Não foi apenas o grande Cícero que classificou a gratidão como a mãe de todas as virtudes. Também como reconhecido intérprete da doutrina agostiniana e doutor da igreja, foi Santo Ambrósio, cujo corpo permanece incorrupto na basílica a ele consagrada, em Milão, quem arrolou a gratidão como o maior dever do homem.
A propósito, o procurador geral da República, com a empáfia regada pelos holofotes, aliada ao incessante clamor popular pelo combate à corrupção, cuja luta extenuante impõe cansaços e atrevimentos, cometeu, outro dia, equívoco próximo à ingratidão. Quando perguntado se este sentimento pudesse perturbar o cumprimento de seu dever de fiscalizar energicamente o ex-presidente Lula ou sua sucessora, que o nomeou para o cargo, respondeu imediatamente que não deve seu cargo a quem quer que fosse, senão à sua família.
A afirmativa é justificável, tanto quanto tem uma pitada de arrogância. Também incorreu em clamoroso engano a autoridade interpelada. A sociedade, por certo, não acolheu a resposta senão pela característica de provir ela do Ministério Público, órgão secularmente acusador, até intimidativo, em alta conta na revolução francesa de 1789, quando, depois da Bastilha, encarregou-se de sustentar o regime. A família, com certeza, é responsável tanto pelas perdas e derrotas quanto, quase sempre, pelo insucesso. É ela que promove nossa dedicação ao trabalho, nosso entusiasmo, tanto quanto nos arrasta para caminhos temerários.
Pois bem. O procurador-geral poderia revalorizar sua convicção, tanto quanto ela se mantém pelos fatos. A bem da verdade, o atual titular da procuradoria-geral deve seu cargo atual, primeiramente, ao quadro de procuradores, que o sufragou com outros três nomes. Em eleições, que pouco se ferem pelo mérito, haverá sempre justos agradecimentos aos que concorreram para o resultado vitorioso. A circunstância eleitoral, com o voto como representativo da vontade, representa, por isto, uma assembleia em que os votantes manifestam nada mais que um ato de vontade, e como tal se completa, livremente exercido. Após esta etapa, sobrevém a nomeação, que também não consulta mérito, é ato puramente político, e, como tal, o provimento se faz com inteira liberdade pelo presidente da República. Daí, se tais circunstâncias que não compõem um quadro de apuração de mérito (este não mais como pano de fundo), haverá, sim, o que agradecer, quanto mais seja este reconhecimento um ato de civilidade, como certamente o procurador-geral terá conformado sua personalidade civil pela tradição de civilidade de seus antecedentes mineiros, tal qual se inscreve nos anais da tradição da terra que nos é comum.
Se o procurador-geral declarasse gratidão pela sua nomeação, certamente não o impedirá de manter-se inquisidor o quanto for preciso, não complacente, mas, sim, mais uma vez, demonstrará sua grandeza pessoal e, à sociedade, sua convicção inabalável, seguida de sua energia, de destrinchar a verdade, toda a verdade, nada além da verdade.
O povo brasileiro agradece.
25 de março de 2016
José Maria Couto Moreira é advogado
A propósito, o procurador geral da República, com a empáfia regada pelos holofotes, aliada ao incessante clamor popular pelo combate à corrupção, cuja luta extenuante impõe cansaços e atrevimentos, cometeu, outro dia, equívoco próximo à ingratidão. Quando perguntado se este sentimento pudesse perturbar o cumprimento de seu dever de fiscalizar energicamente o ex-presidente Lula ou sua sucessora, que o nomeou para o cargo, respondeu imediatamente que não deve seu cargo a quem quer que fosse, senão à sua família.
A afirmativa é justificável, tanto quanto tem uma pitada de arrogância. Também incorreu em clamoroso engano a autoridade interpelada. A sociedade, por certo, não acolheu a resposta senão pela característica de provir ela do Ministério Público, órgão secularmente acusador, até intimidativo, em alta conta na revolução francesa de 1789, quando, depois da Bastilha, encarregou-se de sustentar o regime. A família, com certeza, é responsável tanto pelas perdas e derrotas quanto, quase sempre, pelo insucesso. É ela que promove nossa dedicação ao trabalho, nosso entusiasmo, tanto quanto nos arrasta para caminhos temerários.
Pois bem. O procurador-geral poderia revalorizar sua convicção, tanto quanto ela se mantém pelos fatos. A bem da verdade, o atual titular da procuradoria-geral deve seu cargo atual, primeiramente, ao quadro de procuradores, que o sufragou com outros três nomes. Em eleições, que pouco se ferem pelo mérito, haverá sempre justos agradecimentos aos que concorreram para o resultado vitorioso. A circunstância eleitoral, com o voto como representativo da vontade, representa, por isto, uma assembleia em que os votantes manifestam nada mais que um ato de vontade, e como tal se completa, livremente exercido. Após esta etapa, sobrevém a nomeação, que também não consulta mérito, é ato puramente político, e, como tal, o provimento se faz com inteira liberdade pelo presidente da República. Daí, se tais circunstâncias que não compõem um quadro de apuração de mérito (este não mais como pano de fundo), haverá, sim, o que agradecer, quanto mais seja este reconhecimento um ato de civilidade, como certamente o procurador-geral terá conformado sua personalidade civil pela tradição de civilidade de seus antecedentes mineiros, tal qual se inscreve nos anais da tradição da terra que nos é comum.
Se o procurador-geral declarasse gratidão pela sua nomeação, certamente não o impedirá de manter-se inquisidor o quanto for preciso, não complacente, mas, sim, mais uma vez, demonstrará sua grandeza pessoal e, à sociedade, sua convicção inabalável, seguida de sua energia, de destrinchar a verdade, toda a verdade, nada além da verdade.
O povo brasileiro agradece.
25 de março de 2016
José Maria Couto Moreira é advogado
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