"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 24 de novembro de 2013

GANGUE LULISTA TENTOU TRANSFORMAR CULPADOS EM VÍTIMAS E CORRUPTOS EM JUÍZES

Como a hipocrisia e a propaganda tentaram transformar culpados em vítimas e corruptos em juízes dos corruptos que os condenaram 


 

A Lei e os fora da lei
Daniel Pereira, Rodrigo Rangel e Hugo Marques – Veja
Os mensaleiros presos em Brasília reclamam de humilhações no cárcere e tentam se passar por juízes dos juízes que os mandaram para a cadeia.
Em agosto de 2005, na abertura de uma reunião ministerial realizada em meio às denúncias do mensalão, o presidente Lula se disse traído por companheiros e pediu desculpas ao povo brasileiro – em nome do governo e do PT – pelas “práticas inaceitáveis” que estavam sendo descobertas.
Foi uma das raras vezes em que o líder petista admitiu os crimes cometidos, ainda que sem dar a eles a dimensão devida.
Durante mais de oito anos de investigação do maior esquema de corrupção política do país, o PT preferiu posar de inocente e adotar estratégias farsescas. Uma delas é assumir papel de vítima de uma “conspiração da elite inconformada com a chegada ao poder de um metalúrgico, chefe do primeiro governo popular da história e... blá, blá, blá”.
A outra, desqualificar quem quer que se apresente como obstáculo aos seus projetos de poder, sejam instituições, sem pessoais. Pilhado batendo carteira, supostamente em nome do nobre propósito de redimir o país, o partido passou a gritar “pega ladrão”, a fim de transformar em criminosos justamente aqueles que tentam enquadrá-lo na lei.
Essas estratégias foram usadas mais uma vez na semana passada, quando integrantes da antiga cúpula petista foram finalmente presos para cumprir parte das penas recebidas no processo do mensalão.
Coube aos líderes mais estrelados capitanear a contraofensiva dos mensaleiros, da qual faz parte até mesmo uma tentativa frustrada de convencer senadores aliados a aprovar o impeachment do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que decretou a prisão de doze dos 25 condenados no feriado da República.
“Me parece que a lei só vale ara o PT. Se alguém do desvia um tostão, els dão manchete maior do que quando os outros desviam um milhão”, disse Lula, a eterna vítima das injustiças e do preconceito de classe.
“A pena de cada companheiro está determinada já. O que não pode é tentar tripudiar em cima da condenação, sem respeitar o histórico das pessoas e a lei”, arrematou.
O ex-presidente ecoava uma carta escrita dois dias antes, pelos petistas presos numa cela do presídio da Papuda. No texto, o ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-presidente do PT José Genoino exigiam o respeito à lei e diziam não aceitar a “humilhação”.
Como quase toda mensagem destinada à militância, essa condizia pouco com a realidade. Desde que foram presos, os mensaleiros recebem o tratamento previsto na legislação e nos códigos de segurança. Quando houve flexibilização das regras foi justamente para beneficiá-los.
Todo preso na Papuda tem o direito de receber visita às quartas-feiras. Os familiares enfrentam um verdadeiro calvário para se encontrar com eles. Geralmente, dormem na fila para pegar uma senha de acesso ao presídio e enfrentam um rigoroso procedimento de revista. Em alguns casos, fiam completamente nus na frente dos agentes carcerários, que podem, inclusive, encaminhá-los ao Instituto Médico-Legal para exames mais detalhados.
Se há suspeita de porte de drogas, por exemplo, o IML realiza até exame de toque nas partes mais íntimas. A esposa de Dirceu e a de Delúbio foram liberadas dessas regras e desses obstáculos. Elas visitaram os petistas na terça-feira – e não na quarta, que é o dia correto – e não enfrentaram fila e nem revista. As duas pegaram carona na comitiva de advogados e políticos que foram ao presídio.
Humilhação ou tratamento desrespeitoso só mesmo para os populares.
“A gente tem que chegar aqui de madrugada e pegar filas, mas a família dos ricões entra com advogado”, disse Joana Domigues, 66 anos, mãe de um presidiário. Antônia Leite, de 57 anos, mãe de outro preso, passou por um dissabor ainda maior. Ele chegou às 5 da manhã à Papuda para pegar um bom lugar na fila. Durante a revista teve que ficar completamente nua.
“Eu precisei tirar a roupa toda. Já as mulheres dos políticos entraram na Papuda bonitinhas.”
Joanas e Antônias não despertam a mesma solidariedade que os petistas presos – nem mesmo os outros companheiros causam um pingo de comoção.
 Todas as manifestações de apoio são direcionadas à trinca petista, como se só eles enfrentassem as agruras do sistema carcerário brasileiro.

Genoino, que é paciente cardíaco crônico, foi transformado numa espécie de mártir pelo partido. Petistas e advogados repetiram como mantra a acusação de que o ministro Joaquim Barbosa pôs em risco a vida do deputado ao obrigá-lo a viajar de avião para começas a cumprir sua pena.
A decisão teria sido tomada ao arrepio da lei, porque Barbosa não emitira as chamadas cartas de sentença que precedem a prisão. Foi com base nesses argumentos que os senadores do PT tentaram abrir um processo por crime de responsabilidade contra o presidente do STF.
Eles fracassaram como na vez em que tentaram cassar o mandato de Roberto Gurgel, o procurador-geral da República, que pediu a condenação dos mensaleiros.
José Genoino, de fato, tem uma saúde debilitada. Recentemente, fez uma cirurgia no coração e, por isso, precisa de acompanhamento médico permanente. Mas, ao ser detido no feriado da República, ele não quis se submeter ao exame médico que atestaria sua situação física e indicaria eventual impossibilidade de ser transportado de São Paulo para Brasília.
Genoino também não disse à Polícia Federal que não poderia fazer essa viagem. Se houve risco, não foi criado pelas autoridades. Preso em Brasília, o deputado passa mal todos os dias, de acordo com aliados e familiares. Ao tossir, cospe sangue. Na quinta-feira, depois de seu advogado afirmar que ele estava sofrendo um princípio de infarto, Genoino teve permissão, dada pela autoridade carcerária – sem o aval judicial – para deixar a Papuda rumo a um hospital cardiológico de Brasília.]
O deputado embarcou num carro popular vermelho, junto com um médico do presídio e dois agentes carcerários à paisana. Para o grande público, o advogado repetia que Genoino sofrera um infarto na prisão. Não era verdade.
LEIA REPORTAGEM COMPLETA NA VEJA
O ex-presidente do PT desceu do carro sem precisar de ajuda, foi caminhando até a porta do hospital e conversava normalmente.  O que foi anunciado como uma emergência médica estava programado desde o dia anterior. Funcionários do hospital confirmaram a VEJA que a ida do petista estava prevista para acontecer na véspera, mas foi adiada.
A própria tosse com sangue usada como indício de infarto, segundo Genoino contou a senador Eduardo Suplicy, é comum desde que o deputado realizou a cirurgia no coração.  Dentro do hospital, Genoino seguiu o protocolo. Foi transportado em cadeira de rodas e submetido a uma séria de exames. Ele não precisou sequer ser levado à UTI. O advogado foi conduzido por advogados e companheiros de partido e passou a tarde na companhia da mulher e da filha, uma liberalidade que jamais seria concedida a um preso comum.
Encarregado pelo TF de fiscalizar a execução das penas dos réus do mensalão, o juiz Ademar Vasconcelos foi pessoalmente averiguar a situação do petista. Após conversar com Genoino e com os médicos, confirmou que não havia infarto.
Um laudo do IML comprova a fragilidade do estado de saúde de Genoino. Outro laudo, de uma junta médica a serviço da Câmara dos Deputados, apresenta o mesmo resultado. Há, portanto, documentos técnicos que justificam a decisão de transferir o deputado – uma medida prudente e recomendável diante de sua saúde precária, mas que dispensava a encenação do infarto.
Na mesma quinta-feira, levando em consideração os laudos técnicos, Barbosa autorizou Genoino a se tratar em casa ou num hospital enquanto não é decidido seu pedido de transferência do regime semiaberto para o domiciliar.
No mesmo dia, petistas conseguiram convencer a Câmara a antecipar a análise da solicitação de aposentadoria por invalidez apresentada por Genoino. A decisão sairia em janeiro, em meio ao processo de cassação de mandato que deveria ser aberto na semana passada, mas não foi.
 A Tendência, agora, é que a aposentadoria seja concedida o mais rápido possível, o que livraria o deputado petista do processo disciplinar e, de quebra, lhe garantirá um vencimento mensal de 26 700 reais, o salário integral de um parlamentar.
No feriado da República, Barbosa decretou a prisão de doze dos 25 condenados no mensalão. Onze deles já estão atrás das grades – a exceção é o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que fugiu. 
Assim que chegaram à área onde passariam a sua primeira noite dentro da Papuda, os petistas receberam cada um seu kit presidiário: um lençol, o uniforme azul-claro destinados aos detentos da área federal, uma caneca e uma colher de plástico, um par de sandálias de borracha e um tubo de pasta de dentes da marca Sorriso - sorriso, obviamente, era tudo o que não se via por ali.
Dirceu torceu o nariz ao receber seu kit e disse que preferia usar os próprios pertences. O outrora todo-poderoso ministro de Lula foi imediatamente avisado de que receber o kit não era uma opção. Foi o primeiro baque. Pouco depois, o ex-ministro disse que precisava falar com seu advogado e pediu aos agentes que lhe emprestassem um celular.
Dirceu foi lembrado de que não tinha esse direito. Aos poucos, ia conhecendo as agruras da prisão.
Tão logo chegaram à Papuda, os mensaleiros foram apresentados ao código de conduta do lugar: andar de mãos para trás, cabeça baixa e sempre pedir autorização para falar, de preferência com a expressão “por favor”.
Dito e feito. Já transferido à cela do regime semiaberto, na qual entraram vestidos de branco e carregando um colchão, uma escova de dentes e uma barra de sabão, os pesos têm apresentado um ótimo comportamento.
“Nunca pensei que um dia fosse ouvir dos ilustres Genoino, Dirceu e Delúbio um ‘Com licença, senhor’. E o melhor foi vê-los de mãos para trás e cabeça baixa. Isso não tem preço”, comentou um agente penitenciário.
Tripudiar de presos, como disse o ex-presidente Lula, é desnecessário. Mas manifestações como essa – por mais controversas que sejam – mostram como a impunidade dos poderosos fazia mal aos brasileiros.
 
24 de novembro de 2013
Daniel Pereira, Rodrigo Rangel e Hugo Marques – Veja
Com reportagem de Adriano Ceolin

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