"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 24 de novembro de 2013

O ESTRATÉGICO NIÓBIO


 
As chapas de ferro-nióbio são o principal dos produtos do nióbio nas exportações brasileiras, tendo totalizado US$ 4,8 bilhões, de 1996 a 2013. Somamos os dados, ano a ano, que estão na tabela do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.  
O mercado é fechado, estando concentrado em poucas empresas importadoras e pouquíssimas empresas  exportadoras. São transações entre empresas dos mesmos grupos ou entre grupos associados. A CBMM, de Araxá, que exporta 90% do total, vende o produto às suas próprias subsidiárias no exterior.
O preço seria muito mais alto, se houvesse mercados abertos ou algum tipo de concorrência, a não ser entre indústrias utilizadoras do metal.
A Bolsa de Metais de Londres não informa sobre negociações com o nióbio. Muitas fontes dizem que o nióbio não é negociado nessa bolsa nem em outras. 
Encontrei na internet notícia recente, 6 de setembro,  da Bolsa de Metais de Bejing (Pekim) nestes termos: “Os preços do nióbio metálico a 99,9% de pureza permanecem estáveis em 115 a 120 dólares por quilo, na Comunidade de Estados Independentes.” [Rússia, Ucrânia e outros]
 
Guardei também uma cotação, de 22.02.2011, do sítio eletrônico “chemicool.com/elements/niobium”, de nióbio puro (óxido de nióbio), a US$ 18,00 por 100g, ou seja, US$ 180 por quilo.  Além disso, outra do mesmo ano, em que barra de nióbio era cotada a U$ 315,79/quilo.
Isso é mais de 10 vezes o preço oficial da exportação brasileira desse insumo, i.é., US$ 30,00 por quilo, no último ano.  Já o preço oficial da chapa de ferro-nióbio é menor ainda (R$ 25,00), mesmo porque não se refere propriamente ao nióbio incorporado  às chapas de ferro-nióbio, nas quais o conteúdo de nióbio é diminuto, embora suficiente para lhes dar qualidade muitíssimo acima das outras ligas metálicas.
Para ter uma ideia, o preço oficial das exportações das chapas de ferro-silício e ferro-manganês, têm estado em US$ 1,77 e US$ 2,25, respectivamente. Dez vezes inferiores aos do ferro-nióbio.
Embora o óxido de nióbio tenha muito valor no exterior, mormente transformado, após o processo de redução, ele é de pouca significação nas exportações oficiais brasileiras.  O valor oficial de suas vendas ao exterior quase dobrou de 2009 para 2010, mas não é expressivo: foi para US$ 44 milhões, com preço médio de US$ 30,00, para quase 1.500 toneladas.
Esse preço de um produto processado em pouco supera o do minério bruto, que vem associado ao tântalo e ao vanádio. As exportações oficiais desse minério chegaram, em 2012, a quase US$ 50 milhões, com valor unitário  de US$ 24,00.
Note-se que as mineradoras instaladas no Brasil, a CBMM e a Anglo-American, têm, com as chapas de ferro-nióbio, receita 36 vezes maior que a obtida com o minério bruto e 41 vezes maior que a obtida com  o óxido de nióbio, mesmo contando-se só suas provavelmente subfaturadas exportações.
Devem isso à iniciativa do professor Bautista Vidal, titular, nos anos 70, da Secretaria de Tecnologia Industrial. Ele mobilizou técnicos para criar o processo de incorporar o óxido às ligas metálicas, através do Departamento de Engenharia de Materiais - da Escola de Engenharia de Lorena- USP.
As exportações oficiais das chapas de ferro-nióbio certamente não chegam a US$ 6 bilhões, desde que começaram, nos anos 80,  até hoje. Pois, em 1996,  o volume ainda era diminuto, e os preços, muito baixos. De então até 2013, conforme a Tabela do MDIC, foram US$ 4,8 bilhões.
Causa, pois  surpresa esta notícia da Agência Bloomberg, dos EUA, publicada em 03/03/2013, no Valor Econômico: “ Família mais rica do Brasil fez US$ 13 bilhões com o sonho do nióbio”.
Nela foi reportado: “Ela [a CBMM, Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração] vale pelo menos US$ 13 bilhões, baseado na venda da família de uma parte de 30% para um grupo de produtores de aço asiático por US$ 3,9 bilhões em 2011”.
O dado mais notável da notícia da Bloomberg/Valor Econômico é este: “ ... os herdeiros de Moreira Salles, a família mais rica do Brasil, seus quatro filhos, Fernando, Pedro, João e Walter, controlam uma fortuna combinada de US$ 27 bilhões, segundo o ‘Bloomberg Billionaires Index’ ”.
Levando em conta que o outro patrimônio mais importante do grupo Moreira Salles era o UNIBANCO, um banco que, há alguns anos, entrou em dificuldades e foi absorvido pelo Itaú,  parece nebuloso como foi possível acumular US$ 27 bilhões, com os lucros decorrentes fundamentalmente das exportações de nióbio, valoradas conforme as cifras oficiais.
De fato, os lucros disso para a CBMM não poderiam passar muito de US$ 1 bilhão, diante destes fatos: 1) faturamento de  $ 6 bilhões; 2) mesmo que os lucros tivessem sido sempre 50% do faturamento, não passariam de US$ 3 bilhões; 3) até 2007, a CBMM só tinha 50% das ações, além de que a tecnologia e o provável controle serem da Molybdenum Corp; dos EUA, do grupo Rockefeller; 4) desde 2011, há grupos siderúrgicos asiáticos com 30% de participação na CBMM; 5) a CODEMIG (estatal de Minas Gerais) tem 25% de participação nos “lucros operacionais” da CBMM; 6) 10% das exportações oficiais provêm da Anglo-American.
Com cerca de US$ 1 bilhão de lucros acumulados, e mais os  US$ 3,9 bilhões da venda de 30% do capital da CBMM, admitindo que tenham ido inteiramente para o grupo Moreira Salles, ainda se fica muito longe dos US$ 27 bilhões referidos na notícia mencionada.
Fica, pois, demonstrado que o Brasil está longe de ter, em seu proveito, as receitas reais ou, no mínimo, as receitas reais possíveis, da extração de seu subsolo de um metal tão precioso e estratégico como o nióbio.
 
A Constituição nasceu com deficiências, e até fraudes, como a que privilegia o serviço da dívida, e foi sendo emendada, quase que invariavelmente, para pior. E o que tem de bom, fica, nas atuais condições, sem serventia. Exemplo: a propriedade do subsolo e dos recursos minerais definidos como bens da União (art. 20, VIII, IX e X).
Seria a base para garantir o interesse do País nessa área. Entretanto, o Estado tornou-se demissionário: praticamente tudo é objeto de concessões. No caso da principal reserva de nióbio, a União a cedeu ao Estado de Minas. Este, depois de mais de trinta anos de concessão à CBMM, renovou-a, em 2003, por mais 30 anos, sem licitação.
 
Cabe indagar por que as coisas são assim? Creio que vêm de longe e se foram agravando. Aí pelos anos 50, alguns líderes ainda tentavam consolidar a consciência dos interesses nacionais, e o País fazia progressos para o desenvolvimento. Nisso, o País sofreu intervenções, como a conspiração que derrubou Vargas em 1954. Logo após esse golpe, foram dados privilégios às empresas transnacionais, cujos carteis foram esmagando, em crescente quantidade, promissoras indústrias nacionais.
Isso acentuou-se sob JK, com a mesma política de atração de capitais estrangeiros, a qual fez implantar o cartel da indústria automobilística. Esse, até hoje, produz déficits externos e ainda se ceva de isenções fiscais e subsídios da União, dos Estados e dos Municípios.
Ora, a desnacionalização  implica inviabilizar o desenvolvimento tecnológico e faz que o apoio governamental à ciência e a tecnologia seja,  na maior parte, desperdiçado, pois as tecnologias só se desenvolvem em empresas atuantes no mercado. E dele as nacionais têm hoje poucos nichos.  A consequência é a  desindustrialização, entendida não só como regressão à produção primária, mas também como confinamento da indústria a produções de baixo valor agregado.
Os capitais estrangeiros tornaram-se dominantes inclusive na informação, nas comunicações e na política. As políticas passaram a ser desenhadas no seu interesse. Entre os inumeráveis exemplos, está a lei Kandir, que isenta a exportação, inclusive de produtos primários, de IPI, ICMS e contribuições sociais. Primeiro lei complementar, ela ganhou mais status em 2003: através de EC, foi incorporada à Constituição.
Então, a sociedade fica sem forças para reagir, já que os empresários industriais nacionais foram dizimados, e os que restam são acuados por políticas adversas. Tampouco os trabalhadores estão bem organizados para defenderem o País, o que seria a própria defesa deles.
Tivesse o País evoluído nos últimos 59 anos, a economia ter-se-ia diversificado para patamares crescentes de intensidade tecnológica, e, como no quartzo para os chips e a eletrônica avançada, o  nióbio estaria sendo utilizado, em grande escala, nos bens de altíssimo valor agregado.
Nesse caso, não estaríamos falando das perdas atuais com subpreços. Nem precisaríamos lembrar que nosso percentual da oferta do nióbio  é muito maior que a de todos os membros da OPEP, juntos, no tocante ao petróleo. Poderíamos criar a Bolsa do Nióbio e defender seus preços.
E ganharíamos centenas de vezes mais ao fabricarmos bens de elevada tecnologia, competitivos, livres dos carteis e de grupos concentradores.
Esse padrão de desenvolvimento e de consciência dos interesses nacionais, por parte das lideranças políticas, faria  conhecer o real valor do nióbio e de outros recursos naturais, e, assim,  eles não seriam alienados por praticamente nada. O Brasil teria também ganhado poder suficiente para defender seu povo e seus bens.
[Notas: 1) a CBMM pertence à holding financeira, Brasil Warrants, originalmente Brazilian Warrants, adquirida em Londres, a qual seria controlada pela família Moreira Salles; 2) documentos oficiais classificam como de seu interesse estratégico dos EUA as reservas de nióbio situadas em Araxá (MG), concedidas à
CMBB e Catalão (GO), à mineradora britânica Anglo-American.]
24 de novembro de 2013
Adriano Benayon, Economista, é Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”.

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