Esta semana, Delfim Netto tornou a enfatizar a urgência de botar a economia nos trilhos, ao dizer que empurrar o ajuste com a barriga será o caos. Se a casa está pegando fogo, há que combater logo o incêndio, sem discutir quais bombeiros vieram na viatura. A não ser que o objetivo seja mesmo deixar queimar, olhando para outro lado.
Mas desviar o olhar e o foco é quase inevitável quando tanta coisa acontece ao mesmo tempo e exige atenção.
E o ritmo do noticiário tem sido vertiginoso.
Com mais delações e as gravações de Sérgio Machado atingindo a cúpula do PMDB, a crise mudou de patamar. Para nós, gente comum, é difícil ficar tentando ver o que se esconde por trás dos fatos.
O jogo de desvendamento e ocultações é sutil, acaba confundindo mesmo. Quando o procurador-geral da República enviou ao Supremo o pedido de prisão dos caciques? Se foi há mais de uma semana, por que foi revelado agora? Por quem? Foi oficial? Por que o STF mantinha sigilo? Qual o efeito do vazamento a esta altura? E aquela perguntinha básica que qualquer leitor de romance policial aprendeu a fazer: a quem o crime beneficia? Quem sai ganhando com isso?
O ritmo da nossa especulação diante dessas questões é diferente do tempo de reflexão dos estudos acadêmicos. Porém, além de precisar resolver a premente crise econômica, moral e política, também temos necessidade de entender o contexto.
Esta semana, a BBC trouxe uma reportagem sobre politólogas brasileiras em universidades estrangeiras, que estão se destacando por pesquisas classificadas de robustas.
Seus estudos desmentem clichês e ideias feitas sobre a nossa política. Uma delas, a pernambucana Nara Pavão, mestra e doutora em Ciência Política pela universidade de Notre Dame (USA) e atualmente fazendo pós-doutorado em Vanderbilt, cruza respostas a diferentes pesquisas de opinião e examina uma aparente incoerência: 98% da população brasileira acham que a corrupção é um problema condenável e, no entanto, continua elegendo e reelegendo corruptos.
Em geral, as análises sobre esse fenômeno costumam apontar os baixos índices de educação do eleitorado, o voto do analfabeto, a falta de informação, o voto de cabresto que segue a milícia ou o pastor. Os estudos de Nara sugerem outra hipótese, que chama de cinismo político: se o eleitor acha que todo político é igualmente corrupto, a desonestidade passa a ser um fator constante e não serve mais para diferenciar candidatos.
Outros analistas comentam que brasileiro tem a tendência de negar a realidade presente, quando pensa no futuro.
O velho diagnóstico de “Brasileiro, profissão: esperança”. Talvez essa atitude complemente a pesquisa de Nara Pavão. Como quem acredita em Papai Noel.
Se na hora de votar não nos incomodamos em pedir e esperar o impossível, viramos presa fácil de quem promete o irreal e de graça. Ou seja, de quem mente. Depois, fazemos força para acreditar no que é falso e defendemos as mentiras como se fossem verdade.
Se não der certo, duas outras entidades poderosas ajudam a compor nossa Santíssima Trindade do Engano: o Bicho-Papão e o Bode Expiatório.
O Bicho-Papão é uma ameaça que não deixará a mentira do sonho prometido virar realidade. De acordo com as conveniências do momento, pode ser o imperialismo ianque, o comunismo, os subversivos, o neoliberalismo, a zelite, a mídia golpista.
Não faltam candidatos investidos à força nesse papel.
Quanto ao Bode Expiatório da vez, também varia. É sempre “culpa de fulano”, que não deixou dar certo. No momento, a função parece ser prioritariamente atribuída à Lava-Jato.
Vale a pena se defender dessas generalizações, vendo que os políticos não são todos iguais, e não seguindo quem diz que são. Iguais, só devem ser perante a lei.
Atenção às diferenças. Por exemplo, PC Farias morreu sem falar, Dirceu foi preso e não entregou, Sérgio Machado nem precisou ser preso e já saiu gravando os amigos.
Outro exemplo: não é ilegal ter conta no exterior. Crime é não declará-la à Receita e não recolher os impostos.
Ou, no quesito doações: até recentemente, empresas podiam fazer doações eleitorais, desde que seguissem a lei.
Crime foi superfaturar o que se recebia dos cofres públicos, fingir que era pagamento de serviços, e depois transferir para partidos e políticos como se fosse doação legal, em troca de favores passados ou futuros.
Ou ainda: ouvir dizer que Fulano recebeu é diferente de identificar a conta do depósito ou se dispor a devolver.
Fica mais fácil não eleger crápulas se não confundirmos desratização e caça às bruxas. A confusão só interessa a eles. Alguns políticos prestam. É difícil saber quais. Mas precisamos tentar. Não é tudo farinha do mesmo saco.
13 de junho de 2016
Ana Maria Machado é Escritora. Originalmente publicado em O Globo em 11 de junho de 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário