O indescritível superou o descritível. O caráter da época passa com dificuldade porque seu principal personagem sobrevive. E sua sombra enfeitiça a realidade, cobrando de afilhados lealdade.
Esgotadas as condições econômicas que permitiram realizar uma política pública de improvisação e sem futuro, uma política social manipuladora e sem lastro, uma política industrial sem fundamentos éticos ou técnicos, restaram aos titulares da falha funcional que sustentou seu tempo fingirem não o ver escarnecer da Justiça.
Estávamos à mercê de juízes e acusadores secundários, rugiu a capital. Mas eles não controlarão mais esse jogo. Tremei, insanos, não haverá tempo de passar da ira às súplicas, diz o simplificador geral, tomando as rédeas dos crimes construídos. Balbucia recados desconexos: “Calma, escravos, temos traidores também do nosso lado, primeiro vamos cuidar dos vossos traidores. Nós somos um comitê, mentalidade de casais. Num piscar de olhos emitimos a autorização para uso da força. Somos o injusto disfarçado de justo. A pior praga do populismo-popular.
“Vá, pensamento, minha pátria tão bela e perdida!”, canta, silencioso, o povo escravizado na mentira por acusadores que o traíram, se venderam aos corruptores, ao poder da produção do mal. Um investidor honesto, que tudo perdeu e nada recupera, proclama: “Por um procurador da sociedade”, “Por um juiz do cidadão, externo a moral estatal deles”.
A luta pela igualdade virou afirmação da diferença e fez explodir no país a desigualdade perante a lei. O Direito sumiu do horizonte da Justiça. O poder econômico se apropriou de vez da política e envolveu a alta Justiça. Criou-se um problema insanável: a jurisdição de exceção protege o governante antigo; o ímpeto de imolação se dirige contra o governante novo. E, mais uma vez, para nada, o pequeno briga na rua a briga dos maiorais.
A Justiça se ajustou ao modo de ser do líder do período e se tornou um ramo do relacionamento conflituoso. Capturada pela escuridão intelectual e grupos de pressão do velho regime, por corporações da alta elite do Estado, usa o crime como freio para as reformas. Dono dos autos, os 11 Supremos, cada um a seu modo, arremedam os mestres da cilada e aprisionam o país na corrupção.
É preciso exigir que o governo não pague mais para que o mau empresário fique rico. Encerre a lambança no BNDES, cobre o julgamento da CVM, e enterre o capitalismo de aduladores. Eleições mortas não podem ser julgadas como vivas só para manter a totalidade sombria e desestabilizadora que infantiliza a democracia.
Grave foi falar em Fome Zero, dirigir a FAO e terminar doando o dinheiro do trabalhador para desnacionalizar o parque industrial de alimento. Levar o capital público brasileiro a mudar de mãos e de país deveria ser caso de degredo para quem concedeu, e extradição para quem recebeu.
Não será aqui onde, comovedor ou zombeteiro, para envenenar a transição, o procurador-geral apresenta ao ministro relator a prova intergeracional do DNA do país: uma herança-propina, paga por semana, por 20 anos.
Nunca um cortesão ofendeu tanto a inteligência da ralé. Aqui é o Terceiro Mundo, peça a bênção e vá dormir.
06 de junho de 2017
Paulo Delado, O Globo
Esgotadas as condições econômicas que permitiram realizar uma política pública de improvisação e sem futuro, uma política social manipuladora e sem lastro, uma política industrial sem fundamentos éticos ou técnicos, restaram aos titulares da falha funcional que sustentou seu tempo fingirem não o ver escarnecer da Justiça.
Estávamos à mercê de juízes e acusadores secundários, rugiu a capital. Mas eles não controlarão mais esse jogo. Tremei, insanos, não haverá tempo de passar da ira às súplicas, diz o simplificador geral, tomando as rédeas dos crimes construídos. Balbucia recados desconexos: “Calma, escravos, temos traidores também do nosso lado, primeiro vamos cuidar dos vossos traidores. Nós somos um comitê, mentalidade de casais. Num piscar de olhos emitimos a autorização para uso da força. Somos o injusto disfarçado de justo. A pior praga do populismo-popular.
“Vá, pensamento, minha pátria tão bela e perdida!”, canta, silencioso, o povo escravizado na mentira por acusadores que o traíram, se venderam aos corruptores, ao poder da produção do mal. Um investidor honesto, que tudo perdeu e nada recupera, proclama: “Por um procurador da sociedade”, “Por um juiz do cidadão, externo a moral estatal deles”.
A luta pela igualdade virou afirmação da diferença e fez explodir no país a desigualdade perante a lei. O Direito sumiu do horizonte da Justiça. O poder econômico se apropriou de vez da política e envolveu a alta Justiça. Criou-se um problema insanável: a jurisdição de exceção protege o governante antigo; o ímpeto de imolação se dirige contra o governante novo. E, mais uma vez, para nada, o pequeno briga na rua a briga dos maiorais.
A Justiça se ajustou ao modo de ser do líder do período e se tornou um ramo do relacionamento conflituoso. Capturada pela escuridão intelectual e grupos de pressão do velho regime, por corporações da alta elite do Estado, usa o crime como freio para as reformas. Dono dos autos, os 11 Supremos, cada um a seu modo, arremedam os mestres da cilada e aprisionam o país na corrupção.
É preciso exigir que o governo não pague mais para que o mau empresário fique rico. Encerre a lambança no BNDES, cobre o julgamento da CVM, e enterre o capitalismo de aduladores. Eleições mortas não podem ser julgadas como vivas só para manter a totalidade sombria e desestabilizadora que infantiliza a democracia.
Grave foi falar em Fome Zero, dirigir a FAO e terminar doando o dinheiro do trabalhador para desnacionalizar o parque industrial de alimento. Levar o capital público brasileiro a mudar de mãos e de país deveria ser caso de degredo para quem concedeu, e extradição para quem recebeu.
Não será aqui onde, comovedor ou zombeteiro, para envenenar a transição, o procurador-geral apresenta ao ministro relator a prova intergeracional do DNA do país: uma herança-propina, paga por semana, por 20 anos.
Nunca um cortesão ofendeu tanto a inteligência da ralé. Aqui é o Terceiro Mundo, peça a bênção e vá dormir.
06 de junho de 2017
Paulo Delado, O Globo
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