"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

O DEVER QUE DILMA IGNOROU

Se é verdade que a presidente Dilma Rousseff procurou antecipar-se a uma eventual acusação de gestão temerária ao declarar no mês passado que apoiara a compra da Refinaria de Pasadena quando dirigia o Conselho de Administração da Petrobrás, em 2006, com base apenas em um resumo executivo que se revelaria "técnica e juridicamente falho" - e que se conhecesse as cláusulas do contrato que o texto omitia "seguramente" objetaria à transação -, o estratagema parece não ter funcionado.

Um relatório da Procuradoria de Contas, a representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), recomendou ao órgão que os responsáveis pela aquisição da refinaria respondam por eventuais prejuízos que o negócio tenha causado à empresa. Ao longo de seis anos, ela desembolsou cerca de US$ 1,2 bilhão pela instalação cujo valor atual de mercado não alcança US$ 200 mil.

O parecer ao qual o Estado teve acesso e do qual publicou os trechos mais importantes na edição de domingo é incisivo.

Pede ao tribunal que a cúpula da Petrobrás - "incluindo os membros do Conselho de Administração" - responda por "danos aos cofres públicos, ato antieconômico e gestão temerária" caso se confirmem os indícios de irregularidades que o documento aponta.

Desde logo, a Procuradoria sustenta que as falhas dos gestores da estatal, no caso, foram "acima do razoável". Elas incluem o veto de Dilma, em 2008, à compra da metade da refinaria que ainda era de propriedade da companhia belga Astra Oil, à qual a Petrobrás se associara.

Essa aquisição estava prevista no contrato cuja íntegra nem Dilma nem, aparentemente, os outros membros do Conselho leram antes de aprovar a parceria com a Astra, dois anos antes. O acordo, na cláusula chamada "Put Option", estipulava que, em caso de desentendimento entre os sócios, um teria de vender a sua parte ao outro. A recusa de Dilma a acatar o "direito líquido e certo" da associada, argumenta o Ministério Público, arrastou a Petrobrás a um litígio que começou com uma arbitragem e terminou em 2009 com a Justiça americana dando ganho de causa aos belgas.

Com isso, a estatal não só teve que fazer o que Dilma não queria, mas foi também obrigada a arcar com multas, juros, honorários e despesas processuais que encareceram a compra da segunda metade da refinaria em US$ 173 milhões. "Caso se constate que não havia razões suficientes para o descumprimento da decisão arbitral", recomenda a Procuradoria, "deve-se apurar a responsabilidade dos gestores e membros do Conselho de Administração". Eles teriam errado, portanto, duas vezes. A primeira, ao aceitar um contrato em que "tudo era possível" para a Astra. A segunda, ao tentar reverter o irreversível.

Como não se sabe como exatamente transcorreu a fatídica reunião do Conselho de 2006 - a Procuradoria, por sinal, pede que a respectiva ata seja verificada, assim como as das decisões subsequentes -, não se pode afirmar se a presidente do colegiado foi quem teve a iniciativa de aprovar o negócio ou se apenas se limitou a acompanhar os votos favoráveis dos demais conselheiros. Seja como for, dada a função que exercia - e a sua condição correlata de ministra da Casa Civil da Presidência da República -, a sua responsabilidade era maior.

Nessa ordem de ideias, é de perguntar por que Dilma não adiou a decisão do Conselho até o recebimento das informações adicionais necessárias à avaliação circunstanciada da operação. Isso partindo da premissa de que tudo o que conhecia objetivamente do contrato era o que constava do resumo executivo de um par de páginas que ela viria a considerar "técnica e juridicamente falho".

A ressalva se impõe porque a primeira reação do ex-presidente da Petrobrás José Sérgio Gabrielli à alegação de Dilma foi dizer que a documentação completa esteve à disposição dos conselheiros.

Tivesse zelado pelos interesses da maior empresa brasileira, no mínimo faria jus à fama de gestora minuciosa que a acompanhava desde o Ministério de Minas e Energia. Mais do que isso, teria agido de acordo com a legislação que impõe ao administrador público o dever estrito do cuidado e da diligência.


16 de abril de 2014
Editorial O Estadão

Nenhum comentário:

Postar um comentário