"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 3 de abril de 2019

O MÉTODO GURDJIEFF DE OLAVO DE CARVALHO E UM RECADO PARA SUA SEITA: NINGUÉM ESTÁ ACIMA DE CRÍTICAS!

Bolsonaro, em sua primeira fala como presidente eleito, ostentou o livro de Olavo de Carvalho numa seleta pilha de apenas 3 volumes. Seus filhos elogiam abertamente o filósofo com frequência. Alunos seus ocupam cargos importantes no governo, e o mais “brilhante” deles, Filipe G. Martins, anda colado no presidente e seus filhos.

Além disso, o “guru” está em campanha revolucionária aberta contra os militares no governo. Tem feito declarações pesadas que colocam o presidente numa situação delicadíssima: se nada fizer a respeito, mostra ou que concorda com seu “guru”, ou que é um banana incapaz de se livrar de “traidores” e “imprestáveis”, que ele mesmo escolheu como ministros.

Mas se você ousa criticar a postura de Olavo, claro que isso só pode ser por implicância, inveja, picuinha, falta do que fazer, birra pessoal, amargura ou “obsessão anal” (achei essa a projeção mais adequada para um típico olavete). O certo seria deixar o velho em paz, em sua cruzada jacobina.

Reagir ao mal que ele tem feito à direita e ao governo é inaceitável para seus seguidores fanáticos, coisa de quem tem “dor de cotovelo” ou “tara patológica”. Não importa que o próprio Olavo venha atacando tudo e todos, coloque apelidos depreciativos nos outros, xingue deus e o mundo. Se alguém responder, reagir, é um invejoso! E depois reclamam quando falamos em seita…

Um guru de seita lança mão exatamente dessa estratégia: cria a sensação em seus discípulos de que só ele enxergou “toda” a verdade, mas que ela é um tanto inacessível aos demais, e que toda crítica feita a ele é coisa de cegos burros ou invejosos. Como a roupa linda e invisível do rei, do conto de Hans Christian Andersen. Depois, alega que só ele conhece o caminho da salvação. Coloca-se como alguém desinteressado, acima dos interesses mundanos, e se alguém critica-lo, só pode ser por estupidez ou inveja.

O segredo está em afetar uma sabedoria ímpar e uma visão profética, enquanto estimula os discípulos com mensagens dialéticas e até contraditórias. Só assim o “desapegado” pensador consegue, ao mesmo tempo, gabar-se de indicar ministros e colocar alunos no governo. E ao mesmo tempo passa a criticar o governo de forma veemente. E se alguém aponta para contradições, é porque não foi capaz de ver o “big picture”. O guru tem sempre razão!

Olavo não é bobo. Ele sabe muito bem o que faz. Estudou, afinal, os métodos típicos de gurus de seita, e até os descreveu em O jardim das aflições. Eis um trecho interessante:

Com base nessa descoberta, Sargant fez mais uma, decisiva para o progresso dos meios de dominação psíquica: um paciente submetido a ab-reações repetidas desenvolvia uma dependência mórbida do terapeuta. Quanto mais ab-reações, mais forte o vínculo. Isto explicava muita coisa. Boa parte do fascínio escravizador exercido sobre seus discípulos pelo taumaturgo armênio Georges Ivanovich Gurdjieff, por exemplo, se devia tão-somente à “mágica” das ab-reações repetidas. De fato, Gurdjieff ora esmagava os coitados sob pilhas de exigências constrangedoras, ora os induzia a descargas aliviantes que lhe davam a impressão de plenitude e liberdade, só para depois serem repentinamente jogados de novo em provocações humilhantes. Repetida a operação algumas vezes, os discípulos se persuadiam de que Gurdjieff era mesmo um extraterrestre.

Gurdjieff manejava igualmente bem a estimulação contraditória. Raramente dizia alguma coisa com sentido identificável, mas deixava sempre no ar pelo menos meia dúzia de intenções possíveis, fazendo com que os discípulos se extenuassem em vãs ginásticas hermenêuticas. Prometia aos alunos uma exposição teórica que finalmente poria tudo em pratos limpos, e lhes dava um sistema cosmológico completo, que nas semanas seguintes era inteiramente substituído por outro, e por outro, até que a confusão mental crescesse à escala cósmica.

Troque Gurdjieff por Olavo e é algo muito parecido que vemos em sua seita. Mas se você falar desse assunto, então você é um “chato da porra”. Não importa, repito, que Olavo seja influente numa ala radical do governo, e que pela análise de muitos, inclusive na direita, esteja trabalhando contra o sucesso do mesmo governo. Falou dele, e não foi para bajular como um mestre sempre certo, então só pode ser porque é insuportável ou invejoso, um obcecado ressentido. Eis o mecanismo de defesa da turma fanática, para evitar a dissonância cognitiva do encontro com a realidade.

Nos grupos de direita, há crescente consenso de que Olavo tem feito muito mal para a própria direita, e que precisa ser combatido. O problema é que há interseção grande entre seguidores, e qualquer crítica ao “guru”, como sei bem, significa atrair uma horda de olavetes para te xingar ou tentar te intimidar. E isso cansa. Há perda inevitável também de alguns seguidores, ainda que sejam aqueles que nem deveriam te seguir, já que querem só confirmação de viés, não argumentos ou contrapontos.

Por essas e outras razões a direita conservadora se cala muitas vezes diante desse movimento reacionário, que fala em seu nome. Mas isso tem consequências terríveis para o futuro da direita no Brasil. Ser associada a essa seita fanática e jacobina é péssimo. É como confundir Burke com Maistre, ou Scruton com Bannon. Não faz o menor sentido. Chamar a todos de “conservadores” ou “direita” é ignorar que existe direita e direita, que há aquela de boa estirpe, e há os que defendem o nacional-populismo autoritário e antiliberal.

O “desinteressado” pensador, que ajudou a disseminar um ódio a todo o establishment e às instituições democráticas, por mais imperfeitas que sejam mesmo e por mais que mereçam críticas duras, o “desapegado” do poder que brinca de ser um Rasputin tupiniquim, o Osho da “direita” brasileira que demoniza toda a “extrema-imprensa”, ainda que apontar o viés ideológico da mídia seja saudável, esse mesmo personagem chamado Olavo de Carvalho concedeu entrevista, segundo O Antagonista, a Pedro Bial da, sim!, Rede Globo. Aparecer na “Globo golpista” tem lá o seu charme, como concluiu o site. Nada que vem da Globo presta? Pois é…

Tudo exala forte cheiro de embuste, de picaretagem, de engodo, com fortes pitadas fascistas (“esmagar poderes intermediários” para que o líder, “amado pelo povo”, possa governar diretamente incorporando a “vontade popular”). E isso é feito em nome dos conservadores! Como não reagir, mesmo ao custo pessoal de ataques chulos e perda de seguidores (que não querem pensar por conta própria)?

Raymond Aron, para dar um exemplo, foi firme contra marxistas e contra fascistas. Apanhou muito, mas o tempo mostrou quem tinha razão. Não é hora de se acovardar. Quem passou a vida toda lutando contra o petismo, o esquerdismo, o socialismo, não pode se curvar diante de uma seita autoritária que exige consentimento pleno. Para um liberal ou conservador, ninguém está acima de críticas. O liberalismo e o conservadorismo não possuem papas infalíveis. Quem quer colocar Olavo nesse lugar que o faça, mas por favor: longe do rótulo de conservador!


03 de abril de 2019
Gazeta do Povo
Rodrigo Constantino

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