Os números podem jogar luz sobre questões aparentemente complexas. Ao iluminar zonas pouco transparentes, permitem compor narrativas antes incompletas. É o que fez levantamento do IBGE divulgado ontem. A Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic 2013) apresenta retrato de corpo inteiro das administrações nas 27 unidades da Federação.
Entre os dados expostos, sobressaem os referentes aos recursos humanos. Em um ano, de 2012 a 2013, houve aumento de 9,9% no número de cargos comissionados e redução de 1,7% no de concursados. Significa que apadrinhados ocupam cargos de direção. Ostentam o crachá de autoridade, sentam-se na cadeira destinada aos chefes e, em tese, decidem os rumos do setor por que respondem.
São, porém, novatos. Desconhecem o percurso do trem que há muito está em movimento. Sem a memória do órgão, o conhecimento dos desafios e os talentos que têm à disposição, perdem tempo e deixam para trás urgências por que o eleitor anseia. Em bom português: são peças que se penduram no cabide de empregos que faz a festa de administrações públicas.
Há menos de um ano, a população tomou as ruas das grandes cidades convocada pelas redes sociais. A causa que motivou as passeatas parecia insuficiente para mobilizar as multidões que mobilizou. Aparentemente, os brasileiros se dispuseram a abandonar o conforto do lar para protestar contra o aumento de 20 centavos no preço das passagens de ônibus em São Paulo. Como se viu pouco depois, a majoração foi a gota d"água que fez o líquido transbordar.
Cartazes exibidos posteriormente deixaram clara a verdadeira razão das mobilizações. "Padrão Fifa" foi a feliz síntese das expectativas que se expunham em calçadas e asfaltos. O raciocínio respeitava os ditames da lógica. Se o Estado era capaz de satisfazer as mais sofisticadas exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa), poderia investir talento e recursos para oferecer a mesma excelência ao cidadão que, afinal, paga a conta.
A degradação dos serviços públicos é fenômeno relativamente recente no país. Há menos de meio século, o Brasil se orgulhava de escolas, hospitais e meios de transporte de qualidade. Com a urbanização e a democratização do acesso à educação e à saúde, aumentou a oferta em detrimento da excelência. Ficaram claros, então, os dois Brasis. Um podia pagar à iniciativa privada o padrão que o Estado parecia incapaz de oferecer. O outro, sem alternativa, conformava-se com a oferta, talvez sem consciência do que perdia.
Sem administração pública profissional - fruto de carreiras sólidas, valorizadas e aptas a atrair os melhores quadros -, o país engata a marcha a ré nos serviços prestados aos cidadãos. A baixa produtividade é um dos resultados da rasteira qualificação da mão de obra nacional. Se quiser ingressar no fechado clube das nações de ponta, o Brasil precisa enfrentar um desafio inadiável - formar burocracia à altura do duelo que tem pela frente.
14 de março de 2014
Editorial Correio Braziliens
Entre os dados expostos, sobressaem os referentes aos recursos humanos. Em um ano, de 2012 a 2013, houve aumento de 9,9% no número de cargos comissionados e redução de 1,7% no de concursados. Significa que apadrinhados ocupam cargos de direção. Ostentam o crachá de autoridade, sentam-se na cadeira destinada aos chefes e, em tese, decidem os rumos do setor por que respondem.
São, porém, novatos. Desconhecem o percurso do trem que há muito está em movimento. Sem a memória do órgão, o conhecimento dos desafios e os talentos que têm à disposição, perdem tempo e deixam para trás urgências por que o eleitor anseia. Em bom português: são peças que se penduram no cabide de empregos que faz a festa de administrações públicas.
Há menos de um ano, a população tomou as ruas das grandes cidades convocada pelas redes sociais. A causa que motivou as passeatas parecia insuficiente para mobilizar as multidões que mobilizou. Aparentemente, os brasileiros se dispuseram a abandonar o conforto do lar para protestar contra o aumento de 20 centavos no preço das passagens de ônibus em São Paulo. Como se viu pouco depois, a majoração foi a gota d"água que fez o líquido transbordar.
Cartazes exibidos posteriormente deixaram clara a verdadeira razão das mobilizações. "Padrão Fifa" foi a feliz síntese das expectativas que se expunham em calçadas e asfaltos. O raciocínio respeitava os ditames da lógica. Se o Estado era capaz de satisfazer as mais sofisticadas exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa), poderia investir talento e recursos para oferecer a mesma excelência ao cidadão que, afinal, paga a conta.
A degradação dos serviços públicos é fenômeno relativamente recente no país. Há menos de meio século, o Brasil se orgulhava de escolas, hospitais e meios de transporte de qualidade. Com a urbanização e a democratização do acesso à educação e à saúde, aumentou a oferta em detrimento da excelência. Ficaram claros, então, os dois Brasis. Um podia pagar à iniciativa privada o padrão que o Estado parecia incapaz de oferecer. O outro, sem alternativa, conformava-se com a oferta, talvez sem consciência do que perdia.
Sem administração pública profissional - fruto de carreiras sólidas, valorizadas e aptas a atrair os melhores quadros -, o país engata a marcha a ré nos serviços prestados aos cidadãos. A baixa produtividade é um dos resultados da rasteira qualificação da mão de obra nacional. Se quiser ingressar no fechado clube das nações de ponta, o Brasil precisa enfrentar um desafio inadiável - formar burocracia à altura do duelo que tem pela frente.
14 de março de 2014
Editorial Correio Braziliens
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