Enquanto no Brasil a crise vai se arrastando, melhor completar o que estudei sobre o Portugal da Revolução dos Cravos. Já escrevi como tudo se desenrolou, mas ficou faltando muita coisa. Tento hoje completar.
O que deflagrou o Movimento das Forças Armadas ou o levante dos capitães? A resposta parece estar na combinação de duas questões: a primeira, o fato de a juventude rica portuguesa nunca ser convocada para lutar na África. Para lá iam os pobres, quando muito certa classe média de extração social mais baixa. Em segundo lugar, o fato de que, nas colônias, os subordinados nas Forças Armadas começaram a entrar em contato com o marxismo, que foi uma das ideologias propulsoras dos movimentos de libertação nacional. Daí a força inicial do Partido Comunista português entre os soldados e seus superiores imediatos. Aos generais, via de regra, era confiada a administração das colônias, como Spínola, governador da Guiné-Bissau, afinal convertido em presidente no primeiro governo provisório, após o 25 de Abril.
O fato de os capitães serem os autores do levante num primeiro momento – afinal decidido depois de muitas discussões sobre se deveria ou não haver um golpe de Estado – acabou atraindo para eles a popularidade. Na madrugada/manhã de 25 de abril, após a senha da música “Grândola, Vila Morena”, os capitães levaram suas armas e seus tanques para as ruas da capital, e houve uma verdadeira festa de congraçamento com as multidões.
A partir daí entram em cena os personagens de carne e osso e os problemas. O primeiro vacilo ocorreu com Otelo Saraiva de Carvalho. Pressentindo o fim do regime, Marcelo Caetano entrou em contato com o general Antonio Spínola, rogando que este fizesse uma ponte com os revoltosos. O general alegou que não tinha delegação deles para tal missão. Ato contínuo, Spínola entra em contato com Otelo, que aceita que aquele faça esse papel. Aí começa o drama de um governo tendo à frente um general, e não alguém da confiança dos próprios sublevados. Daí para a frente, idas e vindas, avenças e desavenças, tanto no MFA quanto durante os trabalhos constituintes. Nas primeiras eleições, o Partido Socialista veio a ser amplamente majoritário, nas condições que relatei em artigo já publicado.
Estive em Portugal a primeira vez em 1972. Era de fazer dó diante do resto da Europa. Voltei depois em 1997/1998, já como uma das negociadoras, pela Câmara dos Deputados, do problema com os cirurgiões-dentistas brasileiros lá radicados que estavam perdendo o direito de clinicar em virtude da entrada do país na União Europeia. O máximo que conseguimos foi garantir aos que lá estavam (cerca de quatrocentos e poucos) o antigo direito. Lá me encontrei com o problema resultante da adoção de listas fechadas nas eleições parlamentares. Todo mundo se queixava de que os partidos é que decidiam quem deveria ser eleito.
Portugal se modernizou, mas entrou de cabeça no inferno da submissão à troica e ao euro. Hoje, o país vai bem. O povo, não. Já vimos isso aqui muitas vezes.
05 de outubro de 2015
sandra starling
O que deflagrou o Movimento das Forças Armadas ou o levante dos capitães? A resposta parece estar na combinação de duas questões: a primeira, o fato de a juventude rica portuguesa nunca ser convocada para lutar na África. Para lá iam os pobres, quando muito certa classe média de extração social mais baixa. Em segundo lugar, o fato de que, nas colônias, os subordinados nas Forças Armadas começaram a entrar em contato com o marxismo, que foi uma das ideologias propulsoras dos movimentos de libertação nacional. Daí a força inicial do Partido Comunista português entre os soldados e seus superiores imediatos. Aos generais, via de regra, era confiada a administração das colônias, como Spínola, governador da Guiné-Bissau, afinal convertido em presidente no primeiro governo provisório, após o 25 de Abril.
O fato de os capitães serem os autores do levante num primeiro momento – afinal decidido depois de muitas discussões sobre se deveria ou não haver um golpe de Estado – acabou atraindo para eles a popularidade. Na madrugada/manhã de 25 de abril, após a senha da música “Grândola, Vila Morena”, os capitães levaram suas armas e seus tanques para as ruas da capital, e houve uma verdadeira festa de congraçamento com as multidões.
A partir daí entram em cena os personagens de carne e osso e os problemas. O primeiro vacilo ocorreu com Otelo Saraiva de Carvalho. Pressentindo o fim do regime, Marcelo Caetano entrou em contato com o general Antonio Spínola, rogando que este fizesse uma ponte com os revoltosos. O general alegou que não tinha delegação deles para tal missão. Ato contínuo, Spínola entra em contato com Otelo, que aceita que aquele faça esse papel. Aí começa o drama de um governo tendo à frente um general, e não alguém da confiança dos próprios sublevados. Daí para a frente, idas e vindas, avenças e desavenças, tanto no MFA quanto durante os trabalhos constituintes. Nas primeiras eleições, o Partido Socialista veio a ser amplamente majoritário, nas condições que relatei em artigo já publicado.
Estive em Portugal a primeira vez em 1972. Era de fazer dó diante do resto da Europa. Voltei depois em 1997/1998, já como uma das negociadoras, pela Câmara dos Deputados, do problema com os cirurgiões-dentistas brasileiros lá radicados que estavam perdendo o direito de clinicar em virtude da entrada do país na União Europeia. O máximo que conseguimos foi garantir aos que lá estavam (cerca de quatrocentos e poucos) o antigo direito. Lá me encontrei com o problema resultante da adoção de listas fechadas nas eleições parlamentares. Todo mundo se queixava de que os partidos é que decidiam quem deveria ser eleito.
Portugal se modernizou, mas entrou de cabeça no inferno da submissão à troica e ao euro. Hoje, o país vai bem. O povo, não. Já vimos isso aqui muitas vezes.
05 de outubro de 2015
sandra starling
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