A czarina patética legou um rombo de 170 bilhões de reais e foi gozar a agonia de um golpe imaginário em meio a 120 empregados no Alvorada
Na primeira semana do Governo Temer, fruindo o silêncio melodioso que ecoava da boca fechada e da figura sumida do jeca, também silenciei um pouco. Uma pedra desvitalizou meu texto, aquela que Drummond viu no meio do caminho. Como todo sonho, essa coisa que abre caminho para a realidade, livrar a nação da escória que o desgraçou exige tempo até que se torne um fato.
Um fato não é de direita nem de esquerda: um fato é um fato. A lição básica de discernimento vem de Karl Marx, famoso desconhecido dos esquerdistas com menos de 50 anos. E o fato é que, entre a ternura e o abatimento, não sei se a pedra no meio do caminho apareceu ou reapareceu; se o caminho será retomado; se espero ou se leio outro Drummond.
Outro fato é que Dilma Rousseff, crescentemente detestável de dentro de um apego chulo ao poder, é tão despreparada para ser presidente quanto para deixar de ser. Apoiada por pessoas despreparadas para deixar de orbitar o poder, a mulherzinha faz dos restos de imperceptíveis racionalidade e honradez a saga ordinária de perene delírio que a consolará nos dias vazios e nas noites longas do resto de uma existência que volta à irrelevância da qual foi desgraçadamente desperta pelo jeca. Entre elas, os artistas fascistoides adoradores do PT e do PCdoB e, portanto, da estatização da cultura – como tudo o mais – num MINC aparelhado.
Pretendem-se comissários do povo sem saber do que ele é feito. Assim, pretextando a defesa da cultura e da memória, partem para a truculência na invasão de prédios do MINC apropriando-se de patrimônio que é de todo o povo. Esse ente idealizado entre a Vila Madalena e o Leblon, mas que não está nem lá nem muito menos entre a alucinação fascista de Marilena Chauí e a de Olavo de Carvalho: a maior parte dele está preocupado em ir trabalhar se ainda tiver emprego rezando para que não haja meliantes queimando pneus no meio da rua em defesa do gangsterismo de Estado cuja czarina patética legou um rombo de 170 bilhões de reais e foi gozar a agonia de um golpe imaginário em meio a 120 empregados no Alvorada.
Em razão desse anseio do país por ordem para progredir, é que discordo da crítica de Marco Antonio Villa à escolha do lema da bandeira nacional como slogan de Michel Temer. Ora, ela foi o símbolo onipresente nas marchas pró-impeachment dilatando o sentimento de pertença a uma mesma nação no verdeamarelismo – que, atacado por Marilena Chauí em surto permanente, só pode ser coisa boa – farta do vermelhismo que a cindia para a esbulhar.
Quem é que liga para Augusto Comte e a doutrina positivista? Os brasileiros se reconheceram na bandeira nacional, só isso; e Temer fez bem ao acolher esse reconhecimento. Também por isso deve remover a inadmissível pedra no caminho: André Moura (PSC-CE). Acusado de homicídio e réu num processo no STF, não pode continuar líder do governo na Câmara ou Temer estará ignorando o clamor das manifestações que resultaram no afastamento de Dilma em favor de nossas retinas tão fatigadas de patifarias.
Voltando à discussão sobre o MINC, registre-se que foi ignorada a perspectiva do consumidor de cultura. A classe artística despreza o fato de que, num país com Estado demais onde ele é desnecessário e de menos onde é fundamental, não há ambiente cultural para a cultura – nem para a tal alta cultura enquanto os filhos da elite que estudam em universidades públicas não se lembrarem delas em seus testamentos (José Mindlin uma das poucas exceções) ou Machado de Assis for considerado um autor elitista; nem para a tal cultura popular enquanto o “povo” achar que pode jogar o sofá velho num rio: cultura é educação.
MINC? Que MINC? O povo nunca viu nem comeu e agora só ouve falar. Povo? Que povo? O MINC nunca viu, só o assaltou. Ótimo fundir a Pasta da Cultura ao MEC porque as estruturas são parecidas e, se a economia seria insignificante, a intermitente racionalidade nacional, extinta nos governos lulopetistas, ganharia espaço. O barulho serviu para nos darmos conta de uma coisa boa, só possível com o PT fora: o Brasil voltou a falar de si, mal ou bem; a bandidagem petista ficou em segundo plano até começar a gritaria autoritária em defesa da cultura das divinas tetas e boquinhas.
Mesmo considerando que Temer não deveria ceder a militantes da chantagem que sequer reconhecem a legitimidade do governo interino, não me junto aos que o acusam de “amarelar” recuando da fusão, afinal nem tudo é uma questão de ser contra ou a favor, mas de reflexão: Temer não disseminará a racionalidade por decreto num meio impermeável e, com apenas dois anos para evitar a colisão do país com uma catástrofe maior, deve se concentrar nos embates relevantes futuros em vez de se desgastar com gente a quem não faltam grana fácil e tempo.
Um MINC desaparelhado que resolva isso basta. Os progressistas agora revoltados com a nomeação de um evangélico para o ministério da Ciência e Tecnologia no novo governo nada disseram enquanto aberrações de Mercadante a Celso Pansera passaram pelo ministério deixando como marca a redução drástica de recursos para o CNPq e para a Capes. Os fascistoides-tipo-descolados que defendem o MINC foram incapazes de ajudar Niède Guidon na defesa da Serra da Capivara.
As militantes da representatividade de gênero – só de escrever uma coisa assim já me diverte – deveriam ter queimado todos os sutiãs da presidente quando ela escolheu umas vigaristas para o governo, mas guardaram o discurso patrulheiro contra Temer por não incluir mulheres no ministério. Dilma já o alertou: as mulheres não aceitam ser “fetiche decorativo”! Claro, ou ela não teria se cercado de adornos adequados somente à sala da Família Adams; não, Erenice Guerra, Miriam Belchior e Graça Foster não foram decorativas, mas muito ativas. E fetichista é a relação da mulherzinha com a presidenta, a tal ponto que deixou 50 mil famílias esperando a entrega de unidades prontas do Minha Casa Minha Vida porque não havia espaço na agenda oficial, segundo o novo Ministro das Cidades, Bruno Araújo: é o mesmo povo do MINC que só tem concretude no gozo fetichista de ser presidenta.
Tudo refletindo o fato de que a academia onde pensadores glorificam tiranos, a classe artística que celebra tiranos e a militância que serve a tiranos não enxergam o país imenso, real, heterogêneo e devastado justamente pelo que buscam manter ao rejeitarem o governo legítimo de Temer e, como pastores da tirania viciados nas benesses do Estado, farão o diabo para inviabilizá-lo. Isso é Dilma, a pedra no nosso caminho impedindo que nossas retinas tão fatigadas de cafajestice esqueçam que tinha uma Dilma no meio do caminho. Lembrarão nas próximas eleições, em toda elas. Pelo tamanho do texto, vê-se que decidi buscar outro Drummond: o silêncio não é o companheiro preferido das minhas emoções mais puras. Perdão se me excedi.
23 de maio de 2016
Augusto Nunes, Veja
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