Através dos tempos muito já foi escrito sobre o comunismo e a doutrina pretensamente científica que iria transformar o mundo, criar o homem-novo e conduzi-lo ao Paraíso.
Em 1977 foi editado na França – e em 1999 no Brasil – já tendo sido traduzido em 17 idiomas, o “Livro Negro do Comunismo”, organizado pelo historiador francês Stephane Courtois, um ex-maoísta convertido em crítico feroz do marxismo. Ele argumenta que o crime é intrínseco ao comunismo e não apenas u instrumento e Estado ou um desvio stalinista.Na França, o livro já vendeu cerca de 170 mil exemplares, e na Itália, a primeira edição, com 30 mil exemplares, está esgotada.
O livro, com 846 páginas, é fruto do trabalho de diversos historiadores e o primeiro compêndio abrangente dos crimes cometidos em todo o mundo pelos regimes comunistas e pelos partidos e movimentos revolucionários de inspiração marxista, desde a Revolução de Outubro.
Pela estimativa dos autores – que tiveram acesso aos arquivos da ex-União Soviética – as ações dos comunistas causaram cerca de 85 milhões de mortes. Destas, a maioria teria sido na China (60 milhões) e na ex-URSS (20 milhões). Na América Latina, os mortos teriam sido 150 mil, em Cuba, Nicarágua e Peru.
Eis a aritmética da matança: 60 milhões na China; 20 milhões na ex-União Soviética; 2 milhões no Cambodja; 2 milhões na Coréia do Norte; 1,5 milhão no Afeganistão; 1 milhão no Vietnã, 1 milhão nos países da Europa Oriental; e 150 mil na América Latina.
A lista dos crimes de Stalin contra a humanidade é especialmente longa e horripilante, envolvendo mais de 10 milhões de pessoas. Ele cometeu o crime de genocídio, conforme definido pelos tribunais internacionais, em diversas ocasiões:contra os kulaks russos, em que um genocídio de classe substituiu o genocídio de raça, em 1930/1932; contra os ucranianos em 1932/1933;contra os poloneses, bálticos, moldavos e bessarábios, em 1939/1941 e, de novo, em 1944/1945; conta os alemães do Volga em 1941; os tártaros da Criméia em 1943; os chechenos em 1944 e os inguches em 1944.
O XVI Congresso do Partido Bolchevique foi realizado em junho de 1934. Quando da votação para o Comitê Central, realizada por voto secreto, 292 delegados votaram contra Stalin, que ficou atrás de todos os demais candidatos. A vingança do ditador, assim desafiado pelos delegados, seria terrível. Em 1936/1938, Stalin liquidou 60 dos 63 membros da Comissão e Contagem de Votos, a maioria dos delegados ao Congresso (1108 em 1936) e a maioria dos membros do próprio Comitê Central eleitos nesse Congresso (98 dos 139 efetivos e suplentes).
Essa contabilidade do horror, no entanto, não chega a ser nenhuma novidade. Em 30 de outubro de 1997, quando do 80 aniversário da Revolução Bolchevique, o jornal “Izvestia” publicou uma ampla reportagem sobre essas matanças, sob o título “Outubro, 1917-1997”.
Recorde-se que nas vésperas da Revolução de Outubro, Lenin abordou a questão do estado em seu livro “O Estado e a Revolução”: “Aqui, o organismo de repressão é a maioria da população e não a minoria. Como sempre tinha acontecido no tempo da escravatura assalariada. Ora, na medida em que é a maioria do povo que domina os seus próprios opressores, deixa de haver necessidade de um poder especial de repressão. É nesse sentido que o Estado começa a extinguir-se”.
Trotsky tinha outra opinião: “Qualquer que seja a interpretação que se dê ao Estado soviético, uma coisa é incontestável: ao fim dos seus primeiros 20 anos, ele está longe de ter definhado; ele nem sequer começou a definhar; e o que é pior, tornou-se um aparelho de coerção sem precedentes na História. A burocracia, longe de desaparecer, tornou-se uma força incontrolável, dominando as assas; o Exército, longe de ser substituído pelo povo em armas, formou uma casta e oficiais privilegiados, na cúpula da qual apareceram marechais, enquanto que o povo, exercendo a ditadura através das armas, nem sequer pode possuir uma arma branca em toda a URSS”.
Segundo o “Izvestia”, o comunismo eliminou pelo menos 110 milhões de pessoas em todo o mundo. Ou seja, nos 23 países do chamado Bloco Comunista, dois terços do total das vítimas do total das vítimas causadas por todos os regimes ditatoriais do Século XX.
A título de comparação, a reportagem citou que a Alemanha nazista, no período de 12933 a 1945, foi responsável pelo extermínio de apenas 21 milhões de pessoas.
Para o “Izvestia”, Stalin pode ser considerado “o maior facínora do Século”, cujo regime assassinou 42,6 milhões de pessoas. A seguir aparece Mao-Tsetung, com 37,8 milhões, a partir de 1923, ou seja, muito antes de 1949, quando ele criou a República Popular da China.
Segundo o organizador do “Livro Negro do Comunismo”, os dados recolhidos por sua equipe estariam demonstrando que a violência é um elemento intrínseco à ideologia e à práxis comunista. Em seu longo prefácio Courtois vai além disso, chegando a comparar o “genocídio de raça” (o Holocausto dos judeus) perpetrado pelos nazistas, ao “genocídio de classe”,teorizado e posto em prática pelos comunistas.
Um agora ex-comunista, o Primeiro Ministro a Itália, Massimo D’Alema, definiu o sistema soviético como “uma forma odiosa e terrível de opressão”, enquanto Pietro Ingrao, um ex-lider do Partido Comunista Italiano, sublinhou as “conseqüências nefastas da interpretação da política como enfrentamento militar”, típica de todo o pensamento leninista.
O livro é, em suma, o balanço de uma relação histórica entre comunismo e violência. Entre marxismo e despotismo. Foi escrito para aqueles que, em todo o mundo, pregam um retorno a Marx, e ainda buscam fazer um boca-a-boca na doutrina, acreditando que ela não desapareceu totalmente.
O certoé que ela deixou marcas profundas. O tema de fundo da obra é a descrição do terror prolongado e ininterrupto como característica essencial da política soviética desde que, em 1919, Lenin fundou o Komintern, definindo-o como “o estado-maior político e ideológico do marxismo revolucionário do proletariado”.
Assim, tendo por base a estrutura orgânica do Komintern, e por seu influxo direto, surgiram todos os partidos comunistas e, sob sua égide, foi concretizado o sonho de Marx e Engels de construir uma organização mundial destinada a ganhar todas as nações para o comunismo e, a partir daí, uma vasta e vaga nebulosa, denominada pelo vocabulário do Komintern, de amplas massas.
Em troca da adesão ao Komintern, este outorgava aos demais partidos a patente de revolucionários, numa relação periferia-centro que por cerca de 70 anos ficaria conhecida como Movimento Comunista Internacional
A obsessiva imitação dos partidos comunistas de todo o mundo à imagem do PC Soviético recebeu o nome de bolchevização. Ou seja, uma ideologia compartilhada onde a política passou a ser traduzida nos termos de uma linguagem simultaneamente sagrada e fictícia. Uma espécie de Clero, destinado, como tal, a não ser compreendido, mas a ser acreditado piamente.
Após a II Guerra Mundial, a indiscutível constatação, por todo o mundo, da contribuição da União Soviética para a derrota do nazismo conduziu á não avaliação que as nações “libertadas” pelo Exército Vermelho passaram a ser submetidas a um regime tão totalitário quanto o nazista.
Em todos os lugares em que o comunismo, sempre pela força, se instalou, ele produziu terror, sem exceções. Alguns poderão dizer: “Ora, isso nós já sabíamos há um tempão”. Todavia, a importância e novidade do “Livro Negro do Comunismo” reside na divulgação da ampla dimensão em que os autores realizaram o exame radiográfico desse regime de terror. Essa obra é a primeira através da qual se poderá aprender que não existe País onde, após instaurado um regime comunista, não tenha sido imposto, em seguida, um regime de terror.
Podem variar os mecanismos do exercício do terror, a quantidade e qualidade das vítimas, mas sempre, em todos os lugares, temos que repetir com força, em todos os lugares, com idêntica ferocidade, esteve presente a arbitrariedade e a enormidade do uso da violência para a busca e manutenção do poder total.
Esse universalismo despótico é imanente á própria natureza do comunismo histórico. O “Livro Negro do Comunismo” oferece provas irrefutáveis de que é assim como escrevemos e, nesse sentido, os que ainda têm dúvidas poderiam perguntar-se se a forma despótica desenvolvida quando no poder não seria congênita á própria essência da doutrina. Os que, ingenuamente ou de má fé, ainda tentam sua defesa assinalam que “o comunismo realmente existente foi uma forma degenerada do comunismo idealizado por Karl Marx”. Dessa forma, Stalin ou Mao não teriam sido senão “desvios” ou “degenerações” do comunismo. Todavia, como e por que motivos esses “desvios” e essas “degenerações” ocorreram sempre, sem exceção, em todos os lugares?
Há várias respostas, mas a colocação de Trotsky, o comandante do Exército Vermelho, já em 1920, talvez seja a mais importante de todas: “colocada à revolução a tarefa da abolição da propriedade privada – coisa que nenhum regime jamais tentara – não haverá outro caminho a não ser o de um poder ditatorial”.
Diz a doutrina científica que os partidos comunistas conhecem as leis do desenvolvimento da História. Nesse sentido, quem acredita conhecer essas leis se desresponsabiliza moralmente, pois acredita que aqueles que obstam a História devem ser varridos do mapa.
Uma das razões, talvez a principal, para continuar a luta, sem esmorecimento, contra a ocultação da natureza intrinsecamente totalitária e criminosa do comunismo, é a de que, mesmo tendo recuado consideravelmente depois do desmoronamento da União Soviética, ele prossegue sendo uma esperança para os inimigos da liberdade, sempre dispostos e ávidos a instalar a opressão em nome dos oprimidos.
06 de outubro de 2014
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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