Quem me acompanha, sabe que desde há muito só frequento um tipo de museu.
Para não dizer que abandonei de vez os museus, na Espanha nunca deixo de visitar El Museo del Jamón. Quem os conhece, me entenderá. São cafés – em verdade uma cadeia de cafés – cujos tetos e paredes estão coalhadas de presuntos.
Certa vez, li em um jornal que um homem morrera soterrado por presuntos. Só pode ser na Espanha, pensei. Era.
Seria preconceito, em primeiras viagens, não visitar museus. Claro que fiz o Louvre em minha primeira ida a Paris, o British Museum em Londres, o Rijksmuseum nos Países Baixos, o Prado e o Reina Sofia em Madri, e por aí afora. (Gostei muito do Sorolla). Tive inclusive 30 horas de aula no Prado, onde ouvi um amontoado de mentiras sobre Guernica. O Thyssen-Bornemisza tem 49 salas. Ao chegar na 15ª, cansei e fui tomar uma caña no El Espejo.
O Louvre, visitei várias vezes, seja para ver outras alas, seja para acompanhar amigas que passavam em Paris. Mas logo cansei. A beleza, quando multiplicada em excesso, se torna banal.
Antes de ir adiante: considero a Gioconda o maior embuste criado através dos séculos. Um retrato sem graça alguma, visitado e reverenciado por milhões, sem nem sequer cotação no mercado: já não tem mais preço.
Sem falar que os quadros são milhões. Mesmo vendo algumas centenas, a memória não guardo. Quando cheguei a São Petersburgo, há muito havia abandonado os museus. Mas não visitar o Hermitage seria até arrogância. Fui lá. Após três horas de perambular, havia visto apenas o setor de esculturas. Deixei as pinturas de lado e fui beber algo no secular Literaturnaya Café, ali perto.
Até aqui, estou falando de uma arte que se pode chamar de arte. Com a picaretagem, tive o primeiro contato no Moderna Museet, de Estocolmo. Quadros que estavam ali... porque estavam. Nenhuma estética, nenhum talento. De lá para cá, tenho tomado contato com a tal de arte moderna através de jornais.
Quadros horrendos. Ou sem sentido algum. Tocos empilhados, retas se cruzando, borrões se sobrepondo e não lembro mais. Gostaria de ter guardado essas bobagens sem significado algum, mas nem tive esse cuidado. Se alguém quer uma idéia do que onsidero horrendo em pintura, aqui vai uma primeira. O Abaporu, da Tarsila do Amaral. Nunca entendi como alguém possa considerar aquilo arte.
Arte sempre cotada por cinco ou seis dígitos. Considerei então que o valor de uma obra não depende mais de seu valor estético ou histórico, mas do arbítrio de marchands, galeria e, principalmente, da cumplicidade da imprensa. Um quadro vale milhões porque seus promotores assim querem e panacas é o que não falta para comprar.
Hoje, qualquer mediocridade é alçada ao nível de genialidade. O mercado está cheio de gente com dinheiro para comorar, mas com pouca informação. As galerias ficam, então, na cômoda posição de indicar quem é bom, e assim emplacam artistas sem relevância, vendendo-os como se fossem imperdíveis. Numa revisão histórica,muitos deles não valerão o que se paga por essas obras.
Leio nas Páginas Amarelas de Veja desta semana, entrevista com Ralph Camargo, marchand paulista que entende do millieu. Pela primeira vez, vejo um mercador de quadros denunciando a grossa picaretagem que há atrás dete comércio. Diz Camargo:
- Há a elite consumidora de obras caras, os bancos e instituições relacionadas. Mas, no mercado. O investidor mais cobiçado mesmo é aquele que amealhou um patrimônio vultoso, anda em carros de 300.000 reais e, de repente, se dá conta que não uma única obra de valor em casa. Em suma, é o sujeito com potencial financeiro, sem bagagem cultural nem gosto estético definido, mas consciente de que sua posição social exige que tenha obras de arte Então, ele passa a comprar. Só que, infelizmente, tende a fazer aquisições sem critério, na base de indicações de amigos ou do nome que está na moda. Anos mais tarde descobre que fez bobagem, tenta se livrar daquele engodo e não consegue.
Urge então fingir que o quadro vale o que dizem valer e, se for possível, vendê-lo mais caro ainda. Como ninguém ousa, nos meios artísticos ou de comunicação, denunciar o embuste, a “obra” continua sendo de arte. Interrogado se mediocridade está restrita à arte que se faz no Brasil, diz o marchand:
- A mediocridade está muito bem distribuída pelo mundo. O inglês Damien Hirst, uma excrescência, é o mais festejado. O sujeito coloca um tubarão em uma caixa de vidro com formol e vende isso como arte. É um deboche, produto da combinação do mercado cobaixa capacidade de crítica. Os colecionadores bilionários adoram contar que pagaram 100 milhões de dólares por esse tipo de coisa. Há toda uma engrenagem de galeristas e colecionadores interessada em ganhar dinheiro com as bobagens inventadas por Hirst e outros. Takashi Marakami, aquele que faz bonecos, também é um engodo. A prodição dele é industrial. Será eu os compradores sabem disto? Enfim, enquanto houver desmiolados dispostos a pagar milhões por intervencionices bizarrras, a máquina de engodos continuará funcionando.
No início do século passado, Pessoa já previa isto:
"A pintura afundar-se-á. A fotografia privou-a de muito do seu atrativo. A futileza da estupidez privou-a de quase todo o resto. O que restou tem sido levado em despojo pelos colecionadores americanos. Um grande quadro significa uma coisa que um americano rico quer comprar porque outras pessoas gostariam de comprá-lo se pudessem. São assim os quadros postos em paralelo, não com poemas ou romances, mas com as primeiras edições de certos poemas ou romances. O museu torna-se uma coisa paralela, não à biblioteca, mas à biblioteca do bibliófilo. A apreciação da pintura torna-se não um paralelo à apreciação da literatura, mas à apreciação de edições. A crítica de arte cai gradativamente para as mãos dos negociantes de antigüidades".
Há vários anos escrevi, para espanto de leitores ingênuos: "Quem intuiu isto com propriedade foi Salvador Dali, o genial vigarista catalão. No final da vida, ciente de que sua assinatura valia mais que qualquer quadro, assinou durante dias a fio milhares de telas em branco, a serem pintadas mais tarde por funcionários de seu ateliê. Ninguém pode alegar que são falsos Dalis, afinal levam o jamegão do autor. Com sua molecagem, Dali demoliu a crítica de pintura contemporânea. Os marchands detestam Dali".
O marchand belga Stan Lauryssens confirma esta trapaça. Em um livro de memórias, Dali y Yo, lançado em junho de 2008, afirma que 75% dos quadros de Salvador Dali são falsos, mas ressalta que uma parte destes era pintada por outros artistas e finalizada por ele, que dava "seu toque surrealista". Disse à imprensa que nos anos 70 "era mais fácil vender um falso Dali do que um quadro autêntico.(...) O mundo, há 25 anos, era uma sociedade que buscava o enriquecimento rápido e não era difícil encontrar gente que investisse em arte, embora fosse falsa, com a idéia de que em cinco anos venderia a obra e ganharia mais dinheiro".
Ou seja, arte virou questão de fé. É arte o que uma minoria endinheirada acredita que é arte. Apesar da grande piada de Dali e das denúncias de alguns marchands, o embuste continua gozando de boa saúde. A bicicleta precisa continuar andando.
14 de março de 2014
janer cristaldo
Para não dizer que abandonei de vez os museus, na Espanha nunca deixo de visitar El Museo del Jamón. Quem os conhece, me entenderá. São cafés – em verdade uma cadeia de cafés – cujos tetos e paredes estão coalhadas de presuntos.
Certa vez, li em um jornal que um homem morrera soterrado por presuntos. Só pode ser na Espanha, pensei. Era.
Seria preconceito, em primeiras viagens, não visitar museus. Claro que fiz o Louvre em minha primeira ida a Paris, o British Museum em Londres, o Rijksmuseum nos Países Baixos, o Prado e o Reina Sofia em Madri, e por aí afora. (Gostei muito do Sorolla). Tive inclusive 30 horas de aula no Prado, onde ouvi um amontoado de mentiras sobre Guernica. O Thyssen-Bornemisza tem 49 salas. Ao chegar na 15ª, cansei e fui tomar uma caña no El Espejo.
O Louvre, visitei várias vezes, seja para ver outras alas, seja para acompanhar amigas que passavam em Paris. Mas logo cansei. A beleza, quando multiplicada em excesso, se torna banal.
Antes de ir adiante: considero a Gioconda o maior embuste criado através dos séculos. Um retrato sem graça alguma, visitado e reverenciado por milhões, sem nem sequer cotação no mercado: já não tem mais preço.
Sem falar que os quadros são milhões. Mesmo vendo algumas centenas, a memória não guardo. Quando cheguei a São Petersburgo, há muito havia abandonado os museus. Mas não visitar o Hermitage seria até arrogância. Fui lá. Após três horas de perambular, havia visto apenas o setor de esculturas. Deixei as pinturas de lado e fui beber algo no secular Literaturnaya Café, ali perto.
Até aqui, estou falando de uma arte que se pode chamar de arte. Com a picaretagem, tive o primeiro contato no Moderna Museet, de Estocolmo. Quadros que estavam ali... porque estavam. Nenhuma estética, nenhum talento. De lá para cá, tenho tomado contato com a tal de arte moderna através de jornais.
Quadros horrendos. Ou sem sentido algum. Tocos empilhados, retas se cruzando, borrões se sobrepondo e não lembro mais. Gostaria de ter guardado essas bobagens sem significado algum, mas nem tive esse cuidado. Se alguém quer uma idéia do que onsidero horrendo em pintura, aqui vai uma primeira. O Abaporu, da Tarsila do Amaral. Nunca entendi como alguém possa considerar aquilo arte.
Arte sempre cotada por cinco ou seis dígitos. Considerei então que o valor de uma obra não depende mais de seu valor estético ou histórico, mas do arbítrio de marchands, galeria e, principalmente, da cumplicidade da imprensa. Um quadro vale milhões porque seus promotores assim querem e panacas é o que não falta para comprar.
Hoje, qualquer mediocridade é alçada ao nível de genialidade. O mercado está cheio de gente com dinheiro para comorar, mas com pouca informação. As galerias ficam, então, na cômoda posição de indicar quem é bom, e assim emplacam artistas sem relevância, vendendo-os como se fossem imperdíveis. Numa revisão histórica,muitos deles não valerão o que se paga por essas obras.
Leio nas Páginas Amarelas de Veja desta semana, entrevista com Ralph Camargo, marchand paulista que entende do millieu. Pela primeira vez, vejo um mercador de quadros denunciando a grossa picaretagem que há atrás dete comércio. Diz Camargo:
- Há a elite consumidora de obras caras, os bancos e instituições relacionadas. Mas, no mercado. O investidor mais cobiçado mesmo é aquele que amealhou um patrimônio vultoso, anda em carros de 300.000 reais e, de repente, se dá conta que não uma única obra de valor em casa. Em suma, é o sujeito com potencial financeiro, sem bagagem cultural nem gosto estético definido, mas consciente de que sua posição social exige que tenha obras de arte Então, ele passa a comprar. Só que, infelizmente, tende a fazer aquisições sem critério, na base de indicações de amigos ou do nome que está na moda. Anos mais tarde descobre que fez bobagem, tenta se livrar daquele engodo e não consegue.
Urge então fingir que o quadro vale o que dizem valer e, se for possível, vendê-lo mais caro ainda. Como ninguém ousa, nos meios artísticos ou de comunicação, denunciar o embuste, a “obra” continua sendo de arte. Interrogado se mediocridade está restrita à arte que se faz no Brasil, diz o marchand:
- A mediocridade está muito bem distribuída pelo mundo. O inglês Damien Hirst, uma excrescência, é o mais festejado. O sujeito coloca um tubarão em uma caixa de vidro com formol e vende isso como arte. É um deboche, produto da combinação do mercado cobaixa capacidade de crítica. Os colecionadores bilionários adoram contar que pagaram 100 milhões de dólares por esse tipo de coisa. Há toda uma engrenagem de galeristas e colecionadores interessada em ganhar dinheiro com as bobagens inventadas por Hirst e outros. Takashi Marakami, aquele que faz bonecos, também é um engodo. A prodição dele é industrial. Será eu os compradores sabem disto? Enfim, enquanto houver desmiolados dispostos a pagar milhões por intervencionices bizarrras, a máquina de engodos continuará funcionando.
No início do século passado, Pessoa já previa isto:
"A pintura afundar-se-á. A fotografia privou-a de muito do seu atrativo. A futileza da estupidez privou-a de quase todo o resto. O que restou tem sido levado em despojo pelos colecionadores americanos. Um grande quadro significa uma coisa que um americano rico quer comprar porque outras pessoas gostariam de comprá-lo se pudessem. São assim os quadros postos em paralelo, não com poemas ou romances, mas com as primeiras edições de certos poemas ou romances. O museu torna-se uma coisa paralela, não à biblioteca, mas à biblioteca do bibliófilo. A apreciação da pintura torna-se não um paralelo à apreciação da literatura, mas à apreciação de edições. A crítica de arte cai gradativamente para as mãos dos negociantes de antigüidades".
Há vários anos escrevi, para espanto de leitores ingênuos: "Quem intuiu isto com propriedade foi Salvador Dali, o genial vigarista catalão. No final da vida, ciente de que sua assinatura valia mais que qualquer quadro, assinou durante dias a fio milhares de telas em branco, a serem pintadas mais tarde por funcionários de seu ateliê. Ninguém pode alegar que são falsos Dalis, afinal levam o jamegão do autor. Com sua molecagem, Dali demoliu a crítica de pintura contemporânea. Os marchands detestam Dali".
O marchand belga Stan Lauryssens confirma esta trapaça. Em um livro de memórias, Dali y Yo, lançado em junho de 2008, afirma que 75% dos quadros de Salvador Dali são falsos, mas ressalta que uma parte destes era pintada por outros artistas e finalizada por ele, que dava "seu toque surrealista". Disse à imprensa que nos anos 70 "era mais fácil vender um falso Dali do que um quadro autêntico.(...) O mundo, há 25 anos, era uma sociedade que buscava o enriquecimento rápido e não era difícil encontrar gente que investisse em arte, embora fosse falsa, com a idéia de que em cinco anos venderia a obra e ganharia mais dinheiro".
Ou seja, arte virou questão de fé. É arte o que uma minoria endinheirada acredita que é arte. Apesar da grande piada de Dali e das denúncias de alguns marchands, o embuste continua gozando de boa saúde. A bicicleta precisa continuar andando.
14 de março de 2014
janer cristaldo
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