Documento do PT para seu congresso faz afirmações que indicam uma falta de realismo incompreensível
O PT parece estar vendo com mais nitidez a si mesmo do que às circunstâncias a que estamos todos sujeitos no Brasil. Se o documento básico para as discussões do congresso partidário, em dezembro, reconhece a estagnação do PT, também faz afirmações que indicam uma falta de realismo incompreensível.
Na opinião talvez mais forte em suas apreciações do Judiciário, por exemplo, a análise acusa-o de ser, ou de estar, "permeado por interesses privados". Qual dos poderes no Brasil não está "permeado por interesses privados"? Ou qual dos governos brasileiros recusou-se a tal condição?
Sem perder maior tempo com citação a evidências, basta citar, a propósito, as telecomunicações privatizadas no governo Fernando Henrique e elevadas no governo Lula à posição, no mundo, de mais exploradoras dos consumidores. Assim mantidas, aliás, no governo Dilma, com a continuação também do péssimo serviço. Sem problemas por isso. O mesmo para a internet. E como as telecomunicações a permearem o governo e o Congresso, também o sistema bancário, a indústria automobilística, a indústria farmacêutica, os planos de saúde, as empreiteiras de obras públicas, e por aí ao infinito.
O PT não sabe mais que o Brasil adota o regime capitalista ou esqueceu que, assim sendo, os poderes institucionais estão a serviço da natureza do regime. Mas tal perda da percepção ou da memória favorece, no caso, o entendimento do que se passa com esse partido. O PT não sabe mais que se fez por se propor a aproveitar umas e abrir outras brechas, com ideias e conquistas batalhadas, no regime destinado a "permear-se por interesses privados".
O atual PT se autoexplica na sua desmemoria.
26 de novembro de 2013
Janio de Freitas, Folha de São Paulo
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