"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

SUPREMO SÓ PODE EXAMINAR INCONSTITUCIONALIDADE, DIZ GILSON DIPP



Dipp lembra que Supremo não pode extrapolar
















O jurista gaúcho Gilson Dipp, 71 anos, é conhecido como o criador das varas especializadas em crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, ele tem o respeito e admiração de juízes como Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato, a quem deu posse em Curitiba. Ao longo da vida profissional, Dipp atuou no STJ, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Presidiu a comissão de reforma do Código de Processo Penal e foi coordenador da Comissão Nacional da Verdade até setembro de 2012, quando, segundo as próprias palavras, “caiu doente” e passou seis meses internado num hospital da capital paulista. “Eu morri e voltei.”
Observador atento do atual cenário de crise no país, Dipp conversou com o Correio durante quase duas horas num escritório de advocacia no início da Asa Sul, que passou a frequentar depois que se aposentou do STJ.
Como avalia o atual momento do país?
Não tem quem possa dizer que não vê com extrema preocupação. Estamos vivendo uma crise nos Três Poderes: Legislativo, Executivo e desembocando no Judiciário. Há uma falta de efetividade de compromisso do Congresso e do próprio Executivo em executar o papel constitucional. Volta e meia têm de pedir ajuda ao Supremo. Isso é uma deslegitimação. Várias das questões não são de ordem constitucional, e muitas vezes você vê o Supremo tendo de discutir uma crise imediata, política e econômica, ou de disputa de poder. E, aí, vem a judicialização da política. O Supremo tem limites. O STF não pode avançar onde não houver uma afronta direta e efetiva a uma norma constitucional.
O Supremo já não avançou?
O STF vem legislando e não é de agora. No entanto, pelo que vi, a medida liminar dada pelo ministro Fachin foi prudente para o momento.
Por quê?
Há uma crise palpável, havia uma discussão sobre legitimidade da formação da comissão que vai analisar o impeachment, o voto secreto. Tudo isso com os ânimos acirradíssimos, a decisão foi prudente por suspender por uma semana para que o plenário examinasse o pedido.
Mas há a expectativa de que não termine na próxima semana.
O ministro Fachin já disse que, se não for examinado na quarta-feira, a liminar perde o efeito e volta a ocorrer tudo como antes. E assim é que tem de ser. O processo é do Legislativo, já temos precedentes, como no caso do Collor.
Não o preocupa que o ministro Fachin defina o rito?
Se isso ocorrer, o STF, como um órgão integrante dos Três Poderes, está se aproveitando da fraqueza do Congresso e legislando, sim. Mas isso se acontecer…
Estará extrapolando?
Ele pode dizer que a Constituição está ferida gravemente em determinado dispositivo. Agora, se recomendar o rito processual do julgamento do impeachment, que é jurídico, mas, principalmente, político, estaria extrapolando. E isso não é bom nem para o Congresso, nem para o STF, nem para o Brasil.
Eduardo Cunha tem legitimidade para comandar o processo?
Ninguém conhece melhor o regimento interno hoje do que Eduardo Cunha. Essa vantagem ele tem sobre os seus pares. Aliás, três pessoas tiveram atuação destacada no Congresso porque conheciam o regimento interno. Nelson Jobim, José Genoino e Cunha. Claro que os fatos noticiados que pesam contra ele são graves. Agora, ele está no exercício da presidência. Não é o Eduardo Cunha, é o presidente da Câmara. É a pessoa que está exercendo a função. E enquanto ele não for destituído, tem legitimidade jurídica. A legitimidade moral é questionável.
Cunha está usando o cargo para travar o processo contra ele?
O Congresso é feito de lideranças. Se um parlamentar tem no seu âmbito de atuação um número de parlamentares que o apoiam, isso é também liderança. Pode se questionar a ética, mas o Congresso é um só. Se há manobras regimentais — e pode haver — decorrem também da inoperância daqueles que não conhecem o regimento. Ou não procuram conhecer ou não procuram agir. Quem o apoia são deputados também. Não é gente de fora, é gente do Congresso. A legitimidade é da função, e a função simplesmente foi um juízo de admissibilidade, que é meramente formal. É claro que temos um presidente da Câmara desgastado, mas isso não tira a legitimidade.
Na base governista, os parlamentares não confrontam Cunha?
As ações que se vê no jornal, chamadas de manobras regimentais, continuam vigorando. Há, vamos dizer, uma incompetência dos seus opositores em resolver. Não consigo ver de outra maneira. Ele não é rei, é o presidente da Câmara, podendo ser destituído. O problema está numa composição, em que o Congresso e a Câmara não têm lideranças, forças para implementar políticas públicas na sua jurisdição. Está faltando liderança, competência para destituí-lo.
Por interesse, talvez?
Interesse tem, interesses políticos, partidários, de ambas as partes.
Como avalia o governo Dilma?
A base de sustentação político-partidária da presidente é muito ruim. E isso se explica por esse tipo de presidencialismo de troca de favores. Há 30 ministérios, e a presidente não falou nem com a metade pessoalmente. A base de sustentação, além da composição partidária, é vulnerável. A Operação Lava-jato apurou que 95% dos envolvidos são ligados politicamente e são aliados do governo. Qual é a base de sustentação do governo? Não é PT, PMDB, PP? Então, a presidente tem uma base ruim, que está, em tese, comprometida com acontecimento que abalam a opinião publica. Isso a enfraquece muito.

O que isso significa efetivamente?

A presidente é uma pessoa séria, competente, não teve liderança política por enquanto, e isso não é demérito para ninguém, porque liderança não é uma coisa que se conquista, é quase uma coisa nata. Ela não teve liderança sobre o seu governo e sua base parlamentar de apoio. A gente sabe que, num momento em que fosse possível que a presidente pudesse dar uma orientação sua, pessoal, no mandato, ela poderia levar seu mandato com certa tranquilidade. Mas ela está envolta numa base de sustentação que a impede de governar como ela gostaria.
O melhor seria uma renúncia?
Veja bem, a crise política por si só não é motivo para afastar. As dificuldades vão ocorrer com ou sem impeachment. O Brasil está fadado nos próximos anos a ter uma situação como essa, talvez um pouquinho melhor, pois os ânimos estão muito acirrados. Está faltando sim legitimação política para governar. O que não quer dizer que não haja legitimação constitucional e legal. Isso está prejudicando o Brasil, o país parou. As forças econômicas e sociais estão desgastadas. Os próprios movimentos sociais, de sustentação, em tese, do governo, fazem uma sustentação parcial, porque são contra a política social que está sendo implementada. Não posso dizer que a renúncia resolveria, seria injusto dizer isso. Nem que o afastamento dela resolvesse todo e qualquer problema. Mas a situação é grave e não há competência, discernimento, do Executivo e do Congresso em pelo menos ter o mínimo de composição para o governo funcionar. Isso desencadeia uma crise que já está e vai ser maior.
Em relação ao STF, o Congresso está resolvendo seus problemas internos, regimentais, disputas políticas acionando o Judiciário, que tem de se manifestar apenas em relação à Constituição. O Executivo e o Legislativo estão se demitindo de suas funções para passar o bastão ao STF. O Judiciário tem de ser comedido. Ele só pode se manifestar, mesmo que provocado, naquilo que for de índole constitucional, e não de processo legislativo, de aspectos que estão reservados à lei ordinária ou aos regimentos internos dos órgãos.
Qual o peso da sociedade nesse imbróglio político? Manifestações podem interferir no processo?
Sempre. A manifestação das ruas, popular, dos cidadãos, dos segmentos sociais, das organizações não-governamentais influi decisivamente. E a Câmara e o Senado são compostos de representantes do povo, dependem do voto. Suas atitudes estão sob o crivo da crítica da população.

16 de dezembro de 2015
Ana Dubeux, Carlos Alexandre e Leonardo Cavalcanti
Correio Braziliense

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