"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 6 de junho de 2017

NEM TUDO É IDEOLOGIA

O "Economista como Encanador" é o título da palestra apresentada por Esther Duflo no encontro anual dos economistas americanos neste ano.

O título decorre da crescente participação dos economistas na implementação de políticas públicas que, com frequência, enfrentam problemas de corrupção, de concessão indevida de benefícios ou não obtêm os resultados esperados.

O Bolsa Família, por exemplo, é concedido com base na renda reportada no Cadastro Único, que por vezes subestima a renda verdadeira, e leva à concessão de benefícios acima do previsto.

Esses desvios, porém, poderiam ser significativamente reduzidos caso fossem utilizados os demais dados do cadastro, que permitem uma melhor inferência da renda familiar.

O economista-encanador deve partir dos objetivos da política pública, verificar as causas dos eventuais desvios e propor instrumentos, indicadores e incentivos que garantam os resultados esperados.

Os detalhes do caso particular importam. Duflo discute diversos exemplos, como o desenho da política de acesso à água e saneamento, a distribuição de alimentos subsidiados para famílias de baixa renda ou a implementação de obras de infraestrutura e a geração de empregos em comunidades pobres financiadas pelo governo central.

O tema da palestra contrasta com a economia no Brasil, quase sempre dominada por discussões, frequentemente estéreis, sobre poucos preços, como juros e câmbio, e intervenções com resultados decepcionantes, como as adotadas a partir de 2008.

Além do economista encanador, há também o economista engenheiro que desenha mecanismos para melhor distribuir os recursos existentes.

Todo ano, cerca de 20 mil médicos são formados nos Estados Unidos, com habilidades e especializações diversas. Há, igualmente, muitas vagas abertas em hospitais. O desafio é garantir a melhor alocação possível dos jovens médicos aos empregos disponíveis.

Como no casamento, podemos fazer uma escolha provocada por encontros fortuitos e mais tarde descobrir que havia outras opções que fariam todas as partes mais felizes.

O mesmo ocorria com o processo de alocação dos jovens médicos. Desde os anos 1950, os economistas começaram a desenvolver mecanismos para resolver os problemas observados e culminaram com um algoritmo desenvolvido por Alvin Roth que tem sido extremamente eficaz na prática.

As muitas contribuições de Roth incluem casos surpreendentes, como o desenho de mecanismos para aumentar o número de transplantes para pacientes com insuficiência renal crônica. Roth ganhou o Prêmio Nobel em 2012.

A economia não se reduz à ideologia. Vale a pena conhecer a técnica.



06 de junho de 2017
Marcos Lisboa, Folha de SP

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