"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 25 de março de 2016

DE NIXON@POL para DILMA@GOV

Senhora,

Eu perdi a Presidência dos Estados Unidos em 1974 por causa da minha paranoia, de meia dúzia de áulicos que se julgavam deuses e da raça desprezível dos repórteres, mas quero lhe dizer que quem me fritou foi a Polícia Federal. É por isso que lhe escrevo: não se meta com ela.

Sei que naquele tempo a senhora estava no esplendor da juventude. Saída da cadeia, retomava sua vida torcendo pela minha desgraça. Vi quando a senhora, já sexagenária, tietou o marechal Giap durante sua visita ao Vietnã, em 2008. Aquele anãozinho era festejado como o gênio da guerra contra os Estados Unidos. Hoje nossos investimentos no Vietnã já ultrapassaram os US$ 11 bilhões e eles querem mais.

Eu me danei no escândalo conhecido como Watergate. Uns bestalhões ligados à Casa Branca quiseram grampear o escritório do Partido Democrata em Washington. Estavam atrás do caixa dois dos meus adversários e foram apanhados.

Criou-se a lenda de que foi a imprensa que me fritou. Isso é inexato. O tal “Garganta Profunda” que deu algumas pistas a um repórter era o segundo homem do Federal Bureau of Investigation (FBI). Muito antes dessa traição, o próprio diretor do FBI chamou um jornalista do “The New York Times” e contou-lhe que a Casa Branca estava metida no caso. Eu havia mandado o general Vernon Walters, vice-diretor da CIA, travar a investigação dos federais. Piorou. A senhora deve lembrar do Walters. Em 1964, ele estava no Brasil e ajudou a livrar o país do comunismo.

Fiz muitas bobagens. Uma delas foi demitir o equivalente ao ministro da Justiça brasileiro. Como a senhora livrou-se do seu, estou preocupado. Alarmei-me ao saber que o novo ministro insinuou a possibilidade de trocar o chefe da Polícia Federal. Depois recuou, refletindo o grau de desorientação de seu palácio.

O Walters não gosta da senhora, continua conversando com brasileiros e fala bastante com um levantino de bigodes que já dirigiu a Polícia Federal. Seu nome é Romeu, creio que o sobrenome é Tuma. Ele acha que o seu ministro foi ingênuo ao dizer que punirá sumariamente os agentes que estão em equipes de onde saem vazamentos. Essa arrogância revolta qualquer corporação. Não entendi direito uma história que o Walters me contou: “Todo governo acha que a polícia vaza informações contra ele. (Eu continuo achando.) As coisas são mais complexas, imagine um caso de um agente que vazou informações que beneficiavam uma grande empreiteira? E se nesse vazamento houve dinheiro? Mais: como crucificar o intermediário se tiver sido um advogado?”. É óbvio que deveria haver punição, mas o vazamento interessava a gente do governo. Permita-me uma impropriedade, vazamento é como decote feminino. Pode ser indecência aos olhos do marido, mas na mulher dos outros é espetáculo. A senhora gostou do gesto do Garganta Profunda.

O grampo do Watergate era um crime menor, minhas mentiras não seriam suficientes para me tirar da Presidência. O que me destruiu foi o momento em que acreditei na possibilidade de obstruir as investigações. Eu e a senhora cometemos o mesmo erro inicial, sabíamos mais do que dizíamos e acreditávamos que o palácio prevaleceria. Eu cometi o engano seguinte, fatal. Não faça como Nixon.

Espero ter sido útil e despeço-me, mas não torço pela senhora.

Atenciosamente,

Richard Nixon




25 de março de 2016
Elio Gaspari, O Globo

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