura de romances na cadeia. Ou seja, o que os acadêmicos chamam de “direitos
humanos” são, na verdade, privilégios civis, que deveriam ser privativos do
cidadão que respeita as leis e não do bandido que fere o contrato social e, por
isso, tem de ser excluído da esfera da cidadania enquanto cumpre sua
pena.
Hoje, a
inversão de valores é tanta que, oficialmente, por meio das políticas públicas
do governo federal, o policial militar se tornou o inimigo público número um,
enquanto se concede ao criminoso o monopólio dos direitos humanos. A Resolução
nº 8, de 21 de dezembro de 2012, da Secretaria dos Direitos Humanos da
Presidência da República, sob o comando da ministra Maria do Rosário, estabelece
em seu artigo 1º que, quando um bandido morre em confronto com a polícia, na
descrição de sua morte nos registros oficiais não deve mais ser usada a
expressão “resistência seguida de morte” e, sim, “homicídio decorrente de
intervenção policial”.
A
alegação é que os policiais utilizam o chamado “auto de resistência” para
esconder execuções. Ora, nos casos em que isso ocorre, não vai ser mudando as
palavras que o crime deixará de ser praticado. Mais do que a nomenclatura, o que
importa em qualquer crime é a investigação. E essa não deixará de ser feita caso
um auto de resistência levante suspeitas, a não ser que as autoridades
responsáveis pelo controle externo da polícia se omitam. Prova disso é que
dezenas de policiais militares são expulsos da corporação em todo o País.
Classificar esse tipo de ocorrência como “resistência seguida de morte” é uma
questão de respeito com o policial. É um absurdo que, após uma troca de tiros
com assaltantes de bancos armados de fuzil, o policial tenha de descrever a
morte de um dos bandidos como “homicídio decorrente de intervenção
policial”.
Criminoso
é “reeducando”, policial é “homicida”
A
sociedade honesta e trabalhadora, que não se acumplicia com bandidos, não pode
aceitar essa calúnia legalizada contra a polícia, tachando previamente de
“homicida” o policial que mata para proteger a sociedade, cumprindo seu dever
constitucional. Se numa investigação sobre um auto de resistência ficar provado
que não houve confronto, mas execução, então que o policial seja punido. O que
não se pode aceitar é que o policial seja antecipadamente tachado de homicida
mesmo quando é obrigado a matar para proteger vidas. Na prática, é essa a mancha
que o policial terá de carregar em sua imagem, caso seja obrigado a registrar a
morte de um bandido em confronto como “homicídio”. Isso é ainda mais grave
quando se compara o tratamento de “homicida” que querem dar ao policial com o
tratamento de “reeducando” que a Justiça dá a latrocidas e estupradores nas
cadeias.
Atentem
para esta fórmula de inversão dos valores: policial que mata um sequestrador é
“homicida”, até que prove o contrário; já o sequestrador que mata o refém vira
“reeducando” quando é preso e condenado pela Justiça. Como se pode notar, há uma
completa inversão dos valores morais: o policial é culpado até que prove sua
inocência; já o bandido é inocente como uma criança de escola (“reeducando”),
justamente quando sua culpa foi provada e sentenciada nos tribunais. Esses fatos
mostram que os acadêmicos que criticam a Polícia Militar não estão preocupados
com a segurança da população honesta e trabalhadora – querem é atacar a
sociedade capitalista, como se não fossem justamente os mais pobres os que mais
perdem com o enfraquecimento da polícia? Os ricos podem contratar segurança
privada. E os pobres? E a classe média? O que será deles sem a
polícia?
A grande
verdade é que a Polícia Militar não é necessariamente pior do que as demais
instituições humanas. Convém relembrar uma máxima do economista Albert Hirschman
não aproveitada na tese do tenente-coronel Paes de Souza: “Sob qualquer sistema
econômico, social ou político, indivíduos, firmas e organizações, em geral estão
sujeitas a falhas de eficiência, racionalidade, legalidade, ética ou outros
tipos de comportamento funcional. Não importa quão bem estabelecidas as
instituições básicas de uma sociedade; alguns agentes, ao tentarem assumir o
comportamento que deles se espera, estão fadados ao fracasso, ainda que por
razões acidentais de quaisquer tipos”.
Ou seja,
todas as demais instituições indispensáveis à Justiça, como o Judiciário, o
Ministério Público, a OAB, a Polícia Federal e a Polícia Civil, para citar as
principais, estão sujeitas a gravíssimas falhas por parte de seus membros. Um
juiz que mata um inofensivo e desarmado vigilante de supermercado, como já
ocorreu no Brasil, é infinitamente mais criminoso do que um policial
desesperado, que, depois de escapar por pouco das balas de um assaltante,
resolve terminar de matá-lo ao se dar conta de que ele está ferido. É errada
essa atitude do policial? Sem dúvida. Mas é compreensível, tanto que a maioria
da população, equivocadamente, a aprova. E a única forma de inibir essa justiça
vicária feita com a própria farda é dar ao policial a certeza de que ele pode
entregar o bandido aos tribunais, que a sociedade será vingada mesmo assim – sem
visitas íntimas, sem saídas temporárias, sem indultos de Natal, sem celulares na
prisão, sem regime semiaberto, sem remissão de pena e sem as demais regalias
dadas ao criminoso.
É bom
lembrar que leis mais duras serviriam inclusive para punir os maus policiais,
que também existem, mas, hoje, acabam ingressando no crime organizado ao serem
expulsos da corporação. Se os maus elementos de cada instituição humana fossem
enforcados nas tripas dos maus elementos das outras, não sobrariam condenados
nem tripas. A maldade humana está relativamente bem distribuída em todas as
instituições. Por isso, é tolice creditar os problemas da segurança pública à
Polícia Militar, como insistem em fazer os acadêmicos e até policiais
influenciados por eles. Tortura, corrupção e truculência não são privativas da
PM. E a injustiça com a PM é ainda mais grave quando se leva em conta o contexto
em que a corporação atua – a miséria moral dos mais ferozes criminosos, que não
têm o menor respeito pela vida humana. Por isso, é tolice achar que,
desmilitarizando a PM, se resolvem todos os problemas da segurança pública.
Mesmo se isso fosse verdade, seria um desatino desmilitarizar a polícia
justamente quando os bandidos andam com fuzis nas ruas e transformaram até as
cadeias em quartéis crime.
26 de novembro de 2013
libertatum
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