O título de Avô é sumamente democrático. Podem ser avô o ministro, o embaixador, o industrial, o funcionário público, o comerciário, o gari. Quando o netinho ou a netinha sorri, o avô, seja rei ou súdito, rico ou pobre, brasileiro ou portador de outra nacionalidade, se desmancha de alegria. Quando o pequenino faz uma arte criativa, o avô e a avó batem palmas incondicionais.
Dizem que avós deseducam, mas não concordo com esta tese. Por que uma criança não tem direito de dar mel ao gatinho, jogar pela janela os selos que o avô ciosamente colecionava, tirar do armário a grinalda que lembra à avó o dia do casamento para desfilar garbosamente pela casa com aquela coroa na cabeça? Os adultos comuns, adultos ordinários, estabelecem regras autoritárias que os avós, adultos especiais, adultos extraordinários, com muita sabedoria, revogam.
Como será o mundo que a netinha que me fez avô encontrará, quando se tornar adulta? Será um mundo civilizado, um mundo de Paz? Ou será um mundo que governantes imbecis, financiados por fabricantes de armas, transformarão em cenário de guerra? Como será o Brasil do amanhã? Um Brasil regido por padrões de Justiça Social, onde Mães deem filhos à luz com segurança, em hospitais públicos de excelente qualidade, confiantes do futuro, ou um país onde a Mãe, para livrar a criança da fome, aborta a vida nascente?
Os avós não são importantes apenas no círculo da família. Exercem também um papel relevante na sociedade. Transmitem às gerações seguintes a experiência que a vida proporcionou. A experiência não é para ser guardada como bem individual. É patrimônio coletivo, como muito bem colocou o filósofo inglês Alfred Whitehead.
A aposentadoria é um direito assegurado por anos de trabalho, mas não tem de implicar, necessariamente, em encerramento de atividades. Pode apenas sinalizar redução de compromissos exigentes. São múltiplas as novas experiências possíveis. Que cada um encontre seu caminho. Que a sociedade não cometa o desatino de desprezar a sabedoria dos mais velhos.
Quando me aposentei, por tempo de serviço, na magistratura e no magistério, fui tomado por uma crise de identidade. O vazio manifestou-se forte quando tive de preencher a ficha de entrada num hotel. Se estava aposentado como juiz e como professor, qual profissão me identificaria? "Ser ou não ser", eis a questão. Shakespeare, pela boca de Hamlet, percebeu a tragédia humana antes de Freud.
Ah, sim. Já sei. E escrevi na ficha do hotel, resolutamente: Professor itinerante, autodefinição que me fixou um itinerário de vida pós-aposentadoria.
06 de abril de 2014
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