Ao discursar na comemoração dos dez anos do Bolsa Família (30/10/2013), o ex-presidente Lula ressuscitou equivocados clichês dos anos 1980. “Se desemprego e arrocho salarial resolvessem o problema deste país, a gente nunca teria tido os problemas que tivemos até chegarmos ao governo.” Isso era o que dizia a esquerda, quando sugeria que o desemprego e as perdas salariais seriam o objetivo da política econômica, e não o efeito do necessário ajuste da economia. Como importante e bem-sucedido líder político, Lula deveria ser mais cauteloso.
O líder político sensato, com visão de futuro, usa seu poder de persuasão para inspirar a formação de novos consensos e o abandono de ideias equivocadas. Ajuda a entender realidades. Convence. Ensina. É o que fez Abraham Lincoln no discurso de posse do segundo mandato como presidente dos Estados Unidos (4/3/1865). A Guerra Civil se encerrava.
Ninguém podia alegar, disse ele, conhecer a vontade divina, contrariamente ao que imaginavam as partes da disputa, para as quais Deus estaria ao seu lado. Lincoln ensinou que estavam todos errados: que a escravidão era um mal; e que os vencedores deveriam rejeitar o triunfalismo.
Ajustes na economia se impõem quando fica insustentável manter a expansão do consumo e do investimento em ritmo superior ao do crescimento do PIB. Esse desequilíbrio (déficit) implica a importação líquida de bens e serviços e seu financiamento com recursos externos. Se a confiança se desfaz — por crise externa, má gestão, excesso de gastos ou descontrole inflacionário —, os capitais fogem, inviabilizando o financiamento do déficit.
O ajuste se torna inevitável para reduzir ou eliminar o desequilíbrio e reconquistar a confiança. O ajuste é também necessário se o desequilíbrio faz a inflação escapar do controle. No sinuoso raciocínio de Lula, o sofrimento de um paciente seria o propósito do médico e não o efeito do tratamento para curá-lo.
Após ter dirigido o Brasil por oito anos, custa a crer que Lula se mova por ignorância quando faz afirmações eivadas de rasos erros conceituais
Se não houver desperdício, isso é de cena forma correto, mas não elimina a “restrição orçamentária”, isto é, um conceito econômico segundo o qual a despesa tem limites. Lula dá a entender que aplicar dinheiro público nas atividades que ele menciona implica a liberdade de gasto ilimitado.
No seu primeiro mandato, Lula foi um presidente comprometido com a responsabilidade fiscal. A gestão macroeconômica responsável e a elevação do superávit primário contribuíram para que seu governo conquistasse a confiança dos investidores e para que o Brasil obtivesse o grau de investimento atribuído pelas agências de classificação de risco.
Nos seus primeiros anos, reformas microeconômicas aumentaram o potencial de crescimento do país. Tudo isso ajudou a viabilizar a expansão dos programas sociais, a redução da pobreza e a queda nas desigualdades. Na aludida comemoração, corretamente, o ex-presidente reivindicou para si essa ação responsável.
“Conseguimos combinar uma boa política macroeconômica com uma extraordinária política microeconômica.” Depois de ter defendido visões errôneas, típicas dos seus tempos de líder sindical e de político da velha esquerda, o ex-presidente assinala que, no poder, agiu como líder sensato. Lamentável contradição.
Após ter dirigido o Brasil por oito anos, custa a crer que Lula se mova por ignorância quando faz afirmações eivadas de rasos erros conceituais. O mais provável é que busque manipular opiniões com fins eleitorais, mesmo ciente do equívoco de suas afirmações. É uma pena. Sua inequívoca liderança poderia ser posta a serviço do esclarecimento de vastos segmentos da sociedade. Ao contrário, seu discurso populista deseduca as massas que se encantam com seu carisma.
26 de novembro de 2013
Mailson da Nóbrega, Veja
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