A democracia representativa não é necessariamente corrupta. Mas só com poderes limitados pode haver um governo decente
Há pouco mais de dois séculos, a corrupção e a estagnação sistêmicas abateram nas lâminas das guilhotinas uma aristocracia sem responsabilidades e cheia de privilégios. A centralização administrativa promovida pela monarquia absoluta dos reis da França esvaziara as atribuições da nobreza feudal, que se convertera em casta inútil. A irrefreável ascensão do ideal democrático da igualdade tornava inaceitáveis aqueles privilégios de uma classe que ia perdendo sua legitimidade. À medida que subiam os impostos do Antigo Regime, os privilégios dessa casta se tornavam cada vez mais ofensivos à população. Para Tocqueville, o Antigo Regime e a revolução de 1789 eram indissociáveis, uma continuidade histórica mais do que uma inexplicável ruptura.
A corrupção e a estagnação sistêmicas que sofremos agora refletem o desafortunado descarrilamento de nossa inacabada transição do antigo regime militar para uma Grande Sociedade Aberta. A expansão ininterrupta dos gastos públicos e a ocupação política do aparelho de Estado são a linha de continuidade a explicar a escalada dos escândalos de corrupção e a degeneração das práticas políticas. “As enormes somas que passavam pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero”, já advertia Marx no clássico “As lutas de classe na França: 1848-1850”. A contínua exposição na mídia de piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político tornou-se, nas modernas democracias representativas, o equivalente dos espetáculos de decapitação em praça pública ocorridos na radical “democracia” jacobina. Para moderar uma insaciável guilhotina midiática, o Congresso deve abrir mão de seus privilégios (foro privilegiado, aposentadorias nababescas), sem hesitar no exercício de suas funções (aprovar reformas).
A degeneração moral de nossa democracia emergente é explicável. “O engano fatídico foi julgar que a adoção de procedimentos democráticos permitiria dispensar limitações ao poder governamental. Não é que a democracia representativa seja necessariamente corrupta. Mas só um governo com poderes limitados pode ser um governo decente”, alertava Hayek, em seu clássico “Direito, legislação e liberdade”.
06 de junho de 2017
Paulo Guedes, O Globo
Há pouco mais de dois séculos, a corrupção e a estagnação sistêmicas abateram nas lâminas das guilhotinas uma aristocracia sem responsabilidades e cheia de privilégios. A centralização administrativa promovida pela monarquia absoluta dos reis da França esvaziara as atribuições da nobreza feudal, que se convertera em casta inútil. A irrefreável ascensão do ideal democrático da igualdade tornava inaceitáveis aqueles privilégios de uma classe que ia perdendo sua legitimidade. À medida que subiam os impostos do Antigo Regime, os privilégios dessa casta se tornavam cada vez mais ofensivos à população. Para Tocqueville, o Antigo Regime e a revolução de 1789 eram indissociáveis, uma continuidade histórica mais do que uma inexplicável ruptura.
A corrupção e a estagnação sistêmicas que sofremos agora refletem o desafortunado descarrilamento de nossa inacabada transição do antigo regime militar para uma Grande Sociedade Aberta. A expansão ininterrupta dos gastos públicos e a ocupação política do aparelho de Estado são a linha de continuidade a explicar a escalada dos escândalos de corrupção e a degeneração das práticas políticas. “As enormes somas que passavam pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero”, já advertia Marx no clássico “As lutas de classe na França: 1848-1850”. A contínua exposição na mídia de piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político tornou-se, nas modernas democracias representativas, o equivalente dos espetáculos de decapitação em praça pública ocorridos na radical “democracia” jacobina. Para moderar uma insaciável guilhotina midiática, o Congresso deve abrir mão de seus privilégios (foro privilegiado, aposentadorias nababescas), sem hesitar no exercício de suas funções (aprovar reformas).
A degeneração moral de nossa democracia emergente é explicável. “O engano fatídico foi julgar que a adoção de procedimentos democráticos permitiria dispensar limitações ao poder governamental. Não é que a democracia representativa seja necessariamente corrupta. Mas só um governo com poderes limitados pode ser um governo decente”, alertava Hayek, em seu clássico “Direito, legislação e liberdade”.
06 de junho de 2017
Paulo Guedes, O Globo
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