"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 6 de abril de 2014

DEVO, SONEGO, ATÉ QUANDO DER

Câmara aprova outro parcelamento a perder de vista de impostos devidos por empresas

A GENTE ANDAVA entretida com as atrações da semana passada do circo de indignidades de Brasília, tais como chantagens contra a CPI da Petrobras ou desclassificados que gostam da classe dos jatinhos. Tanto que não viu jabuti gordo subir em árvore.

A Câmara dos Deputados fez a cortesia de permitir outra vez que empresas parcelem suas dívidas com o governo até o dia da falta

de juízo final. Trata-se de dívidas de impostos, multas e uma penca de tantas graças e gracinhas que apenas uma banca de advogados pode trocar em miúdos esses favores grossos.

Na quarta-feira, os deputados reabriram o Refis, um programa baixado por medida provisória em 2008 e feito lei em 2009 que perdoava multas, dava desconto de juros devidos e parcelava a perder de vista dívidas de impostos. Pode-se parcelar uma dívida milionária em parcelas ridículas, por 15 anos. Novos calotes, calotes do calote perdoado em 2008 e multas penduradas até 2013 poderão agora ser refinanciados.

A cortesia pegou carona na votação da medida provisória que tratava da tributação de multinacionais brasileiras. Esses enxertos exóticos também são conhecidos como "jabutis", os quais sobem em árvores pela mão de parlamentares que descem ao lobby das empresas.

O troço ainda vai ser votado no Senado. Dilma Rousseff deu a entender que vai vetar a nova rodada de favores.

Caso venha a vetar o esbulho, a presidente corre até algum risco de ver o veto ser derrubado pelo Congresso. Mas, além disso, não teria muito mais a perder, pois seu

filme já está queimado com as empresas, e esse nem de longe será o pior motivo para confrontá-las, ao contrário.

Muito importante, o veto daria uma satisfação ao cidadão comum e ao empresário que pagam impostos em dia, empresário que de resto se sujeita à concorrência desleal de quem "baixa custos" burlando o fisco na crença de que a sonegação sempre será compensada por alguma mamata aprovada em Brasília.

Enfim, essa coisa tem de ser vetada porque se trata de estímulo à sonegação. Dívidas de 2000 e 2003 já haviam sido agraciadas com o Refis de 2008-09. Ressalte-se o termo "agraciado": trata-se de dívidas de centenas de bilhões de reais.

Dilma Rousseff, claro, tem culpa nesse cartório. No ano passado, desesperado, sem dinheiro para tapar o rombo que fizera em suas contas, seu governo reabrira o Refis.

No Refis que deu origem à série, empresas com dívidas vencidas até 2008 poderiam aderir ao programa de refinanciamento e outros carinhos até 2009. No refil do Refis do ano passado, o prazo de adesão havia sido estendido até 2013.

Além da farra tributária, essas medidas provisórias do Refis, mas não apenas, são um escândalo pela quantidade de jabutis.

Na lei que aprovou o Refis 2013, por exemplo, entraram subsídios aos produtores de etanol, emissão de dívida para pagar os erros da política de energia elétrica, programas de violência contra a mulher, herança de licença para barraquinhas e bancas de jornal em calçada, impostos da cadeia da soja, operações de câmbio, regulação de ônibus municipais, herança de licença de taxistas e mais o diabo a quatro.

 
06 de abril de 2014
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

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