Vista assim do alto no sentido superficial do termo, a nova configuração do espaço compreendido pela Praça dos Três Poderes e Esplanada dos Ministérios parece abrigar dois governos distintos: um pautado por excelência e meritocracia, outro sustentado nos pilares da coalizão à moda antiga.
O caro leitor e a prezada leitora já sabem do que se trata, pois acompanharam a formação da equipe de Michel Temer, cuja diferença de padrão entre os grupos é abissal. Isso é não dito para desmerecer os políticos nomeados para o primeiro escalão. Muitos ou alguns (e talvez nenhum) deles podem vir a se revelar bons gestores e corretos administradores do bem público.
Não é por serem políticos que necessariamente são reprováveis. Da mesma forma, a chancela técnica não é apólice de seguro para probidade e eficiência. Aí estão os técnicos da Petrobrás presos em Curitiba para demonstrar, como de resto mostram também as condenações e prisões de homens e mulheres do mundo dos negócios em decorrência do desmonte dos dois (em um) maiores esquemas de corrupção de que se tem notícia.
A ideia aqui é traçar um paralelo entre os critérios de escolha que nos leve a olhar a questão de maneira menos maniqueísta e mais realista que a ótica de alguns autores. A equipe econômica, o Itamaraty, a Petrobrás, o BNDES foram escolhidos conforme o figurino da boa governança e à imagem e semelhança do que se esperava para o estabelecimento de mudança de padrão. Ao que consta, as demais estatais e os bancos públicos seguirão o modelo.
Por bom senso atrelado à demanda da realidade: se é para consertar, é preciso acertar com a escolha dos melhores. Henrique Meirelles, o “top” no quesito confiança; José Serra, o homem da quebra das patentes na área de Saúde, perfeito no quesito enfrentamento necessário ao reposicionamento da política externa; Pedro Parente e Maria Silvia Bastos Marques, indispensáveis à recuperação da confiabilidade do Estado. Todos eles enquadrados na categoria de notáveis no tocante à inquestionável competência e à expectativa de resultados.
Já a possibilidade de ganhos concretos pautou a escolha da banda parlamentar, recebida com compreensíveis senões. Michel Temer optou por não inventar nem tergiversar, foi logo ao possível atendendo no Ministério aos partidos aliados. Na escolha da liderança do governo na Câmara, optando por não criar um atrito desnecessário com um Eduardo Cunha. Trilhou caminho oposto ao de Dilma Rousseff.
O deputado André Moura era o melhor? Claro que não. Mas, dada a quantidade de senões, inquéritos, acusações e más condutas, mais prudente deixar que ele caia de maduro para, mais adiante, recolocar posições. A antecessora não soube fazer esse jogo, bateu de frente e perdeu.
Temer trabalhou com a herança recebida: um Parlamento dominado pelo baixo clero transformado em cardinalato nas gestões petistas que acreditavam no enfraquecimento do Legislativo para fortalecer o Executivo.
Falso brilhante. Eduardo Cunha é articulado, esperto, inteligente, aplicado, corajoso, racional, atrevido, um autêntico herdeiro da dinastia de Paulo Maluf no tocante à distorção dos fatos.
Nada disso, porém, afasta o fato de que perdeu a Presidência da Câmara em decorrência da suspensão de seu mandato de deputado, de que é alvo de inquéritos, réu em ação no Supremo Tribunal Federal, personagem de relatos feitos no âmbito de delações premiadas em sede de investigação, visto como inimigo público número um e político cuja companhia é repudiada pela maioria de seus pares.
Cunha anuncia volta à Câmara amanhã. Confronta o Supremo, mas o fará da sala 510 e não mais do gabinete da Presidência da Câmara. É rei posto e majestade com prazo de validade.
23 de maio de 2016
Dora Kramer, O Estadão
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