Após empatar em 5 a 5, na quinta-feira, 12 de setembro, a votação do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno dos embargos infringentes está confirmada para a próxima quarta-feira, dia 18 de setembro.
Caberá ao decano Celso de Mello definir a possibilidade de o tribunal reanalisar as provas e mudar o mérito das condenações que receberam ao menos quatro votos favoráveis à absolvição. Dos 25 réus no processo, 12 teriam direito ao julgamento dos recursos.
Para o sociólogo Demétrio Magnoli, a possível aceitação dos embargos representa “um tapa na cara do povo brasileiro”. Magnoli acredita que a votação põe em jogo a credibilidade do STF, uma vez que flexibilize um valor caro à sociedade: a igualdade perante a lei.
O sociólogo critica ainda o discurso do Partido dos Trabalhadores (PT), protagonista do caso, ao expor o embate entre a “utopia” do partido com os fundamentos democráticos.
Leia a entrevista.
Instituto Millenium: No artigo “O julgamento da História“, o senhor afirma que “A democracia é um regime essencialmente antiutópico, pois seu alicerce filosófico se encontra no princípio do pluralismo político”. Pode-se afirmar que hoje, no Brasil, a democracia e as instituições se mantêm baseadas nessa antiutopia?
Demétrio Magnoli: Do ponto de vista formal e das instituições políticas, sim. No Brasil, as instituições se organizam com base no pluralismo político e existe a noção de que todos os partidos têm o direito igual de exercer o poder. Entretanto, existe um discurso do Partido dos Trabalhadores, de cunho utópico, em que o próprio PT representa o futuro, representa a vontade do povo contra a elite, a realização da história do Brasil. Esse discurso se choca com o fundamento antiutópico da democracia.
Nesse fundamento, nenhum partido tem a verdadeira história. Os partidos podem ter, no máximo, verdades circunstanciais de momento, maiorias políticas geradas por eleições que revelam o que eles têm: uma verdade temporária, efêmera, que vale por um mandato. O discurso do PT colide com esse conceito, já que afirma uma verdade transcendente, uma verdade que ultrapassa a circunstância eleitoral. De qualquer forma, a existência desse partido não muda o sistema político brasileiro, que continua sendo democrático e pluralista.
Imil: A votação dos embargos infringentes será decidida na próxima quarta-feira. Como o senhor enxerga a possibilidade de um novo julgamento para alguns réus do mensalão?
Magnoli: Seria um escárnio, um tapa na cara do povo brasileiro. O Supremo já afirmou, anos atrás, que não acredita na igualdade das pessoas perante a lei, ao acatar as cotas raciais, dividindo a sociedade em dois grupos: brancos e negros. Se ele acatar os embargos infringentes, decidindo que o julgamento do mensalão não tem valor, estará produzindo uma nova divisão dos brasileiros na sua relação com a lei, dessa vez horizontal. De um lado estará a elite política, cuja garantia de impunidade é superior à lei, e, de outro, os cidadãos comuns, subordinados a ela. Como o STF tem esse precedente de desprezo pelo princípio da igualdade perante a lei, não me surpreenderia com um resultado de votação que acate os embargos infringentes.
Imil: Que efeitos um possível novo julgamento poderá causar nas eleições 2014?
Magnoli: As consequências começam bem antes das eleições, serão imediatas, pois darão início a um descrédito absoluto sobre a instituição que ainda obtinha alguma confiança da população, o STF. O descrédito com o poder Executivo e com o Legislativo já é enorme, e com a extensão à mais alta corte, nós teríamos um envenenamento geral do ambiente político nacional. As pessoas perderiam suas últimas esperanças nas instituições políticas existentes.
Imil: E as manifestações já deram um sinal do grau da insatisfação…
Magnoli: As manifestações de junho foram um embate movido por esse descrédito. Se tentarmos projetar a questão para as eleições de 2014, acredito que o grupo político que parecer mais “desligado” do sistema político diante da população será o mais beneficiado. Sendo menos misterioso, acredito em um benefício imediato para o grupo da Marina Silva. Do ponto de vista das percepções, mesmo que não seja verdade, esse grupo aparece como uma corrente política menos vinculada às instituições atuais ao sistema político. Acredito que, à primeira vista, esse seria o grupo mais beneficiado. No entanto, é errado colocar a ênfase nas eleições de 2014. Essa violação do Supremo teria consequências mais imediatas do ponto de vista dessa desmoralização institucional brasileira.
Imil: Até que ponto o Estado de Direito pode suportar tamanha desconfiança da população?
Magnoli: Não posso fazer um cenário do que vai acontecer no futuro, mas o Supremo vai descreditar as leis de um modo geral se afirmar que quanto mais perto do poder se encontra um indivíduo, menos sujeito à lei ele está. Seria a corroboração de leis para quem tem sangue azul e leis para o resto das “gentes”. Vai ser difícil explicar para os indivíduos porque eles deveriam respeitar as leis. Nesse caso, em cada praça se faria a seguinte pergunta: por que devemos respeitar as leis? O Supremo Tribunal está prestes a desmoralizar aquilo que o sustenta: o Estado de Direito.
Imil: Há quem diga que o STF está contaminado politicamente. No caso do ex-ministro José Dirceu, um possível julgamento do caso pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), está sendo cogitado. Como o senhor enxerga essa situação?
Magnoli: Esse argumento que está sendo levantado como ameaça pela campanha política do Dirceu é um absurdo. O julgamento pelo STF obedece a todos os requisitos da Carta Interamericana de Direitos Humanos, que não exige embargos infringentes e um julgamento duplo, e sim o amplo direito de defesa. De qualquer forma, essa ameaça não tem condições de prosperar na prática, e os que a defendem sabem disso. Não existe nenhuma hipótese que a faça a OEA derrubar o julgamento do Supremo. A hipótese que existe é de o STF derrubar o julgamento do STF.
13 de setembro de 2013
IMIL
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