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Ao buscar acordos – e suprimir observações impopulares – as pessoas podem fazer coisas incrivelmente estúpidas.
A discordância é parte fundamental da vida e é essencial à economia. Assim como uma porção de concordância é necessária à vida, também é necessária uma porção de discordância. É quando os nossos interesses coincidem que concordamos. E é quando nossos interesses e crenças não coincidem que discordamos. Quando uma companhia é formada há um acordo; quando se paga por algo há ali um preço acordado. Seria a discordância então um fator econômico negativo?
Não deveríamos ser tão simplórios ao ponto de pressupor que a concordância é boa e a discordância é má. Embora digamos que todas as guerras tratam-se de desacordos e a paz é o acordo, e embora digamos que a destruição da riqueza ocorre num contexto de discórdia, enquanto a criação da riqueza fica na conta da concórdia, há muito mais em jogo. É possível imaginar um acordo destrutivo e um desacordo construtivo.
Um país que concorda com a política mercadológica errada, por exemplo, pode dar sérias vantagens estratégicas ao seu competidor; a indústria doméstica pode decair, a capacidade de manufatura pode entrar em declínio deixando sequelas na segurança militar e na empregabilidade doméstica (e.g., como na relação comercial entre China e Estados Unidos). Um desacordo construtivo pode resultar em um debate parlamentar acerca de uma nova lei que pode fazer emergir um novo discernimento sobre novas práticas.
Peter Barron Stark oferece ‘Oito passos para o desacordo construtivo’.
De acordo com Stark, “O desacordo é a parte positiva, normal e necessária para construir grandes relacionamentos ou times”. As pessoas tendem a discordar em vários pontos e isso é visto como problemático; mas não se deve imaginar que os desacordos são algo para se colocar de lado a fim de buscar a concordância perpétua. Tal conduta tem se provado perigosa. Todo líder empresarial e/ou investidor colherá bons frutos lendo a obra “Victims of Groupthink: A Psychological Study of Foreign Policy Decisions and Fiascos” (NT.: Vítimas do pensamento de grupo: Um estudo psicológico das decisões e fiascos da política externa) de Irving L. Janis. Como observa Janis, o desejo de concordância e consenso pode fazer com que as pessoas suprimam importantes objeções e observações contrárias que poderiam impedir desastres que atingiriam aqueles que são levados a agir em acordo com os demais. Ao buscar acordos – e suprimir observações impopulares – as pessoas podem fazer coisas incrivelmente estúpidas.
Um CEO ou líder governamental está limitado por pontos cegos. Se não houver como discordar ou desafiar os pontos de vista deles, então o desastre está fadado a ocorrer. Isso ficou especialmente claro na história de líderes poderosos ou carismáticos.
Stark nos diz que
“Chega-se às boas decisões nos negócios respeitando a opinião alheia e tendo a habilidade de exercer um diálogo construtivo onde cada membro do time tem a oportunidade de aprender um com o outro, em vez de apenas gostarem um dos outros”.
Não há nada de errado em gostarem de você, mas o desejo de que gostem de você pode ser um elemento corruptor. Até mesmo a ideia de que o acordo significa unidade – que por sua vez é considerada necessária ao sucesso de uma empresa – pode também corromper a mesma empresa. Onde a unidade se torna uma uniformidade de opiniões, um tipo de estagnação intelectual toma lugar. Porquanto, todos caindo em um mesmo padrão uniforme de pensamento – frequentemente o padrão da personalidade que lidera – não é algo saudável. As vantagens da livre expressão e do livre pensamento se perdem quando nós simplesmente adotamos o pensar daqueles que nos cercam.
Enquanto Stark tenta dizer que a discordância não é sinônimo de conflito, devemos, não obstante, admitir que os conflitos produzem resultados notáveis na natureza e na história. É por meio dos conflitos que aprendemos importantes lições. Toda derrota em uma guerra ocorre porque há fraquezas a serem superadas. O processo da destruição criativa dentro do próprio capitalismo e a dita competição de mercado em que uma cobra come a outra alavanca o progresso. Sem essa competição – e sem a possibilidade de derrota – a economia e toda a vida humana estagnaria. Foi o economista Joseph Schumpeter quem cunhou o termo “destruição criativa” ao adaptá-lo da obra de Karl Marx. Em sua obra Capitalismo, Socialismo e Democracia, Schumpeter escreveu: “A abertura de novos mercados [...] revoluciona incessantemente a estrutura econômica desde dentro, destruindo incessantemente a antiga e incessantemente criando uma nova. O processo de Destruição Criativa é o fato essencial do capitalismo”.
Competição não significa simplesmente competição de preços. Significa competição qualitativa. Já foi uma vez em que houve competição entre cavalos e automóveis. Ambos são meios de transporte e cada um é dissonante ao outro. Você não pode andar de cavalo e carroça numa autoestrada. Dois meios de transporte e, não obstante, incrivelmente diferentes – envolvendo um desacordo acerca do método. Nesse desacordo, um lado é o vencedor e o outro o perdedor. A indústria de veículos movidos a cavalo declina e a indústria automobilística se levanta. É um caso de Destruição Criativa.
A necessidade da totalidade subserviente concordar com um Adolf Hitler ou com um Josef Stálin ou com um governante popular é sempre danosa para todos. O clamor pela pureza racial, pela revolução proletária ou pela igualdade material universal significa um clamor para erradicar todos os freios e contrapesos e todos os desacordos significativos. Quaisquer benefícios imagináveis de uma determinada uniformidade de raça ou resultado econômico são muito menores que o dano que eles podem vir a causar à sociedade e à economia. É a divisão de poder dentro da sociedade e dentro da economia que produz as discordâncias mais positivas e os melhores resultados possíveis. Pode ser chamado de “impasse” aquilo que permite a verdadeira liberdade avançar em face de medidas potencialmente totalitárias. Imagine se um partido ou pessoa da sociedade pudesse ditar os mais benignos “desenlaces” imagináveis.
Mesmo com essa suposição, um processo sem qualquer freio ou desacordo é profundamente corrupto e está sujeito a degradação ilimitada rumo à megalomania. No final, concluiu Hitler, “Aniquilarei todos que se opõem a mim”. E sob o sistema socialista da Rússia, Stálin disse uma vez: “A verdadeira conformidade é possível apenas no cemitério”. Ambos os ditadores buscaram uniformidade de opinião e conformidade de ação. Ambos destruíram grande parte das suas respectivas sociedades.
Hoje em dia vemos por toda parte pressões para que se siga o caminho da uniformidade de opinião e conformidade social. Pelo bem da nossa economia e pelo bem da nossa vida intelectual, devemos superar o anseio de aceitar acriticamente as opiniões prevalecentes e as perspectivas autoritárias. Devemos questionar aos outros e a nós mesmos. Façamos as seguintes perguntas: Eles estão errados? Eu estou errado? A resposta é importante, e talvez ela só possa ser encontrada (para o benefício de todos) através da discordância.
Publicado no Financial Sense.
Tradução: Leonildo Trombela Junior
Jeffrey Nyquist
07 de novembro de 2013
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