Apesar de diferenças entre países, a Europa também retomou o crescimento
Os países desenvolvidos vêm gradativamente retomando o crescimento, mas o reconhecimento desta tendência é recente. Até há pouco ainda conviviam dois grupos: os que achavam intelectualmente excitante a ideia de que o mundo era vítima de uma “estagnação global”; e os que se assustavam com ela. O pedigree dos teóricos que referendavam aquela hipótese era atraente: foi inventada há algumas décadas por Alvin Hansen, e até hoje é insistentemente defendida por Larry Summers. Por alguma razão, a poupança dos países avançados teria crescido permanentemente em relação aos investimentos, jogando para baixo a taxa neutra de juros e levando os países ao paradoxo de que nem com juros reais negativos haveria crescimento. Estaríamos presos à “armadilha da liquidez” e, a menos que os países desenvolvidos se engajassem em uma política fiscal expansionista, o mundo estaria condenado à estagnação.
Infelizmente para seus adeptos, a hipótese tem sido negada pelos fatos. A economia dos EUA já chegou ao pleno emprego e continua crescendo, com o Fed abandonando medidas monetárias não convencionais iniciando a elevação da taxa de juros. Apesar de diferenças entre países, a Europa também retomou o crescimento. Onde está a estagnação? É possível que a economia de algum país esteja estagnada, mas este está muito longe de ser um fenômeno global. A hipótese enunciada por Reinhart e Rogoff pode ser menos atraente, mas na minha visão tem maior poder explicativo. O baixo crescimento dos países avançados seria decorrência do endividamento excessivo dos governos, empresas e famílias, e esta lição é importante para o caso brasileiro. Nossa dívida pública é grande demais e, apesar de todo o esforço do ajuste fiscal, deverá continuar crescendo nos próximos anos. Quanto ao setor privado, os dados para as empresas privadas não financeiras mostram um endividamento elevado, e a expansão acelerada do crédito às famílias as levou a um comprometimento de renda que se constitui em um freio ao consumo.
A duras penas as empresas vêm reduzindo sua dívida líquida em relação ao Ebitda, e as famílias vêm reduzindo o estoque de sua dívida, o que, combinado com juros mais baixos, deverá colocar a economia em recuperação. Mais preocupante, no entanto, é a perspectiva sobre o overhang da dívida pública. A emenda constitucional que congela os gastos primários em termos reais foi um primeiro passo, mas terá de ser seguida de reformas como a da Previdência, e complementada por revisões tributárias que elevem as receitas. Na ausência dessas duas ações, continuaremos assistindo a uma dinâmica perversa da dívida pública, que tende a elevar os riscos e a remover o espaço para uma queda mais acentuada da taxa de juros, que é fundamental para a retomada do crescimento.
Não temo o risco da dominância fiscal, que chegou a assustar ao final de 2015, mas o desequilíbrio fiscal deslocaria o balanço de riscos na direção de quedas menores da taxa de juros, com consequências desastrosas sobre a recuperação do crescimento e sobre a própria dinâmica da dívida.
Olhando para a força desinflacionária que vem do hiato negativo do PIB e para a queda acelerada da inflação, mesmo em meio à atual crise política, o Banco Central pode reduzir a taxa de juros, como o fez na última reunião do Copom. Mas, dependendo dos efeitos da crise política sobre a continuidade das reformas, no campo fiscal o balanço de riscos se desloca na direção de um menor grau de estímulos monetários.
Se não criarmos condições para que o País possa eliminar a percepção do risco vindo da dinâmica perversa da dívida, aprovando a reforma da Previdência e criando condições políticas para elevar impostos e/ou reduzir desonerações tributárias nos próximos anos, a perspectiva de crescimento da dívida bruta elevará os riscos, tolhendo os estímulos ao crescimento. Sem a resolução da crise política, a tendência é de redução dos graus de liberdade na condução da política monetária, o que, na melhor das hipóteses, levará o País a um crescimento econômico muito lento, piorando a dinâmica da dívida e elevando os riscos, o que fecha um círculo vicioso que é preciso evitar.
06 de junho de 2016
Affonso Celso Pastore, Estadão
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.
Os países desenvolvidos vêm gradativamente retomando o crescimento, mas o reconhecimento desta tendência é recente. Até há pouco ainda conviviam dois grupos: os que achavam intelectualmente excitante a ideia de que o mundo era vítima de uma “estagnação global”; e os que se assustavam com ela. O pedigree dos teóricos que referendavam aquela hipótese era atraente: foi inventada há algumas décadas por Alvin Hansen, e até hoje é insistentemente defendida por Larry Summers. Por alguma razão, a poupança dos países avançados teria crescido permanentemente em relação aos investimentos, jogando para baixo a taxa neutra de juros e levando os países ao paradoxo de que nem com juros reais negativos haveria crescimento. Estaríamos presos à “armadilha da liquidez” e, a menos que os países desenvolvidos se engajassem em uma política fiscal expansionista, o mundo estaria condenado à estagnação.
Infelizmente para seus adeptos, a hipótese tem sido negada pelos fatos. A economia dos EUA já chegou ao pleno emprego e continua crescendo, com o Fed abandonando medidas monetárias não convencionais iniciando a elevação da taxa de juros. Apesar de diferenças entre países, a Europa também retomou o crescimento. Onde está a estagnação? É possível que a economia de algum país esteja estagnada, mas este está muito longe de ser um fenômeno global. A hipótese enunciada por Reinhart e Rogoff pode ser menos atraente, mas na minha visão tem maior poder explicativo. O baixo crescimento dos países avançados seria decorrência do endividamento excessivo dos governos, empresas e famílias, e esta lição é importante para o caso brasileiro. Nossa dívida pública é grande demais e, apesar de todo o esforço do ajuste fiscal, deverá continuar crescendo nos próximos anos. Quanto ao setor privado, os dados para as empresas privadas não financeiras mostram um endividamento elevado, e a expansão acelerada do crédito às famílias as levou a um comprometimento de renda que se constitui em um freio ao consumo.
A duras penas as empresas vêm reduzindo sua dívida líquida em relação ao Ebitda, e as famílias vêm reduzindo o estoque de sua dívida, o que, combinado com juros mais baixos, deverá colocar a economia em recuperação. Mais preocupante, no entanto, é a perspectiva sobre o overhang da dívida pública. A emenda constitucional que congela os gastos primários em termos reais foi um primeiro passo, mas terá de ser seguida de reformas como a da Previdência, e complementada por revisões tributárias que elevem as receitas. Na ausência dessas duas ações, continuaremos assistindo a uma dinâmica perversa da dívida pública, que tende a elevar os riscos e a remover o espaço para uma queda mais acentuada da taxa de juros, que é fundamental para a retomada do crescimento.
Não temo o risco da dominância fiscal, que chegou a assustar ao final de 2015, mas o desequilíbrio fiscal deslocaria o balanço de riscos na direção de quedas menores da taxa de juros, com consequências desastrosas sobre a recuperação do crescimento e sobre a própria dinâmica da dívida.
Olhando para a força desinflacionária que vem do hiato negativo do PIB e para a queda acelerada da inflação, mesmo em meio à atual crise política, o Banco Central pode reduzir a taxa de juros, como o fez na última reunião do Copom. Mas, dependendo dos efeitos da crise política sobre a continuidade das reformas, no campo fiscal o balanço de riscos se desloca na direção de um menor grau de estímulos monetários.
Se não criarmos condições para que o País possa eliminar a percepção do risco vindo da dinâmica perversa da dívida, aprovando a reforma da Previdência e criando condições políticas para elevar impostos e/ou reduzir desonerações tributárias nos próximos anos, a perspectiva de crescimento da dívida bruta elevará os riscos, tolhendo os estímulos ao crescimento. Sem a resolução da crise política, a tendência é de redução dos graus de liberdade na condução da política monetária, o que, na melhor das hipóteses, levará o País a um crescimento econômico muito lento, piorando a dinâmica da dívida e elevando os riscos, o que fecha um círculo vicioso que é preciso evitar.
06 de junho de 2016
Affonso Celso Pastore, Estadão
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.
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